quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 6: Weit Brise

Capítulo 6: WEIT BRISE



— Veja bem, Quatrocordas, eu não quero induzi-lo a fazer isso. Mas acredito que...

— Vanitas, eu não compreendo  por completo tudo isso. Então, eu mesmo preciso ir até lá.

— Como queira então. Mas suponhamos que Gipsy entre em contato contigo neste meio tempo. O que dirá à ele? Se ele decidir em partir e...

— Creio que ainda tenho tempo.

— Entendo. Cordas, por favor, só lhe peço para...

—  Guardar segredo? Humph! O que eu vi aqui hoje guardaria até de mim, se isso fosse possível. Não se preocupe. Não alarmarei ainda mais o grupo. Não até...

Vanitas acena afirmativamente com a cabeça, fazendo com que Cordas interrompesse suas próprias palavras.
Dentro do barraco do moço de cabelos quase cinzas, Cordas apanha novamente suas armas e recoloca nos apoios escondidos em suas costas abaixo do casaco de viagem. Apanha o minúsculo copo em contraste com sua mão e com a outra, pega a garrafa de Cactuarah.

— Com sua licença, amigo.— E Quatrocordas vira de uma vez a dose.

— À vontade. — Sorri Vanitas.

O homem alto se dirige até a porta da entrada. E Vanitas o acompanha até a saída.

—  Desejo-lhe sorte, amigo. Sabe, se precisar, estarei aqui. Por enquanto.

—  Por favor, Vanitas, me faça uma promessa: quando decidir fazer aquilo mesmo, nos avise com antecedência. Darei um jeito para vir. De qualquer parte do mundo, se assim for!

—  Não creio que terei tempo, segundo os estudos escassos que realizei à respeito disso. Mas tentarei. Agora ,vá! Vá em busca do seu Santo Graal. É o que todo Hunter deveria fazer.

Quatrocordas parte. Vanitas faz a mesma coisa que Gipsy fez na entrada de sua Garden. Observa aquele monumento atravessar com seu tamanho e determinação o deserto do mundo.

— Boa sorte, Cordas. Estarei contigo sempre, até mesmo quando...

E Vanitas volta para as folhas de pergaminhos e estudos que estava em suas mãos. Olha com uma certa tristeza. E acaba transparecendo um sofrimento pequeno por antecipação.

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Gipsy espatifa-se no chão. Se vê sem forças. Passa sua mão de leve sobre o chão, como se estivesse fazendo carinho. Sua expressão é séria e os olhos perdidos. As lágrimas caem juntas e fazem o mesmo caminho, paralelamente, até o gramado. Elas escorrem lentas e quentes, de um rio que já está pra fornecer sua última quantidade de água. A primeira pergunta que vem a sua mente é:

"O que acontece quando um Hunter perde sua Garden?". E a resposta vem como um lampejo.

"Nada".

A não ser pela triste visão (pois toda Garden morre da mesma forma), criar um pequeno ponto negro no local condenado e sugar, com um vento que puxa pra dentro, toda a vida do jardim. Inicia-se devagar mas logo se percebe o começo do fim. É uma espécie de buraco negro, um ralo que suga sem devolver nada.
Ali permanece uma esfera negra que nada faz,  mas contém descargas de energias altíssimas que provocam lágrimas assim que tocadas. Em um raio de vinte metros dessa esfera, permanece uma última mágica dessa existência: o silencio absoluto. Tudo que entrar nessa área perde o som. Não se ouve passos, vento, nenhum barulho.
Hunters que perderam seus jardins as vezes ficam dentro desse raio resgatando boas memórias, ou mesmo procurando meditar, pois é o melhor lugar do mundo pra isso. Mas, devido ao seu silêncio eterno e profundo, não é aconselhável passar muito tempo nesse perímetro. Corre o risco de ficar louco.

Gipsy começa a ficar transtornado por que todos aceitam as regras da natureza e ele não. Eles simplesmente se conformam caso venha a acontecer uma fatalidade dessa.
Boa parte do mundo culpa as Lullabys por isso. Os que não tiveram capacidade de virar Hunter ou optou não seguir esse caminho, raramente procura outras explicações, mesmo porque não há indícios recentes ou feitos, estudos ou documentos que comprovam como realmente funciona a Natureza neste mundo.
Mas o mundo diz que as Lullabys são responsáveis também por isso, embora as Gardens nunca tenham culpado ninguém em suas conversas de Ressonância.

A cabeça do homem de chapéu preto fica confusa. As Lullabys agora pouco importam pra ele. Sente que teve sua parcela de culpa, independente dessa maldita raça. Que ele poderia ter se frustrado menos. Ter se tornado mais forte, a ponto de sempre conseguir manter uma Ressonância estável. Ele deixou, de certo modo, tudo isso acontecer.

E, em suas costas, começou erroneamente a sentir o peso do mundo...

Adormeceu.

E seu sonho foi, desta vez, muito mais estranho.

Surge uma figura disforme, no vasto branco enevoado dos sonhos, como se estivesse sendo desfigurada por um vento que não se sentia ali, na hora. Esse ser, de estatura média de um adulto, abria com a própria mão o esbranquiçado e revelava para Gipsy partes distintas do jardim. E, de seu coração, saia pequenos tornados de vento, que passavam pelo braço e, em movimentos rápidos, esse ser enterrava com precisa velocidade sua mão e parte do pulso nos  pontos mais tristes do jardim. Esse pequenos tornados e rajadas de vento adentravam no solo. No buraco que ficava quando sua mão saia, era expelido a substância negra e salina do solo pra cima, como um sistema de ventilação que extraia o que prejudica a Garden. Terminado o "sistema de ventilação", a figura se vira para Gipsy e diz algo por ressonância, igual ao seu último sonho, com a voz parecida de um Hunter, difícil de entender, pronunciando como: "Isso ainda não é o suficiente. Você tem a sua parte, e só você poderá fazê-la. Não teremos certeza se conseguiremos. Tudo indica que cedo ou tarde poderemos  falhar."
Gipsy acordou depois de um tempo e se rastejou para trás, assustado com o que via: os tornados haviam sido implantados em seu  jardim, assim como no sonho! Ele tentava lembrar de alguma falha onde poderia estar acordado, mas jurava ter dormido todo aquele tempo.
Além do mais, aquela figura e o seu tom de Ressonância  o deixava ainda mais intrigado:

— Quem é esse ser e por que ele se importa tanto quanto eu com meu jardim? Qual é a minha parte? O que devo fazer? O que?

No entanto, procurou, da melhor forma, se dedicar aqueles momentos em descobrir qual seria a parte dele no processo de salvação da Garden.

**************************************************

Passaram-se dias e Gipsy nem os sentiu passar. Por fim, já estava se arrumando, pronto para partir assim que seu amigo QuatroCordas o viesse buscar. E foi exatamente o que aconteceu.
O homem ajustou seu chapéu preto e aguardou o homem alto se aproximar de fora do jardim.
Gipsy estava com a cara suja de terra seca. Olhos inchados. Cansado. Exausto. Tentou sorrir assim que viu o amigo, mas não conseguiu.
Quatrocordas , à princípio, estava meio surpreso por encontrar seu amigo ali, dentro da Garden,  mas tratou de agir com naturalidade. Poupou o amigo que saia cansado e evitou fazer perguntas. Apenas:

— E então? Está pronto pra partir?

— ...Sim.

—  Vamos andando, pois o caminho de volta será mais longo.

A viagem de volta foi à pé. Levou mais alguns dias. Em alguns momentos, Cordas mostrava um raro cansaço extremo, o que fazia Gipsy parar pelo amigo. Mas nada dizia. Não falou do que descobriu, e nem do sonho estranho. Seu silêncio já dizia muito.
No terceiro dia, eles passavam por uma região limpa, sem muitas pedras e rochas para se abrigar. Quando, dos céus, desceu uma Lullaby, com suas botas que lhe permitiam percorrer grandes distancias, de forma rápida, pelo ar.

Lullaby! — Gritou Cordas.

Ela possuía duas armas de fogo bem estranhas, mas tratou de aponta-la para a cara dos dois. Estavam uns dez metros de distancia da criatura.
Gipsy se manteve imóvel por uns instantes e, logo em seguida, apontou lentamente, para a sua Midnight Sun, na copa do seu chapéu.
Isso fez com que a Lullaby se enfurecesse, tirando a mira da arma que apontava pra Cordas e indo as duas para Gipsy. Uma mirava no coração e a outra na cabeça: lugares fatais para um Hunter.

— Gipsy!— Cordas estende a mão em direção ao amigo, que se encontra a uns cinco metros de distancia — Cuidado com...


O homem alto fita a Lullaby e  parece que um pensamento o tira de sintonia por uns instantes. Lembra de algo, mas logo retoma ao raciocínio de antes:

— ...Cuidado com essa. Por possuir duas armas, ela pode ser Rank A.

— Hmm...

A Lullaby disparou vários tiros com as duas armas simultaneamente. Gipsy desviou de todos de forma exemplar, chamando a atenção de Cordas. Mesmo estando a poucos metros das armas da criatura, o homem de chapéu realizou ali movimentos de um exímio Alone Howl.
A Lullaby parou de atirar porque mal acreditava no que via. Mas isso não chegava a ser novidade para Cordas, em relação de Gipsy desviar dos tiros.

— Terminou?—  Gipsy pergunta, olhando com seus olhos inchados e pequenos, entretanto para dentro dos olhos da Lullaby.

A criatura gagueja e nada diz. Cordas se espantou ao ver que Gipsy avançou calmamente e passou pela Lullaby sem nenhum momento ameaçar de colocar as mãos em suas armas.

Passou por ela andando, olhando pra frente e de forma calma. E continuou...

O homem alto não acreditava no que vira: o homem não a atacou. A Lullaby ficou estagnada por um tempo, sem entender por que um Hunter daquele escalão não reagiu.

Gipsy seguiu em frente, sem olhar para trás e Cordas foi acompanhando-o. Fitava o amigo e sentia que, dentro de Gipsy, algo havia mudado.

Pra pior...











quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Short Novel- Heróis de Areia ~ Capítulo 5 : Cí / Membira

Capítulo 5: CÍ / MEMBIRA


Você não sabe o que é respirar. Não sabe o nome de nada ao seu redor. Você desconhece o próprio mundo. Tudo é nada, pois nada você conhece. Exceto uma coisa: um determinado som.
Você respira, e no começo se assusta com isso. Não sabe que o nome é "ar" e acaba fazendo automaticamente. Não faz nem ideia que está fazendo tal ação. Mas, com certeza, faria de tudo, inclusive aprender a respirar, só pra ouvir aquele som todo dia. Sempre.
É apenas anos mais tarde que conseguirá fazer comparações. Esse ar que respira é feito doce, é feito festa. Você não a reconhece como ser, mas existe algo ao seu redor que seu coração bate simultaneamente. Te traz tanta tranquilidade que você, inconscientemente, testa até onde pode ser auxiliado.

E prontamente é atendido.

Você, sem saber que respira, sente um cheiro no ar. Um perfume. Você também não sabe o que é isso, mas o seu corpo, seu espírito se acalma. Se sente seguro. Quando começa então aquela estranha música ( que você jamais saberia o que é naquele momento), te faz sentir vivo e protegido. Cores são lançadas à sua frente. A uma certa agitação ao redor. Também desconhece que é tudo por você. E você aprende o significado da palavra "obrigado" só quando você está corrompido demais.

Desde de um momento que você não recorda, esses elementos estiveram contigo. Tudo foi construído, naturalmente, de modo que você se sentisse mais seguro assim que tivesse a visão, mas não a percepção. Era previsível que tudo te assustaria, e haveria uma única coisa, que estaria no meio daquele caos inteiro, só pra te tranquilizar.

Daí pra frente, aprende lentamente e a cada segundo. Nada é desperdiçado. O que te ensina acredita no seu potencial. Está ali pra ajudar. Para te proteger. Para te dar carinho. Para te dar força.
Calma. Você desconhece, no momento, o significado de cada palavra.

Mas sente. E como sente...

Não é porque nasceu em meio às tulipas que suas cores ou formas não te assustarão pois certas visões te irritam e te amedrontam.

Não é porque nasceu em meio de belas árvores que suas enormes sombras não vão parecer monstros famintos por crianças.

Não é porque nasceu em um lugar calmo e protegido que nunca precisará conhecer, cedo ou tarde, o lado de fora.

Mas feche os olhos por um instante. Ouça aquela música que hoje você sabe que é uma voz.

Sinta o perfume que você sempre sentiu e que te envolveu em choros desesperadores por não entender um simples susto.

Siga em frente sabendo que você não está abandonando, e sim dando continuidade à sua origem, com um sentimento de amor tão profundo que você não consegue encontrar palavras no dicionário pra descrever como surgiu, como cresceu e como existe...

Agora...

Sinta-se distante.

Sinta a areia e sua realidade áspera entre seus dedos, escorrendo velozmente e escapando por entre eles.

Sinta que essa existência parece extinguir, apagando aquilo que brilhava, aquilo que te deixou mais forte, que te cuidou, te ensinou, ir embora quase na mesma velocidade da areia que lhe escapa nos dedos...

Sumindo, de dentro pra fora,indo para uma porta escura onde você não alcança; onde você corre, corre e não sai do lugar.

Onde há areia que te faz cambalear e tropeçar nos próprios pés, caindo de joelhos e se rastejar em direção aquilo que está sendo levado.

Sobrando apenas um eco.
De tristeza.
De desespero.
...E uma sensação que nunca mais verá aquilo que um dia já deu a própria vida para você ter  a sua própria...


O que sobrará de tudo isso, se tratando da realidade de Gipsy, é que isso é um processo normal, da natureza, e que se deve estar preparado sempre, caso isso venha ocorrer um dia.

Cedo ou tarde isso vai acontecer mesmo...

Mas ele não aceita. Não agora!

O homem de chapéu preto caminha por entre os arbustos, árvores e mato de sua Garden, tentando, a todo custo, uma comunicação pela Ressonância. E, quanto mais procura lugares onde a telepatia funcione,  mais ele fica surpreso com o tamanho que jardim lhe apresenta. Ele, quando pequeno, achava que o tinha explorado todo. Apesar de agora surgir uma ou duas barreiras tentando delicadamente barrar sua passagem, como um homem crescido, não apresenta mais nenhuma dificuldade.
Enquanto caminha, descobre um pouco mais de si. Vez ou outra tentava saber o porquê as vezes ser tão misterioso, tão secreto e tão complexo de se entender. Antes e até mesmo naquela hora, não tinha respostas concretas, entretanto sabia de onde herdou tamanho mistério!
Encontrou enfim um lugar apagado em sua infância. Lembrava-se que fazia, quando pequeno, um caminho totalmente diferente para chegar naquele local. Ali, ele se escondia nos dias tristes e melancólicos por não entender certas nuances da realidade que mal conhecia.

Ali foram pronunciadas injúrias...
Foi derramado lágrimas...
Foi liberado ódio e gritos...

Ali, encontrava-se o mato retraído, fraco,triste e escuro. Enfim, havia descoberto o ponto. Mas até onde isso afetava o jardim? Ele tinha andado horas mato adentro daquela dimensão mágica e, desde a entrada, a Garden já encontrava-se debilitada.
Começou a cavar. Cavou, e seguia até onde dava a substância salina e escura, criada pela tristeza de seu coração, pelas valas no terreno.
Estava exausto. Sujo. E agora, caiu ajoelhado. Seus olhos não aceitavam a visão. Seu coração não aceitava o desespero.
O nível salino alcançou boa parte da Garden. Condenou o terreno. E sobrou apenas as lágrimas de um adulto de cinco anos novamente, no seu momento singular de uma profunda, e verdadeira tristeza...





quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~Capítulo 4: διάλογος

Capítulo 4: διάλογος


No relógio de bolso de Quatrocordas marcava 9 horas da manhã em números romanos. Em uma mesa pequena,  um de frente para o outro, havia dois copos entre eles e a garrafa do lado direito de Vanitas. Este sempre admirou a simetria e bons costumes, de modo que ficaria atento se o copo de sua visita ameaçasse esvaziar por completo.
O cabelo curto, com sua franja caindo no rosto com madeixas levemente onduladas e maiores, de cor castanho pálido, quase cinza, transmitia transparência e calma, em conjunto com sua expressão de rosto serena. O sorriso era simples e bem presente. Naquele instante, Quatrocordas o via como uma figura ainda mais em paz. Sua expressão fica séria, sem perder a simpatia quando pergunta:

—O que exatamente trouxe Gipsy até aqui?

—É um assunto delicado... É sobre a Garden dele.

—O que aconteceu?

—Ele desconfia que está passando por problemas sérios.

— A nível de...?

— A nível Salino.

—Oh!

Vanitas fica desconcertado. Permanece alguns segundos em silêncio e recomeça:

—Mas você viu? Notou algo diferente?

—Sim, vi logo que cheguei. De fato, não parece estar bem. Gipsy teve um sonho dias atrás e esse foi bem real, por sinal. Há tempos que ele não conseguia estabelecer uma Ressonância clara. Intrigante é o fato que a voz que veio em sonho não era a que estava acostumado a ouvir. Era uma outra, quase como a nossa. E não se referia ao jardim na primeira pessoa, e sim na terceira.

—Era como se uma outra pessoa estivesse avisando Gipsy... Um Hunter, talvez...

—Não faz muito sentido, mas ouvi raras histórias, praticamente lendas, onde uma voz de Hunter entrava em Ressonância num sonho, e indicava algo na Garden do sonhador. Eu, sinceramente, nunca sonhei com isso.

—Sim, em meus estudos passei os olhos por algumas linhas que relatavam esse assunto, mas muito por cima, nada concreto e não passava, na minha opinião, de especulações vazias.Embora eu também nunca tive um sonho parecido, pretendo com o tempo ir mais a fundo nisso. Sinto que isso completará meu complexo estudo sobre as coisas que estou pesquisando...

— E você ultimamente só estuda? Nunca mais caçou Lullabys? Bem, creio que seja em respeito à Aurora...

— Na verdade, ela é só um pretexto. Não sinto vontade, pra falar a verdade, eu nunca senti essa vontade, essa ação que enchemos a boca pra dizer que é inata. Experimentei, já que meu destino havia se tornado precocemente condizente à isso que chamamos de "inato". Mas agora tenho certeza dessa decisão que estou tomando. Tudo me trouxe até aqui. Estou certo dessa minha escolha.

—Sim, você ,desde pequeno, tinha um talento inato (e isso não se pode negar) de se tornar um exímio Hunter. Nasceu com você essa capacidade e 6 anos antes de possuir a idade correta pra se tornar um, você ja tinha a graduação mais elevada da classe. Não dá nem pra comparar a capacidade entre você e Gipsy de ter conseguido a Midnight Sun. Ele foi conseguir a dele anos mais tarde, e ainda com muito esforço.

— Eu nunca dei muito valor em ser um  Alone Howl. Talvez por saber desde cedo que não demoraria pra me tornar um. Sei que meus talentos são impossíveis de esconder, mas não levo isso a ferro e fogo. Por isso, me neguei a ter comigo uma Midnight sun. Tanto é que só os amigos mais próximo, como você e o Gipsy é quem sabe que tenho esse nível. Dei um jeito para que essa fama não se espalhasse.

— Mas é inevitável, tanto pra você quanto pra Gipsy. Está certo que ele esbanja e demonstra mais ou menos o nível dele aos quatro ventos. Mas, mesmo se não o fizesse, bastasse uma Lullaby ter algumas horas de luta com ele pra descobrir que entrou numa gigantesca encrenca.

—Quatrocordas, eu sempre foi muito tranquilo à isso e a energia Egocon que as Lullabys nos fornecem sempre foram pra mim algo necessário, mas em quantidade controlada. Não excedia e sequer sentia prazer em caça-las. O que aconteceu comigo e com a Aurora...bem....foi diferente. À propósito, sei que você pensa de forma parecida à minha filosofia, porque você esconde a Midnight Sun de você mesmo.

—...

— A quanto tempo você tem a sua?

— Eu...não ...

—Quatrocordas, você acha que pode me enganar? Talvez Gipsy, mas a mim...?

—... Já tenho a bastante tempo. Mas não sinto ainda que posso sair desfilando com essa insignia e abraçando todo tipo de caçada. Também sou tranquilo quanto à isso. Mas não nego que ainda não me sinto preparado.

— E aposto que você nem contou pro Gipsy que, assim como ele e eu, você é um Alone Howl?

— Não. Não sei como ele reagiria. Ele as vezes é muito competitivo, mesmo dizendo que não.

— As vezes me pergunto se isso não mais um de seus jeitos de desviar nossos olhos do que ele realmente é...

— Isso explica o fato de Gispy agora encontrar problemas na tentativa de resolução do que está passando. Se ele guarda coisas em seu interior, o que dirá da  Garden dele...

— Seria possível d´ele não compreender a complexidade do próprio jardim? Ele é um cara tão inteligente...

— Inteligencia , Vanitas, nada tem a ver com Sabedoria. E isso você sabe muito bem. Gipsy foi criado por um jardim infinitamente misterioso. É normal ele ter absorvido tanto mistério em seu ser, mas até desses segredos ele foi deixado de lado. Ele vai ter de esforçar bastante pra compreender o que terá de enfrentar.

— Tem razão, Quatrocordas.

— Por isso que Gipsy é a favor de caçarmos as Lullabys e confesso que estou de pleno acordo com ele! Pegando o Egocon delas, além de ficarem temporariamente inofensivas, podemos administrar a energia de diversas formas. E, acima de tudo, silenciando essas criaturas, amenizamos o efeito maldito que elas causam em nós!

— Está aí um ponto que meus estudos me fazem ir numa direção contrária de vocês, amigo! Não é pelo efeito que elas nos causam que necessariamente a culpa seja delas!

— Como assim, Vanitas? Elas não são desse mundo! O som que elas fazem em nosso interior prejudica de forma gradual e irreversível a Ressonância Mundial. Se já não bastasse a escassez de telégrafos neste deserto global que nem sabemos onde começa e onde termina, a comunicação com as nossas Gardens se torna cada vez mais utópica. Cara, essa raça ainda vai dominar o mundo e estaremos ferrados...

— Diga-me, Quatrocordas, quem foi que disse que deveríamos caçar essa raça por ser infernal? Quem foi que nos colocou nessa guerra onde sequer existe algum Hunter vivo pra nos contar a verdade desde os primórdios? Quem decidiu que elas deveriam ser silenciadas ou até mesmo exterminadas? Não há ninguém que possa esclarecer toda essa história que nos foi vendida...

— Eu me pergunto como você consegue ficar muito tempo do lado da Aurora, por exemplo, sem enlouquecer com o barulho forte das batidas de seu coração. Além do que, elas possuem um poder incrível de ilusão que, uma vez dentro dela, temos mais chances de sair morto do que vivo. É tão real que nem sabemos distinguir a realidade.

— Quatrocordas, o que é a realidade pra você?

— Pra mim, a realidade é que essa raça entra em conflito com a nossa desde sempre. Sempre seremos nós contra elas. Eu pouco me importo com o Egocon, mas esse ruído que infecta as ondas sonoras e telepáticas, e esse maldito poder de ilusão já são motivos o bastante para eu me orgulhar de ter nascido Hunter e, como todo ser que nasce neste mundo, tem a obrigação de silenciar o máximo de Lullabys possível.

— Você não sabe o que você está falando!

—Eu não sei? Olhe pra você, Vanitas! Você é o cara mais talentoso que já conheci na vida. Você deixa um punhado de Hunters no chinelo. Tem um nível intelectual absurdo e me diz que eu não sei o que estou falando? Eu, você, Gipsy e Greenglasses ja fomos vítimas do poder esmagador  de ilusão das Lullabys. Sentimos na pele a terrível dor de não ter a certeza de sobreviver à ilusão. Todos nós já fomos, ao menos uma vez, atingidos de forma brutal. Se você fala tudo isso por ter um nível elevado a ponto de se dar o capricho de conviver com uma Lullaby, tudo bem. Mas não misture as estações. Nossa realidade, principalmente do nosso grupo DeepSea, é bem diferente. Você sabe disso, senão havia aceitado entrar pro grupo anos atrás...

— Eu não estou te reconhecendo mais...

—É óbvio que não me reconhece. Você nem está mais aqui!

E foi nessa frase pronunciada que Quatrocordas, que nunca se exaltava, esmurrou a mesa.

Vanitas olhava pro amigo incrédulo. Quatrocordas também o fitava da mesma forma. Eles recuperaram a calma segundos depois. Mas precisou que cada um respirasse fundo e trouxesse às memórias a verdadeira amizade e consideração que tinha um pelo outro. Vanitas continua, com a voz contida:

— Negativo.

—...Eu já não tenho tanta certeza, Vanitas...

— Que eu estou aqui?

— Sim, que você não está mais aqui. Vivendo proximo de uma Lullaby de Rank S, mesmo você sendo páreo para ela, ela tem muito mais vantagens sobre ti, natural da raça dela.

— O que quer dizer com isso, Cordas?

— Eu receio que você está vivendo uma ilusão. Eu aposto em você e sou o primeiro a lhe defender quando Gipsy ou Glasses levantam suspeitas consideráveis. Mas aqui, eu e você, cá entre nós, começo a duvidar de sua sanidade.

— Você está querendo me dizer que eu fui atingido, é isso? Que essa minha vontade de procurar um outro caminho, de estudar, ou até mesmo meus estudos, tudo é forjado pela mentira de Aurora?

— Não citei o nome dela.

—Mas sei que você está querendo pronunciá-la como culpada. E onde estaria as supostas cicatrizes provando que fui atingido?

—Você por um acaso conhece os limites delas? Sabe até onde elas podem chegar?

—Eu... bem...

— Vanitas! Você é meu amigo. Eu me preocupo contigo. Só acho que...

— Lá fora...

— O que tem lá fora?

—...

Vanitas faz uma cara muito séria. Quatrocordas perde a linha de raciocínio e se preocupa com a expressão incomum daquele rosto sereno.

—Creio que eu tenho a prova que decidirá se estou ou não em uma ilusão.

— Lá fora onde?

— Atrás de casa.

Vanitas levanta da mesa e com a cabeça, faz sinal para seu amigo alto o seguir.

— Deixa eu esclarecer às coisas pra você, Cordas. Aurora raramente entra aqui em casa. Temos uma relação com muitos detalhes que ainda nos mantém bem afastados um do outro. Posso dizer que ela é quase uma "amiga". Sim. Sei que esse termo é novo no nosso mundo, mas prefiro usa-lo. Pedi mais cedo pra que deixasse suas armas num canto pois não sabia que reação você ou ela teria assim que Aurora adentrasse, seja qual fosse a situação. Ela geralmente fica no quintal do barraco, sentada, olhando aqui pra dentro, como se pudesse ver através de paredes.Não come. Não dorme. O que eu notei, enquanto ela passou dias e dias olhando pra cá, ou mesmo pra mim, sentada ali no quintal, é o mais assustador. Caso seja uma ilusão, só eu estarei vendo e você não. Porém, caso você enxergue, tente não...enlouquecer.

Vanitas falava isso enquanto caminhava em direção à porta dos fundos. Terminado a explicação, ele abre a porta e Quatrocordas dá de frente com a claridade do dia que cega. E com a aparição que Vanitas mencionou.
Cordas não entende. Fica confuso. Os olhos bem abertos, assustados. Demora um pouco pra ele conseguir fôlego o suficiente pra dizer:

— Isso é... impossível...!

— Então espere saber o que eu descobri ao longo dos meus estudos sobre esse fenômeno. A parte boa disso tudo é que, ao menos, eu não estou louco...










quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 3: Réssonance


Capítulo 3: RÉSONANCE

A origem não é barulhenta. Não há uma festa extravagante. É tudo misterioso e natural. A única coisa  que se ouve da imagem divina, do surgimento de um ser é um som estranho, quase uma música: é a Ressonância.
Há quem diga que ja presenciaram, apenas de longe, o momento do nascimento. Os relatos são os mais variados possíveis , entretanto há muitos detalhes em comum. Por exemplo, um brilho intenso que emana de todo o jardim.

 As cores entram numa mística mistura entre si e tudo fica psicodélico. Pequenos pontos luminosos entre verde e amarelo flutuam no ar. A cor vermelha é, de todas, a que mais brilha em seu lugar. Ah, como são bonitas as rosas! Tudo parece ficar ansioso dentro do jardim. Um vento que vem não se sabe de onde rodeia o perímetro. E, quando as luzes chegam ao ápice, a brisa se extingue pelo raio da área, passando veloz, como se avisasse para toda a Garden que um novo ser nasceu.
Ali, na relva, levanta um menino de 5 anos. São meninos que surgem das luzes e do mistério de cada GardenA grande maioria repete o mesmo movimento: recompõe-se no chão, senta de pernas cruzadas ou caminha até uma pequena árvore, levanta a cabeça, fecha os olhos e eis que inicia o primeiro contato, do jardim para a criança. Não há vozes: tudo é através de sons indistintos que se propagam por telepatia.
A criança compreende tudo nesta idade. O contato, a sintonia é tão grande, que é impossível explicar. É através dessa comunicação que o menino vive, aprende, e cresce dentro do jardim. O som indistinto só pode ser ouvido com clareza pelo garoto que nasce naquele local. Para qualquer outro, não passa de sons misturados que nada dizem. Fora a sensação estranha que se sente quando ouve algo assim.
Apesar de tudo, a tendência é perder cada vez mais a comunicação. Já na fase adulta, os sons quase não fazem sentido. Aquela ressonância, que em outrora era óbvia e clara, quando homens formados mal conseguem ouvir o que a Garden diz.

Dizem que esse som se extingue por conta da existência barulhenta de uma outra raça, e o que ela causa...

Gipsy pára onde julga ser o centro do jardim pois, de fora, qualquer um consegue ver o perímetro de uma Garden (quando ela não forma uma barreira natural de galhos, troncos e espinhos), porém uma vez dentro de uma, a dimensão se expande. Magicamente cresce; ganha um tamanho diferente. O mesmo acontece com os Relentos e seus respectivos jardins...seja qual for seu estado.O moço abre as sacolas e os mantimentos são pegos pelos cabos das plantas e das raízes. Pega-os delicadamente, num movimento quase frágil.
Ele tira o próprio chapéu e humildemente encosta no peito. Seus dedos sobem e descem, dedilhando e segurando a aba; de forma envergonhada, espia ao redor. Aos poucos, ele endireita-se  e mantém a postura de um exímio Hunter. Mas, assim como os mantimentos que somem aos poucos tragados pela terra, sua pose se esvai com os segundos que passa. Sua expressão carrega tristeza, culpa, impotência. Um rosto que seu orgulho não deixa transparecer na frente dos seus companheiros. Deu uns passos à frente. Parou e, baixinho, disse:

— Diga-me, fale comigo: o que eu posso fazer por você?

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Existem horas do dia que são insuportavelmente quentes!
Nenhuma ação ou tomada de atitudes parece condizer com esses momentos de inferno! Mas, logo após a madrugada refrescante, as primeira horas da manhã tudo parece estar dentro do mais perfeito eixo celestial.
A luz do sol banha calmamente aquelas dunas, transformando tudo em um dourado nada agressivo. O céu continua um azul bem forte, também, nas primeiras horas da manhã. O contraste dessas duas cores traz uma beleza visual sem palavras e uma brisa quase gelada traz uma nostálgica calmaria na região de Long Orange.

Vanitas encontra-se sentado em uma pedra, lendo alguns documentos antigos. Ele gosta dessa hora do dia para estudar e abrir sua mente até onde conseguir.

Está com uma engenhoca que mais parece fones de ouvido, totalmente concentrado em seus estudos. Uma leve mudança na brisa e ele ergue os olhos, inconscientemente, avistando o horizonte. Observa uma aparição ao longe, caminhando em sua direção. O tempo árido facilita na limpa visão que se aproxima: homem alto, robusto, com um sobretudo gasto, preto, com pequenos rasgos na dobras e mangas. Chega a refletir um azul-navio na tonalidade onde o couro está bem judiado, onde repousa areia em várias partes.
A calça jeans se encontra em melhor estado, e seu sapato de bico fino e salto lhe faz uma figura ainda maior, temerosa e de muita presença. O homem se aproxima de Vanitas, e este logo salta da pedra e corre para abraçar o amigo

—Quatrocordas! A quanto tempo, companheiro!

—É sempre uma satisfação lhe ver, Vanitas!

— Estou surpreso com a visita agradável e repentina! Diga-me, como estão as coisas...

— Gipsy e eu viemos para Long Orange. Ele precisou vir para resolver assuntos particulares e eu resolvi lhe fazer uma visita enquanto ele se mantém ocupado. A propósito, ele te mandou um abraço.

— Aquele malandro! Aposto que veio atrás de Lullabys poderosas e...

— Não, Vanitas. Desta vez não envolve caças. A coisa é séria. Mas falemos disso mais tarde...

—Claro,claro. Eu precisava mesmo conversar com vocês a respeito dos meus estudos. Mas eu planejava fazer a viagem só após concluir todas minhas dúvidas entorno do tema. Vamos entrando. Estou com uma garrafa de Cactuarah doze anos. Será um prazer abri-la em meio a nossa prosa!

Vanitas vai na frente em direção a sua moradia. Todas as casas desse mundo seguem o mesmo estilo de barraco de madeira da Q.G. dos Hunters, variando apenas na arquitetura e qualidade das madeiras.
Quatrocordas olha sutilmente ao redor e não sente quaisquer presença de Lullabys. No entanto, não hesita em perguntar:

— Está sozinho em casa?

— Sim, por que?

— Passou pela minha cabeça a Lullaby estar próxima. Como vocês entraram num acordo e...

—Ah, sim! Mas Aurora saiu já faz uns dois dias. Creio que volte a qualquer momento.

— Hum, vejo que agora ela até possui um nome.

Vanitas vacila em seus passos e pára. Abaixa a cabeça. Quatrocordas se sente arrependido com o comentário e tenta se redimir:

— Desculpa a minha falta de senso e educação, amigo. Não quis te ofender, é que... Simplesmente não estou acostumado com isso e...

— Tudo bem — Adianta Vanitas — É meio desconcertante tudo isso. Mas aos poucos conversaremos sobre. Posso te pedir uma única coisa?

Ele se vira para o amigo, se posicionando de costas para a porta de seu barraco.

— Para não termos problemas caso ela volte, gostaria  que você tirasse suas armas e as encostasse num canto qualquer. Sabe, só pra não ficar um clima ameaçador. Poderia realizar meu pedido, amigo?

O homem alto hesita. Solta um suspiro e sorri, afirmando com a cabeça. Debaixo do sobretudo, nas costas tira, com uma mão uma maça-estrela e com a outra um machado médio, ambos feito da mais refinada prata, parecendo pesar mais de cinquenta quilos cada! As armas eram muito bem polidas ,reflerindo a luz e a paciência de alguém capaz de faze-la e portar seu peso.
Quando entram, Vanitas se dirige à dispensa onde pega dois copos e a garrafa doze anos, enquanto Quatrocordas deixa a Morning Star e o Simmons de pé,  num canto qualquer, como seu amigo mesmo pediu.

Os dois dão a primeira golada na bebida ao mesmo tempo em que Gipsy desperta entristecido do outro lado da região de Long Orange. Sente-se desapontado e conversa consigo mesmo:

— Nenhum resultado. Nem em sonho. O som da Ressonância não me deu sequer uma pista! Eu... eu não compreendo!

Ele se irrita, mas por ora, não perde as esperanças. Levanta-se, e começa a caminhar pelo jardim.

— Então, eu mesmo procurarei saber o que há de errado por aqui!











quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 2: Destinazione

Capítulo 2: DESTINAZIONE


A areia é o mundo todo. O deserto não parece ter fim. O planeta sempre foi assim, vazio. E nada indica uma pista de que irá mudar.
A máquina infernal viaja em grande velocidade, e o ar é seco, empoeirando, áspero. No entanto, aqueles dois homens estão acostumados desde seu nascimento com essa atmosfera. É a vantagem por já nascer com cinco anos de idade. Absorvem coisas demais...
Chega a ser refrescante, para eles, o vento forte, que bate em suas roupas pesadas de viajante. De pé, cada um olha fixo para uma direção. E o trem mantém seu curso imponente.
Gipsy observa ao longe algumas Gardens de todo tipo. As mais bonitas parecem ter uma luz própria que se destaca em meio àquele vasto lugar, vazio e morto. Definitivamente, não tem como não admirar a cor fluorescente do mato verde, das rosas e de outras flores!O Hunter de chapéu preto sempre fica surpreso e admirado com a natureza que faz surgir aquele tipo de vida, em pontos isolados, porém cheio de esperança!
É um grande contraste ver uma vasta terra morta com trechos onde o milagre da Existência reluz. A visão é ainda mais milagrosa quando presencia uma criança dentro dele, brincando de esconde-esconde por entre os arbustos, pequenas árvores ou até mesmo sentado, se distraindo com as borboletas, e se comunicando com aquele jardim vivo! Tudo ali tem vida própria e carrega uma serenidade absoluta. A criança que tem sorte de ter uma Garden dessa, reflete a mesma beleza e é cheia de vida.

Entretanto, a viagem oferece também aos olhos dos dois andarilhos as "falsas" Gardens: são jardins descuidados, feitos de recorte de papelão e cordas que deixam suspensa algumas borboletas e pássaros de Origami. O mato é quase seco e não irradia luz. Arbustos e árvores mais se parecem cenários de um teatro barato e os remendos são visíveis. As crianças que habitam essas Gardens são sujas, descuidadas e podem chegar a ser tão agressivas quanto o próprio jardim, que os protegem de forma errônea e sem carinho. Essas crianças são conhecidas como...

— ...Relentos!...— Murmura Gipsy.

A expressão do homem de chapéu preto se entristece observando as diferenças de Gardens ao longo do trajeto. Quatrocordas, que olhava para o outro lado da paisagem, ao ouvi-lo murmurar, pergunta:

— Se aborrece em ver certos destinos?

— Um pouco.

— Mas não é só isso, certo?

— Sim, não é só isso. Olhando as Gardens, deixa-me ainda mais ansioso em chegar no meu itinerário.

—  Impaciência é um dos seus pontos mais negativos, Gipsy!

— Por isso tenho você como amigo, e membro do DeepSea — Gipsy deixa escapar um sorriso.

— Às suas ordens, "Cap´n"! — Responde Cordas gentilmente.

Gipsy tira seu chapéu e, segurando com uma das mãos, passa os dedos da outra em seu broche. Em seguida, olha em direção ao primeiro vagão. Para a cabine da maquinista.

— Duvido que você resista! — Sorri Quatrocordas.

— É, difícil resistir...Se eu falasse pra você: "Sim, vou até a cabine fazer uma visita cordial", soaria a coisa mais comum vindo de mim. Mas, acredite: isso só me tiraria do foco. Estou me sentindo incomodado porque eu não sou de tomar a atitude contrária. É, chapa, desta vez não vai rolar.

— Estou impressionado! — Admite Cordas — Mas e quanto a uma visita realmente cordial? Nem ao menos vai destilar todo seu estilo e avisar a Lullaby que está pegando uma carona na maior cara de pau?

— Tudo será mais fácil se ela não me ver. Outra: Glasses tem algumas contas à acertar com ela, embora ele ainda esteja se recuperando...

— Por se libertar da ilusão? —  Interrompe Quatrocordas — A culpa é inteiramente dele por ter entrado na batalha naquele dia fatídico! Nós, Hunters, sabemos o perigo que corrermos toda vez que lutamos com uma Lullaby. Um só tiro no coração ou na cabeça e estamos condenados! Além do mais, ele se julgou completamente capaz em ganhar a luta, passando na sua frente sem seu consentimento. Ele procurou, de alguma forma, se auto-prejudicar. Ele foi imprudente...

— Lembro-me do dia que ele chegou cambaleando no Q.G. — Gipsy começa a resgatar das memórias — Uma noite anterior àquele dia eu havia sonhado que Glasses havia sido atingido no coração. Quando ele abriu aquela porta, só pelo cheiro, sabia quem o havia atingido. Dali pra frente, sua saúde piorou...

— E agravou assim que inconscientemente decidiu escapar da ilusão. Não são todos que conseguem acordar desse maldito sonho. — Completou Cordas.

— Com sorte, ele conseguiu. — Ressalta Gipsy.

— Mas o processo de recuperação à libertação é lento. É extremamente doloroso sentir a realidade novamente uma vez que cai nas graças  da ilusão de uma Lullaby. — Explica Quatrocordas. E, após uma pausa, conclui: — Nós sabemos bem disso, não é?

— Você não faz ideia... — Divaga Gipsy. Por fim, completa: — Ele quebrou as regras de conduta dos Hunters e, sobretudo, do nosso grupo. Mas creio que esse processo seja o castigo mais adequado. Quanto a fazer uma visita, por mais simples que seja, pioraria as coisas. Sabendo que Greenglasses já foi atingido por ela uma vez, talvez eu não resistiria.

— Então, mantenha-se firme e focado. Logo mais, chegaremos. Estava pensando...acho que não ficarei contigo esses dias. Não entenda mal, estarei lá perto para auxilia-lo, caso precise. Só pretendo aproveitar a viagem para visitar um velho amigo nosso.

— Vanitas? — Pergunta Gipsy.

— E quem mais poderia ser? — Cordas responde com uma pergunta óbvia.

— Hmm...

— O mais ousado entre nós, aquele cara!

— Sim, ele merece todos os créditos pela capacidade e ousadia... — Gipsy parece ir longe nas memórias.

— Sem contar a sorte que ele tem, que é simplesmente sobrenatural. O nível já era um absurdo, e encontrar uma Lullaby do mesmo patamar que ele e dar no que deu...

— Vanitas sempre foi um cara bem inteligente. Eu já sabia que, desde a primeira vez que foi atingido, ele sairia da ilusão vivo mais rápido do que o esperado.

— O que ninguém imaginava é que a mente dele evoluiria ainda mais, a ponto de enfrentar novamente a mesma criatura e se tornar imune aos ataques dela, e estabelecer um acordo entre eles.

— Eu prefiro chamar isso de "laços".—  Resmunga Gipsy.

— Isso é uma escolha dele. E devemos respeita-la, mesmo que isso seja nada comum em nosso mundo.

— Sou feliz com a felicidade de Vanitas.— Finaliza o homem de chapéu preto.

E entra novamente em profunda reflexão, até chegar no fim da viagem.


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Complexo mesmo foi pular do vagão com a máquina infernal em movimento. Mas os dois conseguiram, devido ao nível que cada um carrega consigo como Hunter.
O destino de Gipsy ficava perto daqui, de onde desembarcaram. Após baterem a areia impregnada na roupa de viagem, caminham ao leste. E, como planejado, a maquinista nem desconfia que foi muito útil para os dois caçadores.
O deserto é insistente. Já é noite, mas os Hunters continuam em direção a um jardim de tamanho razoável. Em sua volta há um pequeno muro feito de galhos rústicos e bem fortes, que impedem a entrada de qualquer estranho. Todavia,  Quatrocordas e principalmente Gipsy não são desconhecidos para essa Garden...
Ao se aproximarem, os galhos que obstruíam uma aproximação se afastam um dos outros, abrindo uma passagem. A luz que erradia do próprio jardim fica oscilante, pisca algumas vezes e acaba mantendo uma luz amena; menos radiante em comparação ao primeiro momento. Gipsy vira para Cordas:

— E aí, você vai entrar?

— Um outro momento, talvez.

— Entendo. Bem, então ficarei por aqui. Manda um abraço para o Vanitas. Diga à ele que, se eu arrumar algumas horas, passarei lá antes de voltar para o Q.G.. Aliás, você volta comigo?

—  Sim, sem dúvida alguma. Mandarei o abraço. E você, mande os meus para o seu jardim.

— Com certeza. Assim que terminar as coisas por aqui, entrarei em contato.

— Até logo, Gipsy. Cuide-se! E, se precisar, sabe onde encontrar-me.

— ...

Quatrocordas parte noite adentro pelo deserto. Calcula que chegará na casa do amigo pela manhã. Gipsy o observa um pouco antes de se virar totalmente para a passagem aberta. Levanta as sacolas do chão e entra no jardim. A passagem se fecha. Dá para ouvir seu murmurar antes da barreira se fechar completamente:

— O bom filho à casa torna...