quinta-feira, 31 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 16: Surrounded (Reprise)

Capítulo 16: SURROUNDED (REPRISE)

O vento soprava do lado oeste daquela região inóspita. O clima dizia que em breve, uma tempestade de areia passaria pelo local, transformando a paisagem num inferno de grãos que cega e derruba qualquer aventureiro inexperiente. É o "Labirinto-Camaleão", conhecido pelos poucos sobreviventes nativos daquele local.
O pulmão precisa ser forte o suficiente para manter o cigarro acesso neste vento. Ele relaxa. É reconfortante. E, a cada tragada, horas a menos de vida são acumuladas na infame lista da Dona Morte.
Não faz diferença: quem fuma vive uma vida sem a certeza da volta; sabe apenas da ida.

Suas luvas de lã e trapo, assim como sua roupa de couro que mistura jaquetas, acessórios indistintos de pano, cintos com rebites lhe servindo como apoio para suas armas, lhe fazem uma forma sólida, caminhando seguro de si, quase uma sombra, não fosse pela camisa branca que usa por debaixo de tudo isso. Sua gola está aberta e levantada; o "V" que forma em seu peitoral, devido aos botões abertos, deixa seu físico exposto...
Olhos semi-cerrados, visualizando sempre em frente e não se intimidando pela visão que cisma em engana-lo pela areia que toma o ar. Sua jornada leva tempo necessário para ele se convencer do que está fazendo, se é que precisa disso. Sequer dá pra imaginar o que ele pensa enquanto se dirige ao seu destino final.

Uma outra figura, bem à frente o observa de uma elevação de pedras, mirando diretamente no peito do homem. Vendo-o obstinado e não fazendo quaisquer menção de parar, ela mantém a mira de sua arma nele. Assemelha-se à um rifle, com detalhes que parecem não pertencer a esse mundo. Típico da raça que as usa.
Sua dúvida e curiosidade faz uma de suas sobrancelhas levantar e, sem entender bem  a sua reação, desiste da mira. Levanta a arma; sai de sua posição estratégica para abater o homem e caminha para trás da elevação de pedras.
Desce e se posiciona em frente ao seu forte de rochas, afim de barrar a passagem do moço. Este pára, lentamente, a 20 metros da figura que carrega o rifle na mão. O seu cigarro ainda garante algumas tragadas.

Frente à frente, eles se encaram. E o vento parece cercá-los, preparando-os para o combate que vai além do que os olhos podem presenciar.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia - Capítulo 15: Proposta


Capítulo 15: PROPOSTA


Duas semanas depois 

As manhãs chegavam sempre da mesma forma. O Sol lançava sua luz tímida, e trazia consigo o anúncio das primeiras horas do dia. Embutido neste aviso, carregava consigo um efeito mágico, ao refletir um lindo brilho nas dunas do deserto. O ar fresco mantinha o ambiente ainda mais agradável e trazia uma silenciosa paz no coração daqueles homens que lutavam, dia após dia, pela existência de sua espécie. Esses primeiros minutos após a noite estrelada faziam muitos parar alguns instantes e sorrir, mesmo após uma batalha. E nem era pela vitória. Isso acontecia também na derrota. Eram momentos únicos. Todos os homens, em segredo, desejam ou esperam esses primeiros minutos do raiar do Sol. Aquecem seu coração. Mas é bem verdade que alguns preferem o brilho das estrelas e o silêncio da noite...
O brilho delicado entrava pelas janelas do Q.G. Deep Sea, sem pedir licença, porém era muito bem vinda. Entrava quieta, sem fazer barulho, como se, envergonhada, escondesse um sorriso de poder entrar sem ser impedida.
 Onde tocava, deixava os móveis e os objetos com uma aparência clara e serena, apesar de serem velhos. Ultimamente ficavam ainda mais bonitos quando essa luz repousava. O dono daquele local havia se empenhado na limpeza da poeira contida neles nos últimos tempos e evitava a todo custo que a depressão impregnasse nos cantos e nos detalhes. Nas primeiras horas da manhã, era uma mistura de luz e calmaria que banhava todos o espaço do barraco. Do outro cômodo, em uma cozinha improvisada, como sempre foi, ouvia-se o barulho de água. Gipsy sentia a chegada da manhã, enquanto mergulhava e esfregava as mãos numa bacia cheia. Jogou o líquido dentro da concha que fazia suas mãos, devagar e delicadamente no rosto, fechando os olhos. Permaneceu um tempo assim, e inclinou a cabeça pra cima, sentindo a manhã entrar pela sua casa. Tentou sorrir, mas o máximo que conseguiu foi suspirar.
Aborreceu-se. Tudo aquilo era mentira. Cedo ou tarde aquela sensação de paz dissiparia no ar, com a aparência branda que aquela luz fingia ser. Sua timidez revelar-se-ia na mais pura maldade acalorada. O toque sutil da luz e os móveis expostos à ela faria tudo que é madeira estalar, pedido para parar, na linguagem dela, quando está muito calor, ou quando há ausência deste. No passar de horas, tomaria a forma do Cavalo de Troia: em seu interior guarda a essência da temperatura do inferno. Os homens começariam a suar. Seus rostos ficariam com uma aparência mais rude e seus olhos, apertados com o brilho do Sol. Não haveria mais tanta paciência. E tudo ficaria mais difícil para enfrentar Lullabys em plena luz do dia.
De fato, eram raros os dias que o clima se mantinha estranhamente morno, com o passar de nuvens e um vento refrescante, como naquela ocasião em Match Tide Village, há algumas semanas atrás. Quando os dias tomavam essa forma, Hunters estranhavam a repentina mudança enquanto outros comemoravam com rodadas de Sand Beer ou Cactuarah estocadas em suas dispensas. Esses últimos diziam que o vento soprava à favor a vitória dos Homens contra as criaturas. Alguns até afirmavam de pés juntos que este ar era benéfico para a Ressonância.

No entanto, a algumas semanas atrás, este clima não foi comemorado pelos dois homens que permaneciam naquele vilarejo...

Gipsy despertou de um pensamento distante, iniciado pela raiva que sentia do calor que chegaria em breve. Ele precisava cuidar de alguém que jazia no leito do cômodo ao lado. Despertara por murmúrios do mesmo que se encontrava deitado na cama inconsciente:

— Nunca...nunca vi olhos mais belos como os seus... Eles me iluminam nesta... escuridão... expulsa-me da minha antiga vida sem sentido...e agora sirvo-te... de corpo e alma...sou único...para seus propósitos puros...

Gipsy notou, pelos murmúrios de Greenglasses, que a febre havia voltado. Hoje seria um dia de poemas infernais...

No entanto, o Hunter agradecia interiormente pelo processo que estava sendo nestes dias. As feridas de Glasses estavam em ótimo processo de cicatrização, e a febre alta que teve nos primeiros dias fazia com que Gipsy trocasse a água da bacia e torcesse o pano muitas vezes. Essa rotina já havia acabado, mas seu coma era profundo, seus delírios ainda mais e o estado febril parecia nunca querer abandona-lo. Todavia, estava mil vezes mais fácil cuidar dele agora.
Até o fim do quinto dia, Glasses levantava bruscamente da cama, apenas a parte o tronco, abria os olhos e proclamava brados trechos de proteção à Lullaby, fiel como um cachorrinho. Era evidente que, quando se observava os olhos, conseguia afirmar com certeza de que o Hunter não estava ali. Estava nas profundezas da ilusão. Desesperadamente sofrendo e gritando de lá, seu pedido de ajuda. Mas eles se transformavam no caminho e chegava à superfície como poemas de vínculo e fidelidade cega.

Gipsy levou a bacia com trapos limpos e colocou-a no chão ao lado da cama do amigo. Puxou o banquinho, sentou-se e mergulhou o pano na bacia. Em seguida torceu-o, e colocou na testa de Glasses, e este parou de murmurar. Voltou a respirar calmamente, no mais pacífico sono.
A ilusão levaria mais um tempo neste estágio, deixando-o apenas dormindo. Mas a preocupação de Gipsy seria quando ele acordasse: o que deveria ser feito.
Provavelmente, ele levantaria normalmente da cama, e quando tivesse uma crise, procuraria a Lullaby que o acertou para servi-la para todo o sempre. E o Hunter não queria ter de espancar seu amigo até quase à morte novamente.
Mas, verdade seja dita, era irritante ouvir o amigo dizendo aquelas coisas. Os Hunters viviam com um propósito, viviam para um fim. Era totalmente oposto àquilo que estava sendo pronunciado pelo inconsciente do amigo. E lembrar que, em outrora, Gipsy ja havia passado pelo mesmo problema, o fazia sentir pena e ainda pior em relação à tudo.
Seus movimentos começaram a se tornar automáticos, ao cuidar do amigo. A visão do homem desfocou por alguns instantes, nas lembranças em primeira pessoa...

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"Era um Sol radiante, pra variar, que estava no céu. Tudo estava em silêncio. Algo quente escorria do seu peito. Deixou cair de suas mãos suas antigas armas na areia e procurou toca-lo. A mão voltou vermelha. A outra fez o mesmo, para tentar parar o fluxo de sangue que jorrava. Era desnecessário.
Ouvia seu coração batendo rapidamente, pelo estado de choque em que se encontrava. Chegava então uma leve dormência, um formigamento que tomava o braço esquerdo, por estar bem próximo do coração. Ergueu a mão jovial pintada de sangue para o Sol, e como se a ilusão já começasse a fazer efeito, contemplou-a. 
Uma brisa veio e mexeu seus cabelos e sua roupa.
Admirou a cor tingida. Observou com detalhes que era jovem demais pra ter tido este fim. Pensava em chegar mais longe, ileso. A visão escureceu e tombou para o lado, perdendo a consciência."

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"Sua mão tremia, mas segurava a arma com força e apontava para para uma figura desfocada. Era alta, e estava próxima à ele; bem em sua frente. A figura mantinha suas mãos erguidas para frente, num gesto que o pedia para parar. A arma, mirando esta figura, tremia, mas nunca saia da mira. Era surpreendente. Vozes abafadas, gritos e diálogos retrucados aconteciam, alheios à perfeita audição e entendimento da cena.
A arma sai de sua mira e volta-se pra quem segura. Antes que a figura possa impedir, é apertado o gatilho."

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"O corpo balançava e os olhos piscaram uma ou duas vezes para abrir, quase definitivamente, e ver que tudo reagia no cavalgar de um Lizgart. Podia ver pela sua visão periférica o tamanho do rabo da montaria, mas não conseguia ver ao redor. Parecia estar muito bem amarrado e preso como uma bagagem, de barriga pra baixo. Havia uma total ausência de vontade própria. Sentia que precisava proteger alguém, mas quem? O rosto da criatura na lembrança estava definitivamente desfocado, deixando-o em dúvida se realmente essa existiu. Seus braços estavam sujos e balançavam com força enquanto o Lizgart o levava para não-se-sabe-onde."

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"Uma voz abafada, de uma outra pessoa, conversa como em um monólogo. Diz que precisa tentar 'essa' alternativa.
 Tudo está escuro. Um ponto luminoso, verde, acende longe, no meio do profundo breu. Não se pode ver o corpo correndo, não enxerga-se a um palmo de distância. Corre em direção do pequeno ponto, com sua coloração e luz cada vez mais forte. Uma Ressonância o faz emitir um brilho branco, e em seguida, sua coloração verde fica fluorescente, e sai ramificações  luminosas, que deslizam pelo breu, iluminando apenas por onde passa. Essas ramificações vão expandindo como raízes num processo aceleradíssimo de crescimento.
Uma destas raízes agarra o tornozelo direito, e pode-se ver o pé. Sente o corpo ser puxado e caindo no chão, é arrastado para o centro dessa luz. Chegando perto, não é um ponto e sim um grande globo. A visão esbranquece aos poucos e o telefone toca..."

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O Telefone toca.
 Gipsy abre os olhos no tranco que toma em cima do banco que estava sentado. Olha com estranheza na direção do aparelho, por ainda ter energia o suficiente para importunar. Em seguida, reflete que poderia haver muitos Peacemakers que ainda não sabia que o grupo Deep Sea estava em hiato. Levantou-se, largando o pano que havia permanecido todo este tempo na sua mão, dentro da bacia com água e atendeu-o.

— Alô, é Gipsy que está na linha?

Esse jeito de falar Gipsy conhecia muito bem.

— Ah, bom dia para você também, Higher!

— Gipsy! A tempos que não nos falamos! Por onde esteve?

— Não vai acreditar se eu te dissesse que hoje em dia eu saio muito pouco aqui do Q.G....

—Muito trabalho a ponto de nem conseguir ir realiza-los? Eu pensei que tivesse dado um tempo, segundo rumores...

— Os boatos são verdadeiros, Higher. Estou dando um tempo nesta merda toda. Você sabe, colocar a cabeça em ordem e preparar novas estratégias...

— Você não precisa me dar satisfações, Gipsy! Anda mesmo mudado,hein? — ele ri e continua — Parece que estamos sempre um ou dois passos atrás dessa raça que insiste em crescer e nos ferrar.
O que será que elas querem? Um exercito de Hunters zumbificados dispostos a servi-las?

— ...

— Gipsy, diga-me, não estaria disposto a pegar nenhum servicinho? Olha, é coisa básica. Mamão com açucar, se é que você sabe o que é um mamão...

— Já tive o prazer de experimentar essa fruta rara...

— Então, deixa eu continuar. A um tempo atrás, eu fiquei de caçar essa Lullaby que estou lhe reportando. Na ocasião eu sabia onde ela estava, mas no fim , não conseguir ir atrás dela. Pintou um monte de trabalho e ela ficou aqui, na minha lista de trampo não realizado. Pelo que sei, ela ainda não foi silenciada. Te interessa?

— Higher, vou ficar te devendo essa.

— Olha, esse trampo surgiu pra mim mas você receberá 100% em cima dele. Qual é, Gipsy! Ela parece ser de Rank baixo, a aparência é de bem nova. Essa raça não apresenta problemas quando misturam esses dois quesitos. Não acredito que você vá levar mais do que duas horas para finaliza-la.

— Higher, eu sinto muito, mas eu não estou com cabeç...

Todo aquele papo estava irritando-o. De repente, Gipsy teve uma tempestade mental. Higher não pode ouvir o baixo gemido que Gipsy deu segurando o telefone, mas o Hunter teve uma "interferência" nos pensamentos, como se tudo que ele não quisesse pensar, passasse como frames e quadros em sua mente. Agaichou-se e segurou com firmeza o móvel que sustentava o aparelho. Demorou uns longos segundos para voltar ao normal.De súbito, sua mente silenciou-se em tudo. Tudo mesmo.Os dois lados de um mesmo homem, havia desmoronado: Fé e Descrença, assim como tudo que pertence a essas duas coisas, foi varrido do seu coração, da sua alma. Não havia um pensamento maciço dentro de sua cabeça.

— Gipsy, você ainda está na linha? Hey, aconteceu algo? Responde, caramba!

O Hunter levantou lentamente. Havia parado de tremer. Ainda segurava o telefone. Primeiro, virou e olhou em direção à cama que estava deitado Glasses, e ficou uns segundos só observando. Embora não pensasse em nada, esboçou uma expressão que estivesse passado algo pela sua cabeça e levou o telefone novamente para o ouvido:

— Diga-me, Higher. Onde posso encontra-la? Me dá mais detalhes...

























sábado, 19 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 14: Countdown!


Capítulo 14: COUNTDOWN!


O tiro da arma diminuta disparou, e seu projétil rasgou, deixando um rastro rosa-fúcsia pela sua cauda, no espaço entre Florença e Cordas.
Com violência, o Hunter levantou seu machado, como se erguesse uma bandeira de sua pátria, de baixo para cima, fazendo sua lâmina cortar o chão e buscar o céu, no momento exato que o projétil chegara a dois metros do seu coração. Cortou o tira luminosa em duas partes e suas metades caíram paralelas porém distantes do homem, explodindo em seguida. Seu machado vibrou quando acertou o tiro que almejava, de forma sedenta e decisiva, o seu peito.
Florença sorriu, agachando-se no chão e se posicionando de forma ofensiva. Quatrocordas estava com uma expressão quase de pânico e seus dentes estavam travados. Deve ser por isso que a Lullaby sorriu: aquele homem, com toda aquela força que possuía, ainda tinha de se esforçar — e muito — para não perder.
O Hunter posicionou o machado na frente do seu peitoral e desferiu um golpe de sua maça no chão, ao que a criatura escapou facilmente dos pilares naturais que subira do chão e da pequena cratera que rachava no deserto. Quatrocordas estranhou o resultado do seu golpe: sentira que algo estava travando, de forma considerável, seus movimentos e força que exigiam poder muito bem calculado. Notou rapidamente que as culpadas disso eram as alças de sua mochila.
Na fração de segundos que sucedeu, Cordas ficou ainda tenso: lembrara que carregara na mochila. Era extremamente perigoso ficar com aquilo nas costas;precisava esconder imediatamente , a todo custo.
A todo custo, precisava levar os pergaminhos ao Deep Sea, porém, jamais poderia levantar suspeitas de Florença. Sair vivo desta enrascada seria por si só um problema e tanto; se a Lullaby descobrisse que a verdade estava nas mãos de um Hunter, então o mundo todo estaria ameaçado para sempre.
Procurou rapidamente algum estrutura rochosa que pudesse esconde a mochila que detinha os importantes documentos: olhou rapidamente ao redor, e da primeira vez não houve tempo para criar esperanças; Florença já tinha avançado novamente para cima dele.
Ela jogou os braços para trás e girou a cintura para o lado esquerdo a perna direita e alternando a oposta apoiando no chão, enquanto girava. Seus chutes consistiam em sentidos giratórios, sempre avançando com a graça do balé e mortal como o Kung-fu.
Sua velocidade e força impedia que Quatrocordas saísse do bloqueio realizado graças ao Simmons e a Morning Star, e o impacto de cada chute o fazia recuar inconscientemente. Abaixou e levantou rapidamente, travando com suas armas cruzadas, os pés da Lullaby.
Exerceu sobre elas relativa pressão, de modo que prendeu a perna da criatura com o lado chapado do machado e o cabo da maça. Quando teve certeza que imobilizara boa parte da panturrilha , começou a girar em movimento de rotação.
Cordas girou e logo tirou a criatura do chão, presa às armas dele pelo pé. Ele deve ter girado umas oito vezes e só quando teve certeza que girava rápido, descruzou de súbito o machado e a maça e Cordas relembrou que, se por um lado ela era leve e ágil, ela também poderia ser arremessada com facilidade.
No horizonte que mantinha-se ampliado e imponente à sua limitada visão, a Lullaby distanciava com grande velocidade, graças ao seu arremesso. Ela entrava de cabeça no profundo cenário de nuances alaranjadas, de marrom e cor-de-terra. Quatrocordas sabia que não havia a menor possibilidade d´ela não comer areia. Mas ele torcia que tivesse uma chance remota de, com o arremesso e queda, ela ficasse um bom tempo imóvel.
Com as armas empunhadas em cada mão, olhava para os lados e procurava com pressa, na vasta área que se situava, uma elevação, um amontoado qualquer de rochas onde eu pudesse guardar o Santo Graal daquele seu mundo. Não era só pelo interminável extensão daquela realidade, seco, quente, empoeirado, onde a solidão estava contida em cada grão do infinito. O mundo dos Hunters não era tão grato a ponto de ter cópias e mais cópias daquele documento tão importante que estava em sua mochila. Além do mais,Cordas os tirou de um local nada fácil de encontrar. E, para encontrar, precisou de uma informação ainda mais rara, proveniente de uma amizade verdadeira. Vindo de um Hunter que abdicou-se da eterna luta em troca do conhecimento. De um caçador que achou, enfim, um caminho.
Poderia Cordas estar procurando, com a mesma profundidade, esse mesmo fim?

A certeza era que, ao menos, ele estava sendo testado, com o pior azar possível...

Avistou, enfim, uma estrutura rochosa a uns cinco quilômetros e meio de distancia.  Do local que enxergou tal estrutura, calculou que tivesse uns dez metros de altura. Era mais do que precisava, era totalmente possível esconder a mochila ali e lutar "tranquilamente", afastado de lá. Mas, na mente de Cordas, algo não encaixava. Ele sentia que precisava raciocinar, e bem, quanto à situação. Sentia que estava fazendo algo contra a sua vontade, que mudara radicalmente nestes últimos dias. Esse incômodo estava presente na luta contra Belthias, e agora mais ainda contra sua algoz Florença.
No momento, Quatrocordas precisava se concentrar em proteger os documentos. Depois, ele precisava planejar em como resolver as outras coisas.
Virou-se, e foi em direção à distante formação de rochas. Quando começou a correr, ouviu ao longe o impacto do corpo dela chocando-se no chão, e o estrondo que ecoou, abrindo um caminho isolado no chão empoeirado.
O Hunter encarou o barulho como uma contagem regressiva: a partir daí, ela poderia levantar enfurecida afim de brincar à sério. Então, para correr mais rápido, o Hunter arremessava suas pesadas armas para frente na direção do amontoado de rochas e, assim que as alcançava, apanhava e arremessava-as novamente. Ele manejava um machado e uma maça nem um pouco leve. Embora as manejasse com maestria, elas faziam sua velocidade cair muito.
O homem ja havia corrido metade do trajeto quando a Lullaby, ao longe, levantou. Pô-se a perseguir o Hunter com boa velocidade atrás de Quatrocordas e este ainda via-se longe da estrutura. Continuou fazendo o mesmo processo de arremessar as armas e neste meio tempo arquitetou algo a se fazer para atrasar ainda mais a criatura. Entretanto, para colocar em prática, precisava te-las em mãos e parar de correr.
Florença estava cada vez mais perto e Quatrocordas não teve escolha. Precisou parar e, volta-se para a Lullaby. Apertou com força o cabo da maça e esperou a criatura estar relativamente perto. Calculou o momento certo e assim que pôde, saltou, erguendo a Morning Star. Quando caiu, acertou com grande força a maça-estrela no chão, erguendo a colossal barreira natural.
Não esperou a certeza de ouvir o choque da criatura do outro lado da extensa e grossa parede: voltou-se para o amontoado e correu o quanto podia. Sem parar, e se aproximando das rochas empilhadas, foi tirando a mochila das costas. Neste instante, o homem foi surpreendido por uma luz rosa-intensa, quase lilás, que chegou momentaneamente assim que o brilho desceu e explodiu as rochas que serviriam de esconderijos para a mochila.
O homem alto cobriu os olhos com o braço direito, ainda segurando a maça-estrela e uma chuva de terra seca o cobriu.
Florença veio dos céus e pousou no que sobrara do amontoado de pedras. Cordas tirou o braço da altura dos olhos e viu o seu plano falhar miseravelmente.

— Que falta de educação me deixar para trás, Cordas. Onde pensava em ir?

— ...Eu estava procurando uma chapelaria, mas parece que ela acabou de ir para os ares!...

A Lullaby pareceu não entender a piada do homem. Este murmurou:

—Não vai ter jeito mesmo, né?

O Hunter encravou a lâmina do machado no chão ao seu lado e a Lullaby, que estava na ponta dos pés sobre a elevação, esboçou uma expressão de interrogação. Ele tirou a mochila e arremessou longe, à sua esquerda. A criatura nao fez menção de virar o rosto para acompanhar o pouso da mochila distante dali. Continuou a olhar o homem com um interesse singular. Os olhos dela faiscavam quando o via e Cordas aborrecia-se profundamente com isso.
Ele começou a contar os dedos, sem tirar os olhos de Florença e inconscientemente, perguntou ao léu:

— Estamos próximos do vigésimo dia do mês? Passei tanto tempo escondido que me perdi na contagem das luas...

— Não seguimos essas nomenclaturas que vocês Hunters precisam para situar-se em vida.

— Essas nomenclaturas trazem algumas informações importantes — E, baixinho, continuou — Por exemplo, em uma batalha contra vocês, quanto tempo temos para silencia-las antes que nos enfiemos num problema maior.

— O que quer dizer com isso? — Disse a Lullaby enfurecida.

— Significa que, se eu estiver correto, terei de terminar essa luta em menos de três semanas, se eu quiser ter uma chance remota de te vencer.

— Hmm, então é por isso que vocês contam os dias naquilo que nomeiam como calendário? Só para estarem a par de nós, Lullabys?

—Hoje em dia, contá-los só servem para isso. Estão inteiramente ligados a nossa chance de sobrevivência!

— Eu não creio que você tenha a menor chance comig...

— Por isso eu te disse — e, tirando o casaco que mais parecia trapos sobre seu corpo robusto — Vou ter de terminar essas luta em menos de três semanas!

Cordas agarrou o cabo de prata do machado Simmons e tirou-o do chão:

— Venha, criatura!

E a Lullaby prontamente atendeu o seu pedido...
  

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 13: X-Cution


Capítulo 13: X-CUTION


Os únicos elementos que sobrara do antigo cenário — que agora estavam devidamente arrumados — eram sem dúvida os leitos de cada um. Estar dentro do Q.G. e ver que estes ainda existem trazem uma nostalgia e uma esperança tímida e disfarçada, por ainda remeter à época áurea onde os Hunters descansavam antes de uma caçada em conjunto ou até mesmo depois, geralmente chegando com a luz do dia, exaustos, sob efeito deste ou daquele ataque de uma Lullaby; O gosto do Egocon na boca, suas armas gloriosas por batalharem a noite inteira...Ou boa parte do dia. Tudo isso fazia história e cravava uma memória forte, impetuosa e vívida dentro da mente dos Hunters, dentro de seus corações e agora, impregnadas nestes objetos dentro do quartel general do Deep Sea.
Entretanto, por estarem arrumados, em diferentes lugares da cabana, também trazia uma quebra na imagem. Exibia um novo tempo. Um tempo triste, melancólico, que dava sinais que não estava ali para receber os Hunters cansados, porém inteiros. Desde que mudou o cenário, essa nova visão convidava-os a acreditar que as camas — antigamente sempre bagunçadas — hoje organizadas, seriam a  futura lápide dos heróis de areia que aceitam tarde demais seu infeliz destino...
A porta foi aberta na base da "pesada". As mãos de Gipsy  estavam ocupadas segurando Greenglasses no colo. Deixou-o no chão próximo a entrada, porém do lado de dentro e dirigiu-se mancando até o estoque de primeiros socorros, que já se encontrava um pouco escasso. Depois, levou-o para os fundos, onde lavou os ferimentos e livrou Glasses das roupas quer não usaria mais. Este mantinha um colete leve e uma calça. Estavam rasgados, porém bem mais inteiro do que o restante dos acessórios que usara nas batalhas. Gipsy, antes de repousar o amigo na cama, forrou o leito com outros lençóis para não sujar os que estavam ali.
Só então colocou o amigo, e não sabia dizer se Greenglasses ainda estava presente ou não.
Permanecia com uma expressão serena, apesar dos ferimentos graves. Dava a impressão de estar apenas dormindo. Dormindo em uma paz rara e profunda. Não fosse tão crítica a situação de Glasses, era possível até  procurar um sutil sorriso de canto de boca. Mas tentar achar algo assim seria uma ilusão ainda pior que este se encontrava, mais uma vez, dentro de sua alma.
Gipsy sentou em um banquinho que arrastara ao lado da cama. Sua tristeza, antes mesmo da luta começar, ainda permanecia. Eles haviam passado juntos por esses problemas na vez em que a maquinista de Train Oasis acertou o manipulador do Ioiô. Mas, apesar do sofrimento, ele não estava sendo controlado pela Lullaby. A ilusão era profunda, mas no fim das contas ele havia conseguido achar a saída do labirinto. Não precisou que Hunters duelassem entre si. Não precisou que se ferissem quase até a morte. Não fez amigos chorarem...
Ali, ele ficou limpando as feridas do amigo e, quando terminou de usar panos, gaze e esparadrapos relativamente limpos, apoiou os cotovelos nos joelhos afastados, ainda com o corpo repousado no banco. Encostou as mãos com os dedos entrelaçados apoiadas na testa e pareceu cochilar., desejando imensamente que Greenglasses acordasse de um sono que, no fundo, Gipsy sabia bem que demoraria no mínimo algumas semanas, ininterruptas.
Deixou-se levar pelo cansaço e, por alguns minutos esqueceu a dor do seu corpo, de quem também queria abandonar aquele mundo...

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O risinho era de praxe quando essa raça gostava de provocar um Hunter. Virou-se, ainda em, cima da mochila de Cordas, e ficou de bruços olhando para baixo e fitando dentro dos olhos dele. Ela parecia flutuar. Apoiou a cabeça com uma das mãos, cotovelo sobre a mochila e com a outra, ergueu o braço e esta estava numa posição como se tivesse chamado algo do chão e ascendesse aos céus.
Não tinha como Cordas simplesmente esquecer aquele brilho de faixas de luz totalmente negra. Eram muitos, finos pilares, semelhantes à raios que realmente não vem do céus e sim, do chão. Aparecem na mesma velocidade, num lapso- relâmpago agressivo, tomando uma boa área. Como se do chão emanasse uma erupção de algo terrível. Quando a vítima se da conta desse ataque, ela já está em queda livre, observando de ponta cabeça a chuva de pétalas de rosas incomum, e não demorará para a cabeça do atacado bater violentamente na areia.
Quatrocordas conhecia bem esse ataque que hoje em dia ele conseguia cair de pé. Só não era rápido o suficiente para escapar. Não podia orgulhar-se, quando a poeira abaixasse, de permanecer todo ferido no meio daquele pandemônio, no fim das contas. Mas, tratando-se "dela", Cordas estaria dando, a todo momento, o seu melhor.

Porque, se não o fizer, sabe que morrerá sem perceber.

Enquanto ofegante, Cordas pensava:

— Maldito ataque! Sempre quando acho que vou escapar, estou no epicentro. A situação é a pior possível. E agora?

O Hunter, por um momento, pensou que fosse seu último dia de vida.

E ele não estava de todo o errado.

A poeira estava dissipando quando viu a silhueta da Lullaby, flutuando , de pés juntos, encostando suavemente o ponto dos pés na areia. Mantinha uma postura firme, graciosa e em perfeita harmonia. Tinha um ar de bailarina...
Isso era natural da grande maioria dessa raça: serem graciosas e ágeis. Algumas, mais que outras. Especialmente "essa", que exagerava na facilidade que tinha em ser leve, ágil, rápida e mortal. Para Quatrocordas, todos esses atributos dobravam ou triplicavam contra ele.
E, por isso mesmo, especialmente por culpa de Cordas, ela fazia parte de um grupo especial.

Uma organização beirando a perfeição, especializada em extermínios específicos de Hunters.

O grupo X-Cution.

Um Hunter que perde fatalmente para uma Lullaby, sendo controlado ou ficando preso na ilusão, contribui para que esse exército distinto e mortífero cresça a cada dia, ameaçando os homens do deserto à extinção.

Esse grupo é especializado em Hunter derrotados. Significa que cada Lullaby conhece todos os pontos fracos daquele que cada uma derrotou ou dominou. Significa que, cada Hunter derrotado em algum ponto da sua vida, possui uma algoz por toda a sua existência...

...Significa que, quando um Hunter encontra com sua algoz, ele terá sérios problemas.

Hunter de nível inferior tem chances maiores de perder para uma Lullaby e, com isso, a transforma em sua carrasca. Ou seja: Hunters fracos tem mais chances de acumular derrotas. E se sair vivo de todos os controles ou dominações, a sorte não esticará a vida do pobre coitado por muito tempo. Cedo ou tarde ele irá esbarrar em uma de suas algozes. E não irá durar muito pra contar história.
Neste vazio todo, são raros os Hunters que nunca foram atingidos por uma Lullaby. Estes não possuem cicatrizes. E isso não porque nunca enfiaram-se em uma luta. Muito pelo contrário: parecem que nasceram prontos, sabem bem o que fazer e quando fazer. Por elas são chamados de Straydogs, embora pelos Hunters são conhecidos como Untouchables.
Esses dirigem suas vozes e seus olhares para Hunters normais com arrogância, classificando-os inferiores. Apesar de contribuírem como uma força oposta ao crescimento do X-Cution, caçadores normais não suportam tamanha frescura e péssimo tratamento que os Untouchables  se dirigem à eles. Por serem egoístas e extremamente solitários, é raríssimo ouvir sobre um grupo desses intocáveis homens unir-se e lutar por uma causa em comum. O ato de silenciar Lullabys é feito de forma individual e quase oculta por esses arrogantes. Mas diz algumas lendas que houve uma vez que um grupo desse nível se uniu. E surgiu a lenda  Knights of the Round...

Os membros do quase falido Deep Sea não são Knights of the Round...
...Não são considerados Untouchables...
...São Hunters comuns. Porém, com exceção de Greenglasses, seus membros são Alone´s Howls. Deram duro e continuam se esforçando diariamente para silenciar as Lullabys e restabelecer a Ressonância...

...Mas, por não serem Straydogs, cada membro do Deep Sea tem a sua X-Cution...
...E, neste instante, Cordas está de frente para a sua algoz...

— Há tempos que estou te procurando —  Começa a criatura.

—  Já experimentou mandar uma carta? Ironiza Cordas.

—  Engraçadinho! É sério... Estava com saudades de você. Ser uma Lullaby é meio cansativo, sabe? Não tem muito o que fazer. E quando somos oficialmente da divisão X- Cution, parece que, sem querermos, sem ao menos nos agradar, acabamos por criar o que vocês chamam de vínculo. E isso...Isso me incomoda.

— Sou da mesma opinião que a sua...

—  Eu nunca compreendi direito como você superou a ilusão, Quatrocordas. Eu simplesmente não entendo...

O Hunter parece hesitar em dizer em seguida. Depois de uma pausa, fala:

— Você se "descuidou", foi isso o que aconteceu.

— Eu sempre cometo esse erro...

—  E eu só tenho de agradecer pelo seu descuido! — Quatrocordas concluiu com frieza.

A Lullaby aparentou comer de forma lenta um alimento desagradável. Demorou para refletir em resposta, pois digeria o que havia escutado:

—  Conseguiu seguir em frente com a vida. Olhe para você: está ótimo! Pronto para caçar mais Lullabys, né?

Florença fez a pergunta, mas seus olhos temiam uma resposta positiva. Quatrocordas apenas suspirou. Não disse sim e nem não. A cabeça dele não estava funcionando; encontrava-se aflita demais. Daria tudo para que não a encontrasse.

— Fale alguma coisa! —  Exigiu Florença.

— ...

Ela se enfureceu. O rosto dela exprimia uma raiva, misturada com uma culpa profunda e difícil de distinguir. Seus sentimentos eram confusos demais e isso afetava Cordas de forma mortal: sabia que a Lullaby era capaz, mas não do que pudesse fazer. A única certeza que tinha era que ele sairia mal, qualquer coisa que Florença fizesse. E ela fez.
Ergueu novamente uma das mãos para o céu, e Cordas esperava por isso. desta vez, correu de forma muito mais rápida. Pulou desesperadamente para os lados, alternando a distancia do epicentro do ataque, porém se afobou no último segundo. A explosão negra pegou-o de novo, arremessando suas pernas para cima e forçando seu corpo pesado virar no ar com facilidade, dando uma cambalhota. Ainda no ar, Cordas pode ver um vulto acima dele, distante, mirando-o com declarado cuidado. Lá de cima, esse vulto gritou:

— Farei de tudo para que eu possa redimir-me dos meus próprios erros!

Florença sacou sua arma, que por sua vez é minuscula. Parece de brinquedo, de tão diminuta mas, assim que disparou, acertou Cordas bem na hora que a explosão de raios negros cessa e extingue em forma de pétalas de rosas amaldiçoadas. Um belo efeito que a Lullaby fazia questão de contar o tempo exato do disparo.
No corpo do Hunter, era como se seu tamanho nada fosse para com o disparo, em forma de uma grande concentração de golpe de ar, afundando-o numa enorme cratera, como se um meteoro houvesse colidido contra o chão. Não fosse o barulho do impacto ao som de seu ataque,  Florença ouviria claramente o gemido do Hunter, cuspindo sangue e sumindo na explosão de areia no local.
Ela caiu firmemente no chão, sem precisar amortecer pela sua admirável leveza. Andou em direção da cratera e da poeira densa que levantara. Mas parou, sem saber direito e, no mesmo momento, o machado de Cordas abriu uma fenda na poeira que não oferecia qualquer visão lá de dentro. O Simmons do Hunter passou pelo pandemônio de areia que pairava no ar e por pouco não divide a Lullaby no meio. Teria, se ela continuasse a andar. O machado parou bem aos pés da criatura.
Ela viu Quatrocordas de pé, com uma expressão fechada, saindo imponente da areia que ainda flutuava ao redor, caminhando em sua direção.

— Já deu pra notar que eu não tenho outra alternativa!... —  Disse Cordas.

— Pense da forma que quiser, mas não te deixarei em paz! —  Retrucou a criatura.

Com a sua maça estrela, ele corre na direção do seu Simmons encravado no chão pela lâmina, que separa ele da Lullaby. Esta ergue a mão novamente. Cordas se move rápido e encontra-se com sua mão direita aterrizando com violência no cabo do machado, fazendo um som de metal soar seco e instantâneo. Frente a frente com Florença, seus corpos, por estarem próximos, tremeram pela força de ambos os golpes, ainda suspensos.

Gipsy acorda num tranco. despertou do cochilo, assustado. Olhou para os lados, pensando ter ouvido um barulho, um impacto. Julgou apenas ter sido sua impressão. Ele estava sentado, ao lado do leito de Greenglasses.
Dirigiu-se mancando até o banho. E sua mente, que nunca se aquietava iniciou, de forma oculta de si mesmo, a formular novas perguntas complexas e despertar uma inconsciente atitude suicida...











quinta-feira, 3 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 12: Fuga

Capítulo 12: FUGA


Retalhos de diversos tamanhos estouraram para cima ,num grande leque de couro e trapo. O casaco de Quatrocordas estava mesmo precisando se aposentar, mas não havia necessidade de ter esse trágico final. Belthias sorria e colocava a língua para fora da boca, deliciando-se no próprio deboche que esboçava escancaradamente. Por dentro, vibrava de felicidade por conseguir, sem muito esforço, um bom partido: um Hunter forte, alto e intimidador. 
Não que precisasse dele sempre, mesmo porque toda Lullaby se orgulha de ser uma: confiam em seus poderes e em suas ilusões, considerando-as o bastante para a raça rival. Mas ter um idiota, sempre disponível ao seu bel prazer, fazendo o que ela bem decidisse,  era o que realmente a divertia. E esse pensamento era o da maioria das Lullabys.
O momento em que Quatrocordas foi atingido, fôra contemplado ao máximo pela criatura:  ele flexionara as pernas, de modo que parasse longe, sendo arrastado para trás. Mais ou menos uns doze metros, na posição de montaria. Seus braços instintivamente ergueram-se para frente, e mãos e dedos contorceram-se pelo impacto. Talvez também pela dor. Sua cabeça havia se curvado para baixo; deu para notar, antes de abaixar, que o ele havia feito uma careta. Acertar um bêbado, à queima-roupa, foi um ato traiçoeiro e injusto. Entretanto, as Lullabys não ligam muito pra isso também...
Distanciando aos metros e deixando de forma funda a marca dos seus pés no chão empoeirando, Cordas apoia a mão esquerda no peito, onde foi atingido. Ainda sua postura é cabisbaixa e usa a mão direita no chão como apoio; por fim seu joelho direito encosta na superfície do deserto. A Lullaby se adianta:

—Eu vou me retirar. Detesto assistir o processo que vocês passam. Quebra totalmente o clima e eu não tenho estômago para isso. Logo mais você me achará mesmo, pois estará sob meu controle. Então, até breve!

Ela vira de costas para ele de um jeito um pouco gracioso e abaixa a arma, começando a caminhar, distanciando-se. O Hunter se concentra, antes de pronunciar tal questão:

—Onde pensa que vai?

A Lullaby continua andando, apenas virando o rosto para responde-lo:

— que Hunter mal educado! Eu vou lhe esperar em meus domínios para me servir, oras!

Belthias continua andando e diz, ainda de forma um pouco compreensiva em relação ao estado do homem:

—Não tenha pressa em levantar desse lugar. Com o efeito da fumaça, entendo que até um Hunter com a sua resistência não conseguiria manter o equilíbrio.

No mesmo instante que ela disse isso, atrás dela a silhueta de Quatrocordas levantara. Parecia emanar uma áurea desconhecida, porém ofensiva em sua essência. Dava medo. A Lullaby, à princípio, se espantou, sem olhar para trás, sentindo apenas a energia proveniente do homem. Mas depois ela deixou escapar pelo canto da boca um sorrisinho malicioso. Virou-se, subestimando-lhe:

—Muito bem! Mas o que adianta levantar com toda essa pose, se você já está dominado? Apenas aceite o fato.

De súbito, a criatura parou de falar asneiras e resolveu perceber algo no silencio de Cordas. Era um convite para calar a boca e observar o estado do rival.
Quatrocordas estava de pé, levemente sob o efeito da fumaça. Seu casaco, do lado do coração, estava em frangalhos, mas não havia sangue ou quaisquer ferimentos sério ou profundo. No lugar atingido, embaixo do que sobrou da tramado pano, um estranho brilho metálico escondia-se.

— Você... não foi atingido? Mas... Mas eu podia jurar que eu te atingi! Não tinha como eu errar. Então, como...?

A Lullaby estava confusa com o que via. O homem fez o favor de esclarecer a ignorância que pairava:

— A minha sorte foi que, excepcionalmente hoje, troquei de lugar a minha arma favorita e coloquei  encaixada no suporte da frente de dentro do meu casaco.

—...

Belthias ficou extremamente irritada e sem palavras. Não era uma Lullaby de Rank S, nem Rank A, com poderes independentes de sua arma, como criaturas desses respectivos níveis. Ela ainda precisava aprimorar sua mira e o efeito de seu tiro.
 Se nunca foi comprovada a existência de magias neste mundo, um detalhe importante que deixam os Hunters sob constante desvantagem é o poder que essas criaturas podem ter. Desenvolvem a partir de suas misteriosas origens, e os Homens jamais ousaram usar qualquer palavra que remeta a "magia" para tentar explicar os poderes das Lullabys. É desconhecido se os Hunter temem que isso possa ser verdade e existente, mudando o paradigma implantado na realidade deles...
Belthias poderia então não ter poderes, mas usava sua inteligencia e conhecimentos ao seu favor. Isso não deixava de ser um poder, porém de forma simples. Por isso, usava e abusava de substâncias químicas em seus tiros para paralisar seus alvos e assim, desferir sem problemas, seu último tiro. Era a forma que encontrou para se igualar as Lullabys de classe A e S.

Cordas continua:

— Eu poderia simplesmente ficar quieto aqui, imóvel e esperar você se afastar ,e  esperar-me onde eu jamais chegaria; você perceberia tarde demais a sua falha. Mas, pela sua teimosia, acho que lhe devo ensinar BONS MODOS!

Do outro lado do que restou do casaco, Quatrocordas tira do segundo suporte sua maça-estrela Morning Star. A Lullaby encara o brilho metálico protegendo o coração de Cordas e depois o fita no rosto, esperando alguma reação ou resposta do Hunter.

— Não, não vou tira-lo aqui do meu peito, se esta é a sua pergunta. O Simmons me protegerá de qualquer ataque seu almejando essa direção. A Morning Star é mais do que suficiente para você.

— Maldito! Te dei a chance de viver feliz ao meu lado. Sair dessa vida medíocre e solitária que é de um Hunter. Pois bem — E dá um novo gatilho seco, levantando a Shotgun — Vou te deixar inválido e depois acabarei com a sua alma. Ficará vagando, como puder, no meio de toda essa poeira, e nem terá consciência disso!

Ela fecha um dos olhos, mira na cabeça do caçador e atira com uma mão só. Seu corpo ,tomado pela raiva, fez um movimento desengonçado com a ousadia de ter atirado com um braço só a Shotgun. Mas nem por isso errou a direção ou ficou numa posição desvantajosa; tratou de manter a postura para novos ataques e defesas, não fosse por um detalhe.Quase que no mesmo segundo que foi disparado o projétil, Cordas já havia previsto esse movimento da Lullaby, e esmagou o chão abaixo do seus pés com a sua força descomunal, destruindo-o num raio de cinquenta metros, fazendo a criatura perder o equilíbrio e subindo grandes pilares de rochas, protegendo-o do tiro e levantando outros na direção dela.
Os conhecidos do Hunter, incluindo alguns membros do DeepSea, quando avistavam erosões ou territórios acidentados isolados do Grande Deserto, diziam que Quatrocordas havia tido uma luta épica naquele local. Apesar de se tratar de uma brincadeira entre amigos, isso fazia todo o sentido no que diz respeito aos locais onde Cordas lutava.

Não sobrava praticamente nada.

A Lullaby foi atingida pelos pilares que subira e, com isso, foi arremessada para trás como papel pelo ar. Para completar, Cordas não mediu esforços: avançou na direção dos pilares  que já haviam acertado a criatura e despedaçou-os com a maça-estrela, fazendo voar grandes pedaços de rochas, acertando-a de tabela. Ela rolou algumas vezes no chão e ali ficou. Estava viva, mas muito debilitada. Sua Shotgun caiu um tanto afastada de seu alcance. Cordas soltou suas palavras:

—  O seu erro foi ter me deixado com essa terrível sensação — disse Cordas, aproximando-se da Lullaby — Eu costumava treinar todo dia neste estado.

Com a mão no ventre, a criatura tentou levantar mas foi em vão: o Hunter ja estava de pé, ao seu lado. Ajoelhou, e pegou-a passando seu braço pela cintura da Lullaby e levantou o tronco do chão. Sentada, começou a previr o que viria:

— O que vai fazer comigo, Hunter desgraçado?

A expressão do homem era aparentemente severa. Mas era mais que isso. Era calma, determinada e irreversível.

— Que pergunta mais óbvia... Vou pegar seu Egocon...

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Cordas estava indo embora. Belthias se mantinha, ainda que de forma quase sobrenatural, resistente. Talvez o Hunter tivesse pego apenas o suficiente da energia, fazendo com que ela alcançasse a Shotgun e teimasse a lutar.

— Você será meu, entendeu? Não fuja, volte aqui!

Ela faz uma nova mira. Ele torna a virar-se pra ela e diz:

— Para não aparentar que estou fugindo, eu deveria silencia-la ou você me atingir fatalmente. Mas não dou a mínima para o que você pensa. Se ainda tem forças para se levantar, aconselho então a se dirigir para onde você estava indo antes de perder. Quem sabe eu ainda não lhe faça uma visita?

Em seguida, pulou consideravelmente alto e acertou sua maça-estrela no chão, levantando uma enorme parede de rocha, do próprio chão elevado. Uma barreira de uns quarenta metros de altura e comprimento considerável separava a Lullaby do Hunter.

A criatura foi coerente apenas uma vez e decidiu não mover um músculo para ir atrás do homem. E ela tinha razão: se encontrava quase rastejando-se, com as pernas trêmulas, esgotada. Se ultrapassasse a muralha de rochas, não encontraria nenhum vestígio de Cordas. Seus passos pesados não deixariam marcas no deserto. Não estaria mais ali: estaria longe, muito longe.

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O Hunter tomou uma direção alternativa. Isso levou mais tempo; foram-se dias. Talvez semanas. à esta altura ele perdera a noção de tempo e repetia a cena na cabeça da qual ele almejava quase como um presente divino: estar em pé na sala do Deep Sea. Ele precisou se esconder e averiguar se ainda estava sendo seguido por Belthias e tomou todo o cuidado para não ter o azar de trombar grupos de Lullabys perambulando o deserto. Cordas possuía uma concepção diferente de Gipsy e mais próxima de Vanitas, de modo que o fez coletar uma quantidade não suficiente de Egocon para longas caminhadas. Achara na ocasião que, logo após deixar Belthias para trás, iria o mais rápido possível ao encontro do líder do DeepSea. Mas no meio do caminho foi mudando sua estratégia e isso foi muito bem vindo: conseguiu evitar grandes problemas. Nunca rumava em linha reta, apenas pelas existência de grandes elevações de rochas que podia se esconder, caso precisasse. Quando finalmente achou conveniente arriscar a sair  debaixo de uma gigantesca elevação de rochas, poe-se a andar rumo a uma área com aparições de Lizgarts.

Esses grandes lagartos do deserto, quase do mesmo tamanho que um Avestruz, servia de montaria para os Hunters. Isso facilitaria a vida dos homens, e seria seu principal meio de locomoção rápida em longas distâncias, se não houvesse dois pequenos detalhes a respeito desses animais: o primeiro é que eles exalam um cheiro que os homens não sentem, apenas as Lullabys. O segundo detalhe é que Lizgart é o alimento favorito delas.
São dóceis e fáceis de montar, apesar da aparência mesclada de um dinossauro bípede. Basta ter um punhado do alimento favorito deles, que quase tudo está resolvido. Entretanto, escolher domá-los e monta-los não é sempre a melhor escolha a se fazer.
Quatrocordas decidira, após caçar alguns pequenos lagartos e cobras do deserto para comer, na noite anterior, que arriscaria rumar em direção a uma área próxima, onde havia pegadas de Lizgarts e partiria em disparada dali no mesmo instante que domasse um. Ele sentia que precisava arriscar e ir contra toda a pressa que sempre ignorou na vida inteira.
Dali, se conseguisse uma montaria, este caminho com a velocidade do bicho, o levaria rapidamente até a base dos Hunters.

 Começou o dia e Cordas  poe-se a caminhar durante horas, não tão extensas, até sentir um peso um pouco maior que a sua mochila. "Devo estar cansado", pensou. Mas continuou caminhando. Mais alguns minutos e, estes sim, foram compridos.

Não era um peso que não pudesse ignorar — Cordas era um Hunter fortíssimo, nada choramingão e o mais temido do grupo liderado por Gipsy — mas algo estava errado. Seria ainda os efeitos dos tiros de Belthias? Era possível, já que ele não sabia quanto tempo o efeito diabólico durava.

Resolveu parar. Fez menção para tal quando, uma voz que ele conhecia muito bem, disse:

—Imaginei que aguentaria levar-me mais longe. Desistiu, ou simplesmente cansou de me carregar?

Nas costas dele, deitada sobre sua mochila, de pernas cruzadas e para cima, olhando as unhas de uma mão, jazia ali, tranquilamente...aparentemente à toa, o terror.
Quando ele virou só a face para ver, um calafrio intenso e profundo dominou não só o corpo dele, como também seu espírito inabalável. Sua expressão se perdeu na mais aterrorizante perdição que um Hunter pode chegar. A ideia do efeito dos tiros de Belthias dissipou na mesma hora, com o tranco frio da realidade. Cordas se esforçou para perguntar algo sem sentido:

— O...q-que voc- você faz...aqui??