quinta-feira, 10 de julho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 13: X-Cution


Capítulo 13: X-CUTION


Os únicos elementos que sobrara do antigo cenário — que agora estavam devidamente arrumados — eram sem dúvida os leitos de cada um. Estar dentro do Q.G. e ver que estes ainda existem trazem uma nostalgia e uma esperança tímida e disfarçada, por ainda remeter à época áurea onde os Hunters descansavam antes de uma caçada em conjunto ou até mesmo depois, geralmente chegando com a luz do dia, exaustos, sob efeito deste ou daquele ataque de uma Lullaby; O gosto do Egocon na boca, suas armas gloriosas por batalharem a noite inteira...Ou boa parte do dia. Tudo isso fazia história e cravava uma memória forte, impetuosa e vívida dentro da mente dos Hunters, dentro de seus corações e agora, impregnadas nestes objetos dentro do quartel general do Deep Sea.
Entretanto, por estarem arrumados, em diferentes lugares da cabana, também trazia uma quebra na imagem. Exibia um novo tempo. Um tempo triste, melancólico, que dava sinais que não estava ali para receber os Hunters cansados, porém inteiros. Desde que mudou o cenário, essa nova visão convidava-os a acreditar que as camas — antigamente sempre bagunçadas — hoje organizadas, seriam a  futura lápide dos heróis de areia que aceitam tarde demais seu infeliz destino...
A porta foi aberta na base da "pesada". As mãos de Gipsy  estavam ocupadas segurando Greenglasses no colo. Deixou-o no chão próximo a entrada, porém do lado de dentro e dirigiu-se mancando até o estoque de primeiros socorros, que já se encontrava um pouco escasso. Depois, levou-o para os fundos, onde lavou os ferimentos e livrou Glasses das roupas quer não usaria mais. Este mantinha um colete leve e uma calça. Estavam rasgados, porém bem mais inteiro do que o restante dos acessórios que usara nas batalhas. Gipsy, antes de repousar o amigo na cama, forrou o leito com outros lençóis para não sujar os que estavam ali.
Só então colocou o amigo, e não sabia dizer se Greenglasses ainda estava presente ou não.
Permanecia com uma expressão serena, apesar dos ferimentos graves. Dava a impressão de estar apenas dormindo. Dormindo em uma paz rara e profunda. Não fosse tão crítica a situação de Glasses, era possível até  procurar um sutil sorriso de canto de boca. Mas tentar achar algo assim seria uma ilusão ainda pior que este se encontrava, mais uma vez, dentro de sua alma.
Gipsy sentou em um banquinho que arrastara ao lado da cama. Sua tristeza, antes mesmo da luta começar, ainda permanecia. Eles haviam passado juntos por esses problemas na vez em que a maquinista de Train Oasis acertou o manipulador do Ioiô. Mas, apesar do sofrimento, ele não estava sendo controlado pela Lullaby. A ilusão era profunda, mas no fim das contas ele havia conseguido achar a saída do labirinto. Não precisou que Hunters duelassem entre si. Não precisou que se ferissem quase até a morte. Não fez amigos chorarem...
Ali, ele ficou limpando as feridas do amigo e, quando terminou de usar panos, gaze e esparadrapos relativamente limpos, apoiou os cotovelos nos joelhos afastados, ainda com o corpo repousado no banco. Encostou as mãos com os dedos entrelaçados apoiadas na testa e pareceu cochilar., desejando imensamente que Greenglasses acordasse de um sono que, no fundo, Gipsy sabia bem que demoraria no mínimo algumas semanas, ininterruptas.
Deixou-se levar pelo cansaço e, por alguns minutos esqueceu a dor do seu corpo, de quem também queria abandonar aquele mundo...

****************************************************

O risinho era de praxe quando essa raça gostava de provocar um Hunter. Virou-se, ainda em, cima da mochila de Cordas, e ficou de bruços olhando para baixo e fitando dentro dos olhos dele. Ela parecia flutuar. Apoiou a cabeça com uma das mãos, cotovelo sobre a mochila e com a outra, ergueu o braço e esta estava numa posição como se tivesse chamado algo do chão e ascendesse aos céus.
Não tinha como Cordas simplesmente esquecer aquele brilho de faixas de luz totalmente negra. Eram muitos, finos pilares, semelhantes à raios que realmente não vem do céus e sim, do chão. Aparecem na mesma velocidade, num lapso- relâmpago agressivo, tomando uma boa área. Como se do chão emanasse uma erupção de algo terrível. Quando a vítima se da conta desse ataque, ela já está em queda livre, observando de ponta cabeça a chuva de pétalas de rosas incomum, e não demorará para a cabeça do atacado bater violentamente na areia.
Quatrocordas conhecia bem esse ataque que hoje em dia ele conseguia cair de pé. Só não era rápido o suficiente para escapar. Não podia orgulhar-se, quando a poeira abaixasse, de permanecer todo ferido no meio daquele pandemônio, no fim das contas. Mas, tratando-se "dela", Cordas estaria dando, a todo momento, o seu melhor.

Porque, se não o fizer, sabe que morrerá sem perceber.

Enquanto ofegante, Cordas pensava:

— Maldito ataque! Sempre quando acho que vou escapar, estou no epicentro. A situação é a pior possível. E agora?

O Hunter, por um momento, pensou que fosse seu último dia de vida.

E ele não estava de todo o errado.

A poeira estava dissipando quando viu a silhueta da Lullaby, flutuando , de pés juntos, encostando suavemente o ponto dos pés na areia. Mantinha uma postura firme, graciosa e em perfeita harmonia. Tinha um ar de bailarina...
Isso era natural da grande maioria dessa raça: serem graciosas e ágeis. Algumas, mais que outras. Especialmente "essa", que exagerava na facilidade que tinha em ser leve, ágil, rápida e mortal. Para Quatrocordas, todos esses atributos dobravam ou triplicavam contra ele.
E, por isso mesmo, especialmente por culpa de Cordas, ela fazia parte de um grupo especial.

Uma organização beirando a perfeição, especializada em extermínios específicos de Hunters.

O grupo X-Cution.

Um Hunter que perde fatalmente para uma Lullaby, sendo controlado ou ficando preso na ilusão, contribui para que esse exército distinto e mortífero cresça a cada dia, ameaçando os homens do deserto à extinção.

Esse grupo é especializado em Hunter derrotados. Significa que cada Lullaby conhece todos os pontos fracos daquele que cada uma derrotou ou dominou. Significa que, cada Hunter derrotado em algum ponto da sua vida, possui uma algoz por toda a sua existência...

...Significa que, quando um Hunter encontra com sua algoz, ele terá sérios problemas.

Hunter de nível inferior tem chances maiores de perder para uma Lullaby e, com isso, a transforma em sua carrasca. Ou seja: Hunters fracos tem mais chances de acumular derrotas. E se sair vivo de todos os controles ou dominações, a sorte não esticará a vida do pobre coitado por muito tempo. Cedo ou tarde ele irá esbarrar em uma de suas algozes. E não irá durar muito pra contar história.
Neste vazio todo, são raros os Hunters que nunca foram atingidos por uma Lullaby. Estes não possuem cicatrizes. E isso não porque nunca enfiaram-se em uma luta. Muito pelo contrário: parecem que nasceram prontos, sabem bem o que fazer e quando fazer. Por elas são chamados de Straydogs, embora pelos Hunters são conhecidos como Untouchables.
Esses dirigem suas vozes e seus olhares para Hunters normais com arrogância, classificando-os inferiores. Apesar de contribuírem como uma força oposta ao crescimento do X-Cution, caçadores normais não suportam tamanha frescura e péssimo tratamento que os Untouchables  se dirigem à eles. Por serem egoístas e extremamente solitários, é raríssimo ouvir sobre um grupo desses intocáveis homens unir-se e lutar por uma causa em comum. O ato de silenciar Lullabys é feito de forma individual e quase oculta por esses arrogantes. Mas diz algumas lendas que houve uma vez que um grupo desse nível se uniu. E surgiu a lenda  Knights of the Round...

Os membros do quase falido Deep Sea não são Knights of the Round...
...Não são considerados Untouchables...
...São Hunters comuns. Porém, com exceção de Greenglasses, seus membros são Alone´s Howls. Deram duro e continuam se esforçando diariamente para silenciar as Lullabys e restabelecer a Ressonância...

...Mas, por não serem Straydogs, cada membro do Deep Sea tem a sua X-Cution...
...E, neste instante, Cordas está de frente para a sua algoz...

— Há tempos que estou te procurando —  Começa a criatura.

—  Já experimentou mandar uma carta? Ironiza Cordas.

—  Engraçadinho! É sério... Estava com saudades de você. Ser uma Lullaby é meio cansativo, sabe? Não tem muito o que fazer. E quando somos oficialmente da divisão X- Cution, parece que, sem querermos, sem ao menos nos agradar, acabamos por criar o que vocês chamam de vínculo. E isso...Isso me incomoda.

— Sou da mesma opinião que a sua...

—  Eu nunca compreendi direito como você superou a ilusão, Quatrocordas. Eu simplesmente não entendo...

O Hunter parece hesitar em dizer em seguida. Depois de uma pausa, fala:

— Você se "descuidou", foi isso o que aconteceu.

— Eu sempre cometo esse erro...

—  E eu só tenho de agradecer pelo seu descuido! — Quatrocordas concluiu com frieza.

A Lullaby aparentou comer de forma lenta um alimento desagradável. Demorou para refletir em resposta, pois digeria o que havia escutado:

—  Conseguiu seguir em frente com a vida. Olhe para você: está ótimo! Pronto para caçar mais Lullabys, né?

Florença fez a pergunta, mas seus olhos temiam uma resposta positiva. Quatrocordas apenas suspirou. Não disse sim e nem não. A cabeça dele não estava funcionando; encontrava-se aflita demais. Daria tudo para que não a encontrasse.

— Fale alguma coisa! —  Exigiu Florença.

— ...

Ela se enfureceu. O rosto dela exprimia uma raiva, misturada com uma culpa profunda e difícil de distinguir. Seus sentimentos eram confusos demais e isso afetava Cordas de forma mortal: sabia que a Lullaby era capaz, mas não do que pudesse fazer. A única certeza que tinha era que ele sairia mal, qualquer coisa que Florença fizesse. E ela fez.
Ergueu novamente uma das mãos para o céu, e Cordas esperava por isso. desta vez, correu de forma muito mais rápida. Pulou desesperadamente para os lados, alternando a distancia do epicentro do ataque, porém se afobou no último segundo. A explosão negra pegou-o de novo, arremessando suas pernas para cima e forçando seu corpo pesado virar no ar com facilidade, dando uma cambalhota. Ainda no ar, Cordas pode ver um vulto acima dele, distante, mirando-o com declarado cuidado. Lá de cima, esse vulto gritou:

— Farei de tudo para que eu possa redimir-me dos meus próprios erros!

Florença sacou sua arma, que por sua vez é minuscula. Parece de brinquedo, de tão diminuta mas, assim que disparou, acertou Cordas bem na hora que a explosão de raios negros cessa e extingue em forma de pétalas de rosas amaldiçoadas. Um belo efeito que a Lullaby fazia questão de contar o tempo exato do disparo.
No corpo do Hunter, era como se seu tamanho nada fosse para com o disparo, em forma de uma grande concentração de golpe de ar, afundando-o numa enorme cratera, como se um meteoro houvesse colidido contra o chão. Não fosse o barulho do impacto ao som de seu ataque,  Florença ouviria claramente o gemido do Hunter, cuspindo sangue e sumindo na explosão de areia no local.
Ela caiu firmemente no chão, sem precisar amortecer pela sua admirável leveza. Andou em direção da cratera e da poeira densa que levantara. Mas parou, sem saber direito e, no mesmo momento, o machado de Cordas abriu uma fenda na poeira que não oferecia qualquer visão lá de dentro. O Simmons do Hunter passou pelo pandemônio de areia que pairava no ar e por pouco não divide a Lullaby no meio. Teria, se ela continuasse a andar. O machado parou bem aos pés da criatura.
Ela viu Quatrocordas de pé, com uma expressão fechada, saindo imponente da areia que ainda flutuava ao redor, caminhando em sua direção.

— Já deu pra notar que eu não tenho outra alternativa!... —  Disse Cordas.

— Pense da forma que quiser, mas não te deixarei em paz! —  Retrucou a criatura.

Com a sua maça estrela, ele corre na direção do seu Simmons encravado no chão pela lâmina, que separa ele da Lullaby. Esta ergue a mão novamente. Cordas se move rápido e encontra-se com sua mão direita aterrizando com violência no cabo do machado, fazendo um som de metal soar seco e instantâneo. Frente a frente com Florença, seus corpos, por estarem próximos, tremeram pela força de ambos os golpes, ainda suspensos.

Gipsy acorda num tranco. despertou do cochilo, assustado. Olhou para os lados, pensando ter ouvido um barulho, um impacto. Julgou apenas ter sido sua impressão. Ele estava sentado, ao lado do leito de Greenglasses.
Dirigiu-se mancando até o banho. E sua mente, que nunca se aquietava iniciou, de forma oculta de si mesmo, a formular novas perguntas complexas e despertar uma inconsciente atitude suicida...











Nenhum comentário:

Postar um comentário