quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 10: 達した!

Capítulo 10: 達した!


O que acontece quando um Hunter é atingido?
O resultado é o mesmo pra quem se admite Hunter ou pra quem reconhece a falta de capacidade para tal. O destino é justo e não faz distinção. E é muito pior que a morte.
A vítima de uma Lullaby se torna inválida nesta sociedade desconhecida em número de população. Inválida e perigosa.
Quando um Hunter é atingido no coração por um projétil de Lullaby, é muito mais eficaz e mortal. Daí, para o cérebro ser infectado é questão de minutos. Porém, quando é atingido na cabeça, o veneno entra mais lentamente no cérebro, e consequentemente causa confusão, tomando de forma devagar o corpo todo.
Tanto no crânio quanto no peito (se assim for a vontade da Lullaby), o caçador perde a maioria dos seus poderes e a quantidade de Egocon absorvido em toda a vida até o momento é extinguido à zero, fazendo com que, aquele corpo que em outrora evoluiu e ficou forte através dessa energia proveniente das criaturas, se atrofie de forma considerável, ficando frágil. 
Independente do lugar atingido, o poder máximo dessas criaturas se concentra na ilusão que seu alvo é vítima. Ela é profunda, sarcasticamente constante e dolorosamente incerta de ser superada. Na maioria das vezes essas ilusões deixam suas vítimas fora da realidade, sendo incapazes de fazerem coisas pela sua sanidade duvidosa. O doente vê coisas que não existem de fato, conversam sozinhos constantemente, se tornam fragilizados feito crianças e agem como uma em períodos indefinidos. Resumidamente, apenas seu corpo está ali, presente. Embora evoque lembranças fragmentadas de quem é ou o quem foi, já não se tem mais controle direto do corpo: seus movimentos não lhe mais pertencem e as batidas do coração da vítima mantém aceleradas até o fim da ilusão, caso essa tenha realmente um final. As sequelas ficam localizadas na mesma região.

Se o corpo está ali, para onde vai a essência do Hunter?

Essa é uma tese não provada, exceto pelo fenômeno "volta do ser".
Voltar da ilusão é algo bem difícil de acontecer. As lendas dizem que, para que isso aconteça, o primeiro passo é a consciência "despertar" no lugar onde foi parar. Geralmente,essas mesmas teses apontam para um lugar profundo dentro do próprio espírito da vítima, onde o Hunter se encontra selado pela ilusão das Lullabys.
Uma vez "desperto", voltar para a superfície é a experiencia mais terrível de se passar. É como se a ilusão apagasse todo o senso da verdadeira realidade e colocasse no lugar a "verdade segundo a visão das Lullabys".
Elas vivem em uma. Os Hunters em outra. E é por isso que é tão sofrido a volta do caçador para a sua realidade esquecida. Funciona como se a vítima pensasse e agisse num cenário montado em tão perfeita harmonia, até descobrir, aos poucos, que até estar em certo lugar, de fato, nunca esteve. É assombroso e maligno o efeito colateral dessa maldição.
Muitos perecem ou morrem tentando voltar para a superfície. É tão lancinante e intensa a dor que, de cem Hunters atingidos, trinta conseguem voltar ao estado que se encontrava antes de ter sido alvo da ilusão. É uma escalada inumana, das profundezas até a luz do esclarecimento de quem é, na realidade.
Neste caso, na ilusão, quem controla o corpo, enquanto o Hunter está "adormecido"?

As Lullabys, claro.

Elas possuem o código exato das memórias e consciência da vítima e usa parte dela para que aquele corpo vivo lhe sirva como escravo. Algumas não usufruem muito dessa capacidade. Outras exploram até a morte aquela pobre alma, definhando-o lentamente. Essas, geralmente mais poderosas do que as Lullabys comuns, fazem uma ação imperdoável, que são uma das que deixam o vasto deserto em colapso: essas criaturas colocam Hunters contra Hunters. E algumas vezes as batalhas chegam até a morte de um deles ou dos dois.
Essa profunda ilusão transforma completamente um Hunter, tornando-o diferente daqueles que são abandonados a mercê desse mesmo poder. Uma vez escolhido como "escravo", as Lullabys emprestam um pouco de seus poderes e os Hunters se tornam bem fortes e agressivos devido a essa estranha devoção. Por isso que as batalhas entre os caçadores são extremamente violentas. Enquanto dentro da mentira, são chamados de Iludidos, Dominados ou Pets, sendo esse último termo o pior a ser pronunciado, comumente usado por elas.
Se não bastasse o poder esmagador da ilusão, ter o poder de controlar certos Hunters transforma o chão arenoso do mundo em vermelho-terra, imperando guerras entre irmãos de consideração.
Em um ponto, visto lá de cima interpretado como qualquer outro grão de areia, um Hunter está de indo de encontro ao outro, desejando eu seu interior que não tenha lutas. Porém, indo armado, só prova que ele está, mais uma vez, contando uma mentira para o seu coração.

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Match Tide Village é um vilarejo fantasma onde no passado moravam poucos Hunters e muitos homens normais, conhecidos como Peacemakers. Provavelmente foi esse o número que decidiu o destino do qual essa vila se encontra hoje. Lembrando vagamente a arquitetura do Velho Oeste, as casas de Match Tide Village permanecem repousadas desta forma. Não passa de quatrocentas moradias, tendo direito a uma só praça central onde em outrora discutiam os problemas da cidade ou as invasões das Lullabys. Houve um dia que tivera a última reunião, antes de algum grupo de criaturas passarem executando todos os homens que ali se encontravam ou se preparavam para a guerra. A maioria das casas estão intactas, apenas com marcas de tiros para todos os lados. Dá para imaginar onde as lutas foram mais intensas, pois essas moradias nem teto tem. Paredes foram varridas e grandes buracos dão a impressão de violência que passara pelo local. Marca de sangue seco está por toda a superfície. Olhando o cenário e o que sobra dele, sente-se um gosto amargo de injustiça em comparação aos poderes das Lullabys contra o dos homens.
Ao redor, não muito distante dali, permanecem intactas apenas Gardens que hoje não possuem mais seus Hunters. Parecem que esses reuniram-se e resolveram morar perto de seus jardins, construindo um vilarejo e tentando morar sozinhos, mas dependendo da ajuda um dos outros. Não se pode morar para sempre nas Gardens: os homens precisam de sua independência, cedo ou tarde. Seguir adiante, com seus sonhos escassos neste deserto. Só não se sabe o que passou na cabeça desses Peacemakers em pensar que nunca seriam atacados pelas Lullabys. Poderiam ao menos deixarem de ser preguiçosos ou que poderiam desenvolver um diálogo amigável com essas criaturas, e aprender um truque ou dois para se defenderem.
Escolheram viver pacificamente. Encontraram a morte mais horrenda. Ou a ilusão mais profunda, e nem sabem que são vítimas de uma mentira. Mais triste ainda são essas Gardens, esperando a volta dos seus que nunca mais chegarão para tentar desenvolver a rara Ressonância.
Gipsy caminha em direção à Match Tide e, no caminho, encontrou o Hunter que lhe fez a ligação.
Contara que ele e o amigo dele estavam explorando a região atrás de suplementos quando se deparou que haviam duas Lullabys no vilarejo, e Glasses surgiu de repente. Aparentemente estava escondido, esperando a hora certa de atacar. Ele conseguiu trocar muitos tiros e golpes com as duas criaturas e, quando esse Hunter se aproximou com seu amigo para tentar ajudar, Glasses negou e pediu para que não interferissem na batalha. Uma das Lullabys cochichou algo com a outra e saiu da batalha, partindo para o leste e deixando sua amiga contra o Hunter. Talvez a noite teria sido a vantagem da criatura, e antes mesmo da luz do dia raiar no céu do deserto, Greenglasses fora atingido, caindo de joelhos na praça central. Só quando a Lullaby se deu por satisfeita e foi embora, é que os dois Hunters exploradores se aproximaram do amigo de Gipsy, que pediu, muito ferido, para que entrasse em contato com o DeepSea.
Ainda demoraram um pouco pois o aparelho de comunicação que carregavam na exploração estava muito velho, dificultando estabelecer as ondas de comunicação. Desejaram sorte para Gipsy e Glasses, mas que muito provavelmente o segundo já se encontrava na praça central batendo a cabeça no chão e babando pelos cantos das ruínas assim que Gipsy chegasse lá.
O portador da Lúdica se despediu da dupla e seguiu em frente. Não muito tempo depois, estava na entrada do vilarejo fantasma. Passou um monte de possibilidades pela sua cabeça: perguntas sobre o que Greenglasses estava fazendo todo esse tempo e o que deu nele de querer enfrentar duas Lullabys sozinho. Pensou também na hipótese de tudo ser uma armadilha dos Hunters que entraram em contato com ele, ou até mesmo uma armadilha de alguma criatura que estivesse escondida em Match Tide. Um pouco de si queria que tudo isso fosse verdade. Ao menos, pouparia da difícil missão de ter de enfrentar seu próprio amigo, caso ele fosse vítima de uma ilusão profunda.
Adentrou por entre as casas e vielas, e instintivamente carregava a arma de fogo e sua outra mão jazia na bainha da espada estranha. Caminha pé ante pé sem fazer barulho nenhum, se esgueirando até a praça central. O cenário para o homem não era desconhecido: havia passado ali muitas vezes, antes e depois do massacre.Só não tinha o mapa mental exato do local. Mas para onde deveria se dirigir, ele sabia de olhos fechados.
Chegou no centro do vilarejo com a leve brisa que rodeava o local. Estranhamente o Sol estava por entre raras nuvens e não fazia tanto calor como os heróis da areia estavam acostumados. Enquanto Gipsy saia de uma sombra que tomava um corredor estreito entre grandes barracos, Greenglasses permanecia na luz, ainda de joelhos, curvado pra frente e os braços soltos, com as mãos largadas no chão empoeirado. Cabeça baixa, escorria sangue de sua testa.A luz do dia projetava em seu rosto uma certa sombra onde, naquela distância, não dava pra distinguir se seus olhos estavam fechados ou não. Seus óculos de lentes verdes fundas, típico de motoqueiro do deserto, que sempre usou acima de sua testa, está trincada e sua armação arrendondada de aço bem arranhada. Glasses dessa vez havia passado dos seus próprios limites.
Gipsy foi se aproximando com cautela, olhando para todas as direções rapidamente, mas perdia mais tempo fitando diretamente o amigo.
Ouvindo os passos, Glasses levantou com certa dificuldade a cabeça e da sua boca caia uma bela linha grossa e vermelha. Sorriu de uma forma fraca e sem graça, sem mostrar os dentes, e com os olhos semi-cerrados:

— Amigo...! Você está um pouco atrasado — Falou com a voz fraca.

— Glasses...Oh, Glasses. Você..? —  A voz de Gipsy  saiu com uma enorme pena do amigo ali ajoelhado, como se não quisesse acreditar no que estava vendo.

— É, pois é. Fui atingido novamente, Gipsy. Há... Acho que eu nunca aprendo, né?

— Não fala assim, companheiro. Olha, eu estou aqui...

— Obrigado por ter vindo —  e tossiu, cuspindo sangue na areia da praça central, respingando num monumento que servia como o marco zero do vilarejo.

— Posso ver o quanto isso é preocupante, Glasses? — Gipsy foi se aproximando cautelosamente dele, fazendo menção de abaixar perto do amigo, mas assim que se aproximou e observou a ferida, ele levantou num rápido movimento, levou sua mão na boca e se virou pra trás, andando em círculos com passos nervosos de quem não sabia o que fazer ou pra onde ir.

— Agora entendeu o por que pedi para te chamar? —  Greenglasses forçava um humor de um moribundo. Vez ou outra tossia e mais sangue era expelido daquele corpo que se aventurou onde não devia.

— Por que, meu, por que você se descuidou a esse ponto? —  Gispy se encontrava tenso, fazendo gestos exagerados e apontava pra ferida profunda no peito do amigo.

— Poupe-me do sermão dessa vez. Só desta vez... —  após uma pausa, continuou —  Eu te chamei porque eu confio em você e só você pode me realizar esse favor. Você pode fazer por mim?

Glasses começa a chorar. Suas lágrimas já não são mais de desespero, mas de uma tristeza lamentável. Descem quentes e lava um pouco o rosto sujo de terra e sangue. Gispy se comove com a cena e o pedido do amigo:

— Antes que o veneno se espalhe e me traga as trevas da ilusão, antes que ela possa controlar meu corpo e minhas vontades, por favor —  E, levantando com dificuldade, ele traz com as mãos seus óculos até os olhos —  Lute comigo e me vença.

Era isso que o coração de Gipsy temia. Que a Lullaby jogasse Greenglasses contra qualquer Hunter que aparecesse no caminho.

—  Será uma honra cair aos seus pés como um bravo Hunter, Gipsy! Mas você demorou um pouco....Sinto que ela já tem parte do controle do meu corpo. Por favor, não demore e venha com tudo pra cima de mim. Lhe darei uma boa luta.

Suas lágrimas saem de forma mais intensa, e range os dentes de raiva, por pedir algo tão doloroso para o amigo. Não era a primeira vez que passavam por isso juntos. Mas nunca há a certeza de salvação.
Gipsy passa o braço nos olhos, secando algo que não deixou Greenglasses ter a certeza do que era.
Seu esforço foi  em vão: no movimento onde Gispy levantou sua arma de fogo para a testa do parceiro, uma gota salgada caiu no chão ensanguentado, dando início a uma dolorosa batalha...






                                                                                             Fim da primeira temporada















sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~Capítulo 9: استراحة

Capítulo 9: استراحة


1 mês depois...

Móveis e toda e qualquer tipo de bugiganga começava a tentar ganhar vida, para só então possuir um merecido propósito novamente. O espaço que aparecia naquele ambiente pela mudança de lugar de cada objeto e o pó tirado de cada um deles era obra de um deus deles que os havia abandonado a muito tempo. Um Deus confuso, egoísta, difícil de se prever e que, aos poucos, morria.
Envelhecia a cada segundo e começava a esquecer o rosto de seus companheiros. Não por maldade declarada, mas a mente já não estava trabalhando tão bem feito uma engrenagem nova de um belo e notável relógio. Cismava em girar em um ritmo lento e à desejar para fazer funcionar um corpo ágil e um espírito que já foi mais forte, em outras épocas.
Suas viagens se tornaram mais constantes e solitárias à sua Garden e aquilo que era inédito passou a ser rotineiro: Gipsy não caçava mais Lullabys. Tomava rotas alternativas que nunca havia tomado na vida, onde sabia que a movimentação dessas criaturas era rara. Era avistar uma chegando perto e prontamente se camuflava, atuando novamente com movimentos que o lembrava de um tempo que ele era um mero aspirante à caçador e que acreditava, com toda força e ímpeto de um jovem que jamais teria capacidade se tornar um Hunter. Se esconder em pedras, se camuflar em algumas regiões onde a superfície parecia mais com o Deserto do Saara e andar em trechos onde era tão limpo e vazio de elementos naturais que não havia nada que o pudesse esconder ou abrigar. Nenhum Hunter pegava principalmente essa rota pois ficavam muito expostos a ataques de alguma Lullaby de passagem ou sedenta por uma marionete. Entretanto elas, pensando dessa forma, também não percorria essas regiões. E era ai que Gipsy encontrava vantagem na forma ridícula que os Hunters e Lullabys pensavam em comum. Era praticamente um homem invisível passando por dois ideais cegos feito criaturas subterrâneas que nunca viram a luz do sol.
Quanto ao seu jardim, seu estado até tinha melhorado um pouco, porém permanecendo crítico. E em relação à ele, os sonhos continuaram com aquela voz desconhecida e o dono dela com sua forma indefinida. A cada sonho, mais e mais sistemas de ventilação natural era criado e acoplado na Garden, como pequenos tornados que serviam de limpeza do terreno, expelindo (ou tentando) todo o sal que condenava o solo. Gipsy sonhava com o surgimento de um novo tornado e, quando visitava a Garden, lá estava ele, no exato local que apareceu em seus sonhos em outras noites.
Poderia a Garden do Hunter estar tentando se auto-curar? Era possível que o poder de um jardim chegasse nessa consciência? Seria cada elemento ali lutando pra sobreviver como um todo, cada um fazendo sua parte, talvez. Nunca se soube o poder real de uma Garden e o que ela pode fazer. Mas Gipsy ficava com o rosto latejando toda vez que lembrava da ocasião que sua cabeça foi quase arrancada pela raiz do jardim de Ward.
Se não fosse tudo isso, quem a estaria ajudando? Quem era o homem que invadia os sonhos do caçador e lhe dava dicas de procedimento, ao mesmo tempo que acoplava os "aspiradores naturais" contra os sais nocivos?
Esses pensamentos e ações faziam o corpo e a mente de Gispy tomar novos costumes, quase de um senhor de muitos anos. Era totalmente diferente do que ele era, não estando nem com trinta e cinco anos de idade estampado no rosto. O Hunter passou seus dias e suas noites assim, se concentrando em suas viagens e mudando alguns objetos de lugar no Q.G.. Aliás, não tinha mais certeza se aquilo podia continuar sendo chamado de quartel general. A situação do grupo possuía uma ruptura em seu coração: Cordas sumiu do mapa. Rumores diziam que ele também fazia viagens, tomando todo seu tempo. Glasses passou a frequentar menos a base do DeepSea e aprimorando suas técnicas em caçadas medianas. O telégrafo, o telefone antigo movido a energia Egocon e as cartas começaram a se tornar cada vez mais raras com propostas de caça de algum homem que não foi capaz de se tornar Hunter ou que escolheu possuir uma vida pacata até o dia infeliz que trombasse de frente com uma Lullaby, que muito bem poderia também estar ameaçando essa ou aquela região.
Gipsy virava e mexia se pegava refletindo sobre quantos Hunters já havia passado pelo Q.G., sendo oficiais ativos ou só mesmo contratados para caçadas específicas. Under W., Bone,  Hombre S.,  Rhussiann, Christopher, Sleepooh, Chaotix,  Vicky, Punch K., Vanitas (esse último em raras ocasiões) e tantos outros da lista que sua mente não permitia lembrar.
Ele sempre ficou encarregado de agendar e distribuir as funções e missões que cada membro do grupo realizaria. Tudo de uma forma democrática. Entretanto, a partir do momento que ele começou a esquecer mais de si mesmo e se tornar negligente sobre suas funções, seus amigos não viram outra alternativa senão fazer suas próprias caçadas. São homens ,acima de tudo, independentes. Com qual com um único objetivo em comum: caçar e silenciar Lullabys.

Mas era simplesmente mágico quando juntos, formavam o temido grupo DeepSea!

O portador da Lúdica precisava admitir: ele mesmo deu um cheque-mate no grupo. Como se isso não fosse o bastante, Greenglasses e Quatrocordas sabiam que o amigo precisava de um tempo, ou umas férias. Desconfiavam apenas entre eles que fatalmente poderia ser férias permanentes...
Aos pupilos, Gipsy deu um recesso de alguns meses. Suas ausências de espírito nos treinos começavam a ficar cada vez mais presentes, tirando-o fora de foco. Tomou então a atitude de assumir sua falta de presença:
Como ser humano...
Como Magister...
Como Hunter e Alone Howl...
Como membro do DeepSea...

O grupo desmantelou-se de vez e só um milagre para acelerar o tempo e colidir com possibilidades que poderiam fazer o DeepSea voltar ao estado que se encontrava antes das perguntas sem respostas...


...O milagre veio. Fragmentado em doses homeopáticas de caos e surpresa...

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Cada Hunter na face desse planeta arenoso tem sua própria moradia. Mas sabe-se que cada um também possui um esconderijo, para evitar ataques surpresas de Lullabys. Esse lugar é ocultado até mesmo de outros Hunters que possam pertencer ao mesmo grupo. É conhecido como um retiro: serve para colocar as ideias no lugar, se preparar para batalhas ou mesmo se curar de uma. Se por um lado Gipsy nunca deixou transparecer quaisquer pista de possuir um esconderijo (mesmo porque o Q.G. sempre esteve em lugar estrategicamente oculto à céu aberto), outros do grupo DeepSea poderia ter o seu próprio retiro.
Cordas é um deles...
De todos os membros que são ou já foram do D.S., QuatroCordas é o Hunter mais equilibrado e quieto. Sua sensatez se equipara com a de Vanitas, perdendo em apenas em alguns pontos e ganhando em outros. Um Hunter que mais ouve do que fala. Saber o que planeja, o que faz ou para onde vai, só se descobre se ele permitir com toda a sua vontade. Caso contrário, jamais passará por aquela muralha de segredos que até parece que os grãos de areia do deserto mundial não o alcançam.
Na mesa, onde o homem alto se encontra debruçado em estudos e mais estudos dentro de seu esconderijo, papéis espalhados sobre a superfície tem o peso do mundo. Aqueles documentos foram buscados no período que Cordas visitou Vanitas e que Gispsy jamais desconfiou que ele havia passado em outro lugar, saindo da casa do Hunter de cabelos quase cinzas, naquele fatídico dia.
Aparenta dias que Cordas não dorme. Cabelo bagunçado, olheiras querendo aparecer em seu rosto de idade similar à de Gipsy e Greenglasses e o cansaço estampado em seus olhos que absorveram em outrora revelações que ele se negava a acreditar. Porém, agora não fazia mais sentido ir contra elas. Na mesa daquele homem, os documentos de um passado esquecido e ocultado quebravam os paradigmas da existência. Era uma realidade escrita entrando em conflito com uma realidade de carne e osso, que travou uma batalha sentado, estudando minuciosamente suas linhas e veracidade. Foi uma batalha digna, apesar do silêncio. Mas os documentos venceram aquele monumento. Mas colocava o homem no topo entre muitos outros, mostrando que todos lá embaixo eram iguais. Carregavam uma história que nunca desconfiaram.
E que ele, sendo o homem da montanha de prata, tinha a divina missão de avisar, escolhido à dedo, sobre a verdade.
Pensou imediatamente em Gipsy e em Glasses.
Seu estoque de Sand Beer havia sido esgotado em cada linha lida que era difícil de engolir à seco. Bebericou o restinho que tinha da última que se encontrava na mesa, juntou os manuscritos e preparou a mochila de viagem.
O problema não era tanto chegar em poucos dias ao famigerado quartel general que não via à meses. E sim a quase impossível missão de tentar colocar o que descobriu dentro da mente duvidosa que Gipsy cultivava. Não fosse por essa crise, Greenglasses com certeza daria mais trabalho para absorver a verdade.

— Não tem jeito, terei de descobrir alguma maneira de colocar isso na cabeça daqueles dois paçocas! — Murmura para si mesmo. Depois, continua —  Vanitas estava certo. Tudo aquilo era verdade. E, se não nos apressarmos à entender alguns processos, perderemos mais amigos e essa guerra nunca terá fim.
Colocou a mochila nas costas, trocando suas armas de lugar e colocando num outro compartimento, do lado de dentro do seu casaco pesado de viagem. Aparentava ter o peso que só Cordas poderia aguentar. Com suas armas, então, ficava difícil calcular...

Saindo do esconderijo, enquanto caminha, Cordas fala em um tom aflito:

— É, Gipsy, se você está cansado dessa merda de realidade, te levarei então um novo ponto de vista dessa droga toda! Cabe à você decidir o que fará daqui pra frente...

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Quatrocordas via Gipsy numa corda-bamba em relação ao seus sentimentos e obstáculos. Ele mostrava melhoras e quando menos esperava, ele se enfiava no breu dos seus pensamentos e era terrível tira-lo de lá. Gipsy sempre mostrou um lado confuso e frágil em lidar com esse tipo de coisa. Apostar na compreensão do portador da Lúdica, mesmo neste estado, era a mesma coisa que jogar uma moeda para cima e ver se o resultado vai dar cara ou coroa.Se isso poderia irritar a maioria dos Hunters que se aproximavam de Gipsy, por outro alimentava uma ingênua esperança nos corações dos que se encontravam perto desse confuso caçador. Cordas, com todo aquele tamanho, era vítima desse sentimento que Gipsy fazia qualquer um irradiar à respeito dele. Com uma única diferença: Quatrocordas estava disposto a fazer o líder do DeepSea engolir manuscritos goela abaixo caso recusasse a não ouvir ou ler. Cordas sempre foi muito simpático neste ponto. E sistemático, e com pouca paciência nisso também...

É dia. O sol não deu as caras no céu ainda por conta de nuvens muito brancas em contraste com um azul muito bem espalhado. Ao que parece, não será aqueles dias infernais de Sol a pino.
De repente, Quatrocordas pára de súbito. Seus sapatos de bico fino e salto ficam paralelos um ao outro. Ele sente e vê que a brisa do deserto parou por um instante e mudou a direção. Passou por ele como um corte. Não contemplou o silencio que se encontrava nesse milissegundo: girou o corpo pra direita e tomou impulso, flexionando os joelhos e pulando com força para trás, subindo uns oito metros do chão. De cima, viu ao mesmo tempo que, onde se encontrava, fazia um caminho de balas perdidas bem servidas que não encontrava o alvo e só restava se espatifar contra aquele solo. Por pouco não foi atingido.
Quando encostou os pés no solo novamente, seu braço direito segurava ainda mais forte a alça da sua mochila e o braço esquerdo estava solto, caído e com a palma da mão voltada para o chão. O braço se encontrava na frente do corpo que girou o tronco e colocou-o em posição de defesa. A atiradora se revela, vindo rápido de um ponto distante, onde havia uma elevação de areia. A maioria dessas criaturas tem um corpo esguio e são ágeis a ponto de ,quando correm, parecem flutuar. É pouco, se comparado aquelas que sabem voar...

— Havia me esquecido de você! —  Cordas fala para a Lullaby.

— Como assim? —  A criatura de roupas leves e cabelos semi-cumprido pergunta um tanto interessada.

— Há dias que notei que você estava em meu encalço, mas consegui fazer de um jeito que eu ficasse oculto perante seu faro de dominar corações e mentes de Hunter inexperientes.

— ... E o que me diz de agora? Devia prestar mais atenção no seu...

— ...Coração? É, você tem razão. — Quatrocordas concorda —  Como eu estava andando depressa, achei que ele estivesse incomodado apenas com o meu jeito apressado de prosseguir viagem. Notei mesmo pela mudança da brisa. Em outras palavras, pertencer a uma raça poderosa é fazer muito escândalo, não acha?

Cordas tentou manter o senso de humor raro que tentava ter nessas horas. Mas pensou consigo mesmo:

— Mas que merda! Os estudos me consumiram tanto que eu esqueci que dias atrás eu havia despistado ela. E agora? como vou fazer pra ela sair do meu pé?

Cordas reflete em seus pensamentos.Em seguida, fala para a Lullaby:

—  Parta imediatamente. Prometo não levantar minha arma contra você, criatura!

— Hunter, como é ingênuo.Além do mais, eu tenho nome, sabia? Belthias está louca pra saber como você pode tentar ME CAÇAR!

Sua emoção na fala a fez mirar sua arma que se assemelha a uma Shotgun com detalhes que só as Lullabys apreciam em suas armas. Definitivamente, a estética das armas das criaturas é uma mistura surreal de traços alienígenas e angelical, desde engenhocas acopladas e desenhos ou até mesmo asas de origem desconhecida. Não hesitou em descarregar alguns tiros no Hunter. Esse já teve de se movimentar mais rápido para não ser atingido no peito.

—  Belthias, você não perde tempo, hein? Mirando logo no coração?—  Cordas retrucava, quando conseguia alcançar os pés no chão após alguns pulos para desviar, e se preparando para mais esquivas de longas distâncias.

— Meu bem, pra que atirar na sua cabeça primeiro, se o coração pode mandar mais rápido a informação que você será meu escravo particular? É engraçado como vocês funcionam e reagem perante nosso poder! —  Belthias ri quanto responde, esforçando-se para mirar  o Hunter que, apesar de grande e pesado, possui uma movimentação digna de um Alone Howl.

— Eu não precisava de mais nada! —  Cordas pragueja a si mesmo — Justo hoje que eu estou com uma pressa dos infernos, eu tinha de trombar essa desgraçada? Isso vai atrasar um pouco meus planos. Além disso, não posso deixar ela desconfiar do que eu carrego na mochila e que tampouco eu sei daquilo!

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Gipsy se dirigia à dispensa e, em seguida, a sua geladeira. Ela estava com seus dias contados, pois tentava a todo custo, como um troço velho, gelar ou conservar os alimentos. Além disso, o Egocon que servia como fonte de energia "elétrica" desses aparelhos estava no fim; fazia tempo que o Hunter não caçava e estocava essa fonte provenientes das Lullabys. No caso da geladeira piscar sua luz e mal funcionar, é porque ela realmente estava sofrendo um grave problema de junta...
Ele tinha a péssima mania de abrir a geladeira quando saia do banho pra tomar uma água gelada. De toalha na cintura que se estendia até depois dos joelhos, e uma toalha menor de rosto em volta do pescoço, deixando um lado maior cair sobre seu peito esquerdo, escondendo uma estranha marca. Escondia, talvez, do espelho e de si mesmo. Cruzava seu barraco, fazendo uma das poucas antigas rotinas que ainda insistia permanecer naquela figura: seu cabelo até o pescoço, definidos com mechas pontudas para trás, servindo como um caminho único para as gotas d´água que escorriam para  o seu corpo definidamente riscado, nada exagerado em seu físico. Não era gordo nem magro: era um corpo preparado para batalhas. Ultimamente deixava a barba por fazer, deixando-o com um ar de desleixado.
Molhado desse jeito, e abrindo sua velha geladeira, sabia que cedo ou tarde seria surpreendido  por um resfriado daqueles. Mas ele nem se importava mais com isso. Nem com o nariz congestionado. Nem com o ar seco e áspero do deserto. E nem com a combinação terrível dos dois.
O telefone movido a escassa energia do Egocon deu o ar da graça. Gipsy quase se engasgou com a água pelo susto que levou.
A quanto tempo não havia uma chamada? Ele não lembrava mais.
Deixou a garrafa em cima da escrivaninha, instintivamente segurou a toalha de rosto repousado no pescoço por um dos lados e atendeu. Do outro lado da linha:

— Alô! É do grupo profissional de caça DeepSea?

— Estamos fora de serviço, chapa. Por tempo indeterminado.

—Quem é que está falando?

—...Gipsy. Olha, não adianta insistir, não est...

— O líder do grupo? Melhor ainda. Preciso falar urgente com você.

—Tá difícil de entender ou você quer que eu desenhe? Não estamos pegando trab...

—Creio que você conhece Greenglasses. Ele é do seu grupo, certo?

—Hmm..é...ele...er....eu conheço ele. Por que?

—Então é melhor você vir correndo aqui para a Match Tide Village. Seu amigo foi atingido gravemente por uma Lullaby...







quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~Capítulo 8: دروغ

Capítulo 8 :  دروغ


Magister, Magister!

— ...

— Xiii...será que o Magister...?

— Vai, dá um cutucão nele!

— Tá louco, é? E se for uma armadilha para me atingir?

— Ele está ali, paralisado, não vai fazer nada! Vamos, Ward, agora é a sua chance!

—  MAAGISTEEER!!!

O menino Ward ataca seu mestre com uma espada de madeira, usado de forma comum em seu treino. Com nove anos, ele é um aspirante a Hunter.
O grito do aprendiz, correndo em direção ao seu mestre, almejando um golpe certeiro, é exageradamente empolgado e barulhento, por culpa do péssimo conselho que seu amigo - um outro garoto da mesma idade de Ward que também está em treinamento - faz com que o Magister saia de seus pensamentos à tempo, aplicando um golpe de correção.

— Muito lento, Ward!

O homem rapidamente bloqueia de forma sutil o ataque do menino com uma outra espada de madeira, fazendo com que este perca o equilíbrio para frente, tropeçando e procurando apoio. O Magister então se desloca para trás do menino e o ataca de forma leve, mostrando que recebeu um golpe fatal, caso fosse uma luta de verdade.

— Lento, lento demais. terá de ser menos escandaloso, se quiser ter alguma vantagem sob aquela raça, pequeno Ward! — Gipsy dá uma risada simpática.

—  Não me chame de pequeno, Magister! Eu já tenho quase dez anos!

—  E por um acaso você acha que é uma idade próxima a se tornar um adulto?

—  Mas é claro, Magister! — Responde Ward com grande entusiasmo.

— Então deveria dar menos atenção aos conselhos errados que seus amigos lhe dão e ataque quando se sentir confiante para um golpe certeiro! — Diz Gipsy, fazendo cara de deboche e falso desprezo, para provocar risos e a reflexão do próprio Ward. O menino ri envergonhado, porém não tanto quanto  seus amigos (praticamente da mesma idade), onde juntos compõe uma turma que treinam para ser Hunters no futuro.
Gipsy é um Magister em uma pequena região um pouco distante do seu Q.G., onde ensina pequenos jovens a se tornarem Hunters. Em outras palavras, ele trabalha  para uma organização que, segundo as lendas d´ela mesma, existe à centenas de anos, que defende e aplica a crença do extermínio das Lullabys. Não se sabe quem são os verdadeiros "cabeças" dessa organização. Neste vasto deserto que é o mundo, os únicos vistos perambulando e se mexendo na superfície como "meros peões" são os Hunters. É de fato desconhecido se há uma hierarquia secreta, mas com certeza é algo que já tomou sua proporção considerável no planeta, se fortificando apenas com o jeito de pensar e agir de cada Hunter que tem a missão inata de destruir as Lullabys. Sua pedagogia e conduta é difusa, não havendo documentos que provem que, de fato, exista.
Anos atrás, assim que um Hunter de rosto desconhecido por baixo de um capuz entregou à ele a Midnight Sun pelo seu nível alcançado (reconhecido como um Alone Howl), Gipsy sabia exatamente a sua missão. Tinha a plena certeza de quem era e o que faria, após sua queda e ascensão. Mas seu passado consistia em um dos muitos turbilhões de acontecimentos. Agora seu coração não sentia mais certeza de nada...
Nestes últimos meses, Gipsy se encontrava em silêncio, quieto, divagando, não conseguindo evitar mesmo na frente de seus pupilos. Alguns segundos em órbita, que ele mesmo não sabia explicar pra onde sua mente viajava. Quando Ward o atacou, ele estava exatamente nesse momento, que ficavam cada vez mais frequentes.

— Garotos! Treinem em suas Gardens os movimentos oito, nove e dez e, em seguida, os três em conjunto. Na próxima semana, aprenderão novos ataques.

Magister, Magister! — Um garoto levanta a mão.

— Sim?

— Quando teremos aula de tiro ao alvo?

—  Cid, quantas vezes tenho de repetir? Só terão essa aula quando completarem maior idade! Eu não entendo por que tanta pressa em ter aulas de armas secundárias, sendo que nesta idade que estão praticamente todos vocês são imunes aos poderes e ataques de Lullabys...! Coloquem isso de uma vez por todas na cabeça: vocês só serão ameaça para elas e se tornarão alvos dessas criaturas quando se tiverem maior idade. Além do mais, armas de projéteis são muito perigosas. Até batalharem oficialmente com uma, vocês já terão habilidades para ganhar. Eu prometo!

Foi neste momento em que surgiu, na superfície do mundo, uma mentira...

Magister! É verdade que as balas do seu revolver é diferentes dos demais?

—  Hmm...sim.

— E que são muito boas contra Lullabys? — Outro pupilo pergunta.

— ...É, é sim! — Gipsy divaga um pouco, só pra fazer graça.

—  Mas as balas são de origem "lulabálicas"? — O do fundo levanta a mão e faz a questão.

— É, seu bobo! Mas o Magister usa aquela energia delas, o Lego Con...

—  É Egocon, Rock! — corrige Gispy.

— O Magister pediu para um amigo dele montar um troço na arma que deixa ele usar os tiros desse jeito, não é? —  Outro aluno pergunta, olhando para o seu mestre procurando aprovação.

— Sim, eu tenho um amigo que me ajudou a projetar um dispositivo e outro amigo que entende das substâncias do Egocon, e isso faz com que eu tenha mais tiros e, consequentemente, mais chances!

Magister, então isso funciona da mesma maneira quando usamos o antídoto criado do próprio veneno das serpentes do deserto? —  Um pupilo mais velho pergunta.

— Yeah, podemos colocar as coisas dessa forma, Gih! —  Responde o homem.

E tantas outras perguntas foram feitas. As velhas histórias que o grupo gosta de ouvir sobre batalhas foram novamente contadas. Os contos foram avançando, e logo chegou a hora de todos irem embora. O Treino daquele dia havia cessado por completo. Quando o grupo dispersou e a maioria dos pupilos já tinham ido embora, três garotos se aproximaram de Gipsy:

Magister, precisamos falar com o senhor um instante. É sobre o Ward.

—  O que tem ele?

— Ele pegou, não sei como, a mais recente lista das Lullabys procuradas e, apesar do nível delas ser pequeno em comparação às mais fortes e perigosas, é muito arriscado.

— É arriscado ele ter um folheto de ranking de Lullabys? —  Gipsy faz uma careta.

— Sim, Magister! Ele revelou para nós que vai caça-las escondido. E mais: Ward quer caçar quatro. Isso mesmo: QUATRO LULLABYS!

— Hum... isso é preocupante... — Gipsy faz uma expressão severa —  Conversarei com ele. Podem ficar tranquilos.

Quando o mestre se afasta, um dos três pupilos destila o veneno para os demais:

—  Espero que Ward se dê mal! Ele é muito metido e prepotente!...

****************************************************

Ward caminha em direção a sua Garden. É uma jornada razoavelmente demorada. A escuridão da noite é mais profunda do que a luz do por-do-sol que luta incessantemente para permanecer mais tempo que pode naquela região. Gipsy o alcança antes mesmo da noite tomar os céus do deserto.

— Ward, espere!

Ma...Magister? O que houve?

— Nada de mais. Hoje eu vou fazer um caminho diferente, e acho que pegarei a mesma direção que a sua. Se importaria se eu te acompanhasse? —  Gipsy aponta pra frente, com o braço dobrado perto do corpo, com um sorriso miscroscopicamente sarcástico no rosto, caminhando e convencendo sutilmente o garoto para caminharem juntos.

—  ...Tudo bem! — Responde Ward, meio encabulado pelo repentino pedido de seu mestre.

— Ward, você sabe que eu não levo jeito pra ficar rodeando assuntos sérios. Precisava falar com você.

— Sim, Magister, eu já imaginava coisa do tipo. Mas não faço ideia do que poderia ser...

— Eu fiquei sabendo das suas pretensões...

— Prete...o que?

—  Suas vontades. Sobre o que você pretende fazer.

— ...? O que seria? Eu mesmo não sei do que...

— O número quatro e o nome Lullaby te lembra uma certa aventura que planeja realizar?

O menino pára de caminhar. De certo, tomou um susto. Fez um rápido mapa mental e logo achou quem o poderia ter dedurado. Esbravejou:

— Aqueles...Aqueles Relentos!

— Epa, vamos com calma!

—  E não são? —  Ward fica irritado — Com esse tipo de atitude, dedurando meus planos, devem viver num lugar pobre de sentimentos e educação!

—  Ward, por um acaso você já foi até a Garden de cada um deles pra fazer esse tipo de acusação?

—  Isso não importa. Todos nós sabemos que muitas, vistas de fora, mantém a mágica de mostrar que é bela e perfeita. Só quando o garoto entra, é que sua dimensão e realidade é mostrada. Aposto que são mais frágeis do que papelão e feias como origamis embebidos em café!

— Ward! Se eles são ou não Relentos, não é essa a questão, por ora. Eu quero saber — Gipsy pára na frente do garoto e cruza os braços, fazendo uma expressão séria — Isso é verdade?

O pupilo abaixa a cabeça. Demora alguns segundos e afirma, balançando-a.

— Caramba! Mas quatro Lullabys, Ward? — O homem pergunta, incrédulo.

— Ah, hm...É que...

O menino envergonha-se. Se perde em pensamentos em branco. Ele, diferente do que seus amigos acham dele, é um garoto bom e esforçado. Procura empenhar da melhor forma e almeja ser um exímio Hunter, feito seu mestre,  para ser o orgulho do deserto, do seu Magister, para sua Garden, para si. Para o mundo. A frase do seu mestre o bateu fria, congelante e dolorosa feito uma grande onda de um oceano glacial. Talvez Gipsy nem notou o que seu pupilo sentiu ou, se sim, fez de propósito pois, logo em seguida, completou:

— Caçar quatro Lullabys é errado. Você precisa caçar é mais quatro! Tenha oito Lullabys em seu objetivo, logo de cara!

Ward não sabia como reagir diante do que foi dito. Soube apenas fazer cara de espantado, arregalando os olhos:

— S...Sé...Sério isso, Ma- Magister?

— Nunca falei tão sério na minha vida.

— O...obrigado, Magister!!! — Resplandeceu um grande brilho nos olhos do pequeno, mostrando um largo e belo sorriso.

—  mas, por enquanto, isso é um pouco cedo. Você precisa se preparar. Não pule na cova dos leões com esse nível, pois é suicídio. Mas treine arduamente para você voltar, das oito caças ileso, quando tiver idade pra isso. Mais uma coisa: promet que você jamais contará aos seus amigos que tive essa conversa contigo.

Nesta hora, enquanto uma face mais limpa evoluía e crescia com tamanha alegria que tomava o coração de um ser na superfície do mundo, no mesmo instante, na mesma conversa, nascia um outro ser mentiroso.

****************************************************

Mestre e pupilo chegam enfim na Garden do menino. Já é noite e só as estrelas e a lua são companhias brilhantes no céu. Na mão de Gispy, uma bugiganga que mais se parece com uma ótima lanterna, porém muito comum neste mundo. O mestre repara que a Garden do menino é pequena, mas segue o padrão de jardins que possuem aproximadamente este tamanho. No entanto, há nesses pequenos muitas armadilhas e uma áurea severa e algumas vezes agressiva quando aproxima estranhos.
Ward se aproxima e entra em sua Garden. Em seguida, fala:

— Magister, entre e fique mais um pouco...!

— Agradeço o convite, Ward. Mas eu preciso mesmo ir.

— Tudo bem! Sei que o Magister tem coisas mais importantes para resolver. Mas espere um momentinho só. Preciso fazer uma coisa.

Ward sai correndo para dentro do jardim, mas ainda está próxima à entrada, onde Gipsy o observa curioso.
O menino levanta a cabeça e fecha os olhos. Afasta levemente os braços e mãos, com a palma virada pra cima. Ele facilmente estabelece a Ressonância.
O homem, por um momento, se encanta de verdade. Aquela energia invisível, que cria uma leve brisa em torno do garoto, balançando suavemente suas mechas de cabelo e faz surgir ondulações em sua roupa, é entorpecidamente nostálgico. Ward até parece que flutua a pouquíssimos centímetros do chão!
Gipsy lembra da sua infância e sente uma angústia no peito. Isso remete a uma lembrança da sua inocência origem e o leva até o estado atual da sua Garden. De boca fechada, range os dentes pela realidade o castigar. Escolhe se odiar assim que essa visão cessar. Por enquanto, escolhe admirar algo que ele não tem mais...
Em poucos instantes, ergue-se lentamente uma enorme e grossa raiz do chão, perto da entrada, ainda do lado de dentro do jardim. Ward vira o rosto para o seu mestre e sorri, de forma singela. Da entrada, Gipsy retribui o sorriso, de uma forma um pouco sem graça.
Uma violenta pancada, de um vulto rápido, que saiu do jardim, quebrando quase a barreira do som, acerta em cheio o rosto do homem, arremessando-o a muitos metros, rodopiando no ar antes de encontrar desastrosamente o chão.
Primeiro, tentou raciocinar se sua cabeça ainda fazia parte do corpo. E demorou pra chegar na óbvia conclusão que, se conseguiu pensar, é porque a cachola continuava no mesmo lugar. A surra que levou do vulto afetou sua visão, audição e seu tato gritava pela dor que sentia.
Levantou zonzo do chão empoeirado do deserto, com os olhos estagnados, quase em choque, colocando a mão na arma, enquanto ouvia um "tuim" que ecoava no seu cérebro.
Ward corre na direção do seu mestre e o ajuda a levantar:

— M-mas o que foi isso, Ward? Que porcaria que me acertou?

— A raiz, Magister! A raiz...eu...eu não compreendo...

— A ra...q-que raiz?

— A da minha Garden! Aquela...

A raiz mantinha parte do seu corpo no chão e a outra suspensa, como uma cobra peçonhenta pronta para dar o bote. Ward a encarava com um rosto assustado e perdido. Não compreendia o que acontecera.

— Você iniciou a Ressonância com a sua Garden minutos antes.O que você disse à ela? — Gipsy pergunta em meio ao seu raciocínio ainda confuso.

— Eu apenas disse que você está me apoiando na minha escolha como Hunter e que você aconselhou-me a caçar oito Lullabys, ao invés de quatro.

Gispy volta os olhos pro jardim. Desconfia de algumas coisas, mas nada diz. Prefere pensar nisso no caminho de volta.

— Achei que minha Garden ficaria feliz ao saber dessa notícia. — O menino continua confuso.

O homem faz uma careta severa, expressando uma confusão mental ainda mais que a de Ward.
Gipsy se recupera e resolve partir. Despede-se de seu pupilo e começa a caminhar. No caminho, de forma invisível, ele vai se transformando. O Magister dá lugar a um homem melancólico, amargo e vazio. Este sim, reconhece as próprias mentiras que andou dizendo nos últimos meses, e não sabe nem se pode acreditar mais em si mesmo.

Por um lado, pensa em abandonar tudo.
Por outro, acredita em passar o máximo de conhecimento para seus pupilos antes que a morte dê conta da sua vida.

Entretanto, Gipsy passa por denso período de descrença, onde acha que qualquer caminho que percorra ou atitude que tome o levará para a ruína.

Neste caso, então, qualquer mentira não fará a menor diferença...










quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~Capítulo 7: изоляция

Capítulo 7: ИЗОЛЯЦИЯ

2 meses depois...

Escuro. O oxigênio está presente, mas com certeza no imenso deserto lá fora parece possuir mais. Alguém nesse breu respira, duvidando e questionando o próprio respirar.
Seus pensamentos pulam de pedras suspensas em pedras suspensas. Cada passo nesse jogo de obstáculos pra dentro do breu interno, o torna mais escuro. Consegue ser uma sombra mais profunda do que a escuridão que toma seu barraco de forma proposital.
Está sentado, olhando pra fora, mas enxergando apenas o seu lado de dentro.

Tudo está fechado. Sua casa. Ele.

A luz do sol intenso que adentra estuprando sua sala e seus olhos, junto com Glasses, que fora o responsável por abrir a porta e convidar a luz a entrar, lhe causa uma dor de cabeça e uma repulsa em ver o amigo. Greenglasses já olha Gipsy com pena, e um certo aborrecimento:

— Você pretende ficar assim até quando?

— ...

—Olha, tá cheio de Lullabys lá fora e você aqui. Isso..isso não faz sentido. Não é você! Simplesmente, não é você!

— ...

— Vamos! Pegue suas armas! Levantei a ficha de um possível grupo de Lullabys que estarão viajando e passarão algumas horas de viagem daqui. Se nos apressarmos, podemos...

— ...Não irei...

— Mas... Mas... E o Egocon? Você adora colecioná-lo pra fonte de energia, pra injetar em si mesmo e ficar mais forte contra elas. Se você parar de uma hora para outra , isso pode te atrofiar e...

—...Não preciso ficar mais forte.

— Sim, sabemos que você é autossuficiente contra elas, entretanto acredito que...

— Não preciso ficar mais forte porque não pretendo mais...

— Não pretende mais o que?

— ...

—Gipsy, que porcaria de crise é essa? Posso saber?!

— ...

—Onde está Cordas? Ele precisa vir aqui e te dar um ânimo...

— Não o vejo faz semanas. Meses, acho...

— O que aconteceu com ele?

— Não sei.

— Que legal! Agora mais essa! Bem quando estamos precisando de uma mão pesada na sua cara, o Cordas some!

Em todo o dialogo, Gipsy se manteve imóvel no sofá empoeirado de seu barraco. Não olhou para Greenglasses em nenhum momento. Seus olhos haviam se fechado ainda mais quando aquela luz de um dia agradável e quente havia adentrado na escuridão ao redor.
Glasses quase não sentia a presença do amigo ali, jogado. Apesar de sentado, numa postura que ainda carregava de um Hunter respeitado, se fechasse os olhos, diria que não há ninguém ali, exceto uma áurea negra de tristeza.

— Vai abandonar suas convicções, é isso?

—...

— Você, cara, você é importantes para os seus pequenos! Eles se espelham em você. Agora você vai deixar de fazer o que você acredita e abandonar o ensino para eles?

— Hunters existe em todo mundo. Basta um outro adotá-los e se comprometer a...

— Mas você é um Alone Howl!!!

—Dane-se! O que isso me traz!? Hã, diga-me! Nada serve pra resolver o que eu preciso resolver... E não são poucas coisas!

— E vai entregar os pontos, assim? Vai deixar mesmo as Lullabys destruírem por completo a comunicação do nosso mundo?

—...Sinceridade? Já estou farto dessa realidade. Elas não acabam. Derrubamos uma, aparecem mais cem! Se tornou sem graça o ato automático de atacar a maioria de forma fácil. Cansei dessa Ressonância que avança os dias com mais problemas de comunicação. Tô cansado dessa imensidão de areia e dessa secura do deserto! Tô cansado em andar em círculos. To cansado em não receber uma resposta decente. Me compreende agora, Glasses?

Levanta num impulso que assusta o amigo. Se posiciona na frente dele de forma rápida e movimentos fortes. Grennglasses percebe agora com clareza o estado deplorável que o rosto de Gipsy mostra a sua alma.

—Consegue ver aqui, Glasses? Consegue ver o que eu estou tentando te dizer, aqui, no fundo dos meus olhos? CONSEGUE VER? HÃ?

— Não, Gipsy. Não vejo nada. Não há nada dentro deles... Só vejo....um amargo vazio... Mais nada...

Encaram-se. Gipsy perde na disputa de quem foca melhor os olhos nos olhos do amigo.

— Vou te deixar descansando, nesse breu todo, que toma seu coração segundo por segundo. Cuide-se.

Greenglasses sai pela porta. Fecha quase sem barulho. Gipsy volta pra escuridão e seu sofá.
Reflete, enquanto tem tempo, no amadurecimento que seu amigo parece ter conquistado ao longo do processo de libertação após sua queda.
O reconhece, segundos antes de adentrar novamente, na profunda escuridão da sua mente...

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Gispy se pergunta repetidas vezes, as mesmas coisas. Acaba o arco de sofrimento, e sua mente e coração "reseta" só para começar tudo de novo. Vez ou outra consegue criar novas dúvidas. O gosto amargo de seu medo e ignorância  faz exalar por seus poros uma raiva contida em ver o mundo na terceira pessoa, sendo ainda em primeira, e não ter o poder de mudar seu destino.
Consegue arrumar uma força para sair do sofá e colocar suas armas em cima da mesa.
A Lúdica é uma espada que mistura a lâmina de uma katana grande, com um punho ligeiramente espanhol, com aros e fios que circundam e protegem a mão, substituindo a parte da guarda. Muito improvável de se imaginar ou mesmo forjar algo assim, entretanto é esse um dos pontos que a faz ter esse nome. Para os Hunters, só de olhar para ela, a visão que se tem é de que "aquela coisa" não existe. Carrega uma imagem que chama a atenção, mas ao mesmo tempo sutilmente desengonçada. Mas os atributos que nomeiam a arma não param por ai. Ela parece possuir uma essência mistica que remete aos poderes de uma Lullaby. São raras as armas que parecem possuir propriedades mágicas nesse mundo. "Parecem", pois nada foi provado até hoje.
A Lúdica é afiadíssima e faz um belo estrago em suas vítimas. Ao mesmo tempo que parece ser um deboche contra a própria raça que se assemelha em seus poderes: indica, muitas vezes, uma ofensa contra as próprias Lullabys. Mas só descobrem isso quando a luta acaba, e elas perdem.
Parceira dessa belezura em combates próximos, ele observa também a sua "ovelha negra" Rudder, considerada por ele dessa forma pois a arma faz par com sua irmã gêmea perdida, sendo assim uma das Peacemakers cobiçadas por Hunters. Seu manuseio é exemplar e atira com uma precisão incrível! Procurou até um amigo na ocasião pra modifica-la em seus projéteis. Gypsy não faz idéia qual o nome da arma irmã, e também não revela como a conseguiu. Só se sabe que até um tempo atrás estava com uma ideia fixa de querer achar a outra à todo custo, e que só Quatrocordas sabia que seu amigo havia conseguido a pistola e a espada meses após a luta de vida ou morte que Gipsy tivera no passado com uma Lullaby.
Provavelmente, se tivesse em sua posse a Lúdica e a Rudder na ocasião passada, estaria no Rank de Hunters que nunca foram atingidos por essas criaturas. Mas não é o caso de Gipsy, infelizmente...
Além do mais, existe uma crença entre os Hunters que faz jus à frase comumente usada por eles: " Cada Hunter tem a(s) arma(s) que merece". Significa que há uma áurea sobrenatural nessa fé entre eles. De forma nua e crua, podemos afirmar que possuir um nível Alone Howl está inteiramente ligada à facilidade que a(s) arma(s) criam para o Hunter chegar neste patamar.
Mas não é só isso. A crença desse mundo bem diz que, as armas para caçar Lullabys, embora não sejam organismos vivos e nem há provas de que são mágicas, elas escolhem  de algum modo seus portadores. As vezes para ajuda-los à crescer. Outras vezes, para ensina-los algo. A fé desses pobres homens criou um jeito de evoluir, lento e gradativo.
Talvez, no final de suas vidas, isso faça toda a diferença...

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Gipsy reflete um pouco nas armas de seus companheiros e o poder assombroso que eles tem em conjunto, cada qual com a sua. Depois, pensa sobre o poder que todos (ele, Cordas, Glasses, Vanitas) já tiveram em conjunto com o grupo DeepSea formado. Por fim, se lamenta...
Lamenta, pois, sabe que ele, o Q.G. é a ponte; a conexão entre seus amigos. Mas já é tarde demais. Gipsy facilitou a fragmentação não só do grupo todo como também aos poucos distanciou seus colegas e distanciou-se de si mesmo.
Lamenta, pois a escuridão do seu coração está maior. E tudo isso agora faz parte do mais tenebroso tempo presente...