quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 2: Destinazione

Capítulo 2: DESTINAZIONE


A areia é o mundo todo. O deserto não parece ter fim. O planeta sempre foi assim, vazio. E nada indica uma pista de que irá mudar.
A máquina infernal viaja em grande velocidade, e o ar é seco, empoeirando, áspero. No entanto, aqueles dois homens estão acostumados desde seu nascimento com essa atmosfera. É a vantagem por já nascer com cinco anos de idade. Absorvem coisas demais...
Chega a ser refrescante, para eles, o vento forte, que bate em suas roupas pesadas de viajante. De pé, cada um olha fixo para uma direção. E o trem mantém seu curso imponente.
Gipsy observa ao longe algumas Gardens de todo tipo. As mais bonitas parecem ter uma luz própria que se destaca em meio àquele vasto lugar, vazio e morto. Definitivamente, não tem como não admirar a cor fluorescente do mato verde, das rosas e de outras flores!O Hunter de chapéu preto sempre fica surpreso e admirado com a natureza que faz surgir aquele tipo de vida, em pontos isolados, porém cheio de esperança!
É um grande contraste ver uma vasta terra morta com trechos onde o milagre da Existência reluz. A visão é ainda mais milagrosa quando presencia uma criança dentro dele, brincando de esconde-esconde por entre os arbustos, pequenas árvores ou até mesmo sentado, se distraindo com as borboletas, e se comunicando com aquele jardim vivo! Tudo ali tem vida própria e carrega uma serenidade absoluta. A criança que tem sorte de ter uma Garden dessa, reflete a mesma beleza e é cheia de vida.

Entretanto, a viagem oferece também aos olhos dos dois andarilhos as "falsas" Gardens: são jardins descuidados, feitos de recorte de papelão e cordas que deixam suspensa algumas borboletas e pássaros de Origami. O mato é quase seco e não irradia luz. Arbustos e árvores mais se parecem cenários de um teatro barato e os remendos são visíveis. As crianças que habitam essas Gardens são sujas, descuidadas e podem chegar a ser tão agressivas quanto o próprio jardim, que os protegem de forma errônea e sem carinho. Essas crianças são conhecidas como...

— ...Relentos!...— Murmura Gipsy.

A expressão do homem de chapéu preto se entristece observando as diferenças de Gardens ao longo do trajeto. Quatrocordas, que olhava para o outro lado da paisagem, ao ouvi-lo murmurar, pergunta:

— Se aborrece em ver certos destinos?

— Um pouco.

— Mas não é só isso, certo?

— Sim, não é só isso. Olhando as Gardens, deixa-me ainda mais ansioso em chegar no meu itinerário.

—  Impaciência é um dos seus pontos mais negativos, Gipsy!

— Por isso tenho você como amigo, e membro do DeepSea — Gipsy deixa escapar um sorriso.

— Às suas ordens, "Cap´n"! — Responde Cordas gentilmente.

Gipsy tira seu chapéu e, segurando com uma das mãos, passa os dedos da outra em seu broche. Em seguida, olha em direção ao primeiro vagão. Para a cabine da maquinista.

— Duvido que você resista! — Sorri Quatrocordas.

— É, difícil resistir...Se eu falasse pra você: "Sim, vou até a cabine fazer uma visita cordial", soaria a coisa mais comum vindo de mim. Mas, acredite: isso só me tiraria do foco. Estou me sentindo incomodado porque eu não sou de tomar a atitude contrária. É, chapa, desta vez não vai rolar.

— Estou impressionado! — Admite Cordas — Mas e quanto a uma visita realmente cordial? Nem ao menos vai destilar todo seu estilo e avisar a Lullaby que está pegando uma carona na maior cara de pau?

— Tudo será mais fácil se ela não me ver. Outra: Glasses tem algumas contas à acertar com ela, embora ele ainda esteja se recuperando...

— Por se libertar da ilusão? —  Interrompe Quatrocordas — A culpa é inteiramente dele por ter entrado na batalha naquele dia fatídico! Nós, Hunters, sabemos o perigo que corrermos toda vez que lutamos com uma Lullaby. Um só tiro no coração ou na cabeça e estamos condenados! Além do mais, ele se julgou completamente capaz em ganhar a luta, passando na sua frente sem seu consentimento. Ele procurou, de alguma forma, se auto-prejudicar. Ele foi imprudente...

— Lembro-me do dia que ele chegou cambaleando no Q.G. — Gipsy começa a resgatar das memórias — Uma noite anterior àquele dia eu havia sonhado que Glasses havia sido atingido no coração. Quando ele abriu aquela porta, só pelo cheiro, sabia quem o havia atingido. Dali pra frente, sua saúde piorou...

— E agravou assim que inconscientemente decidiu escapar da ilusão. Não são todos que conseguem acordar desse maldito sonho. — Completou Cordas.

— Com sorte, ele conseguiu. — Ressalta Gipsy.

— Mas o processo de recuperação à libertação é lento. É extremamente doloroso sentir a realidade novamente uma vez que cai nas graças  da ilusão de uma Lullaby. — Explica Quatrocordas. E, após uma pausa, conclui: — Nós sabemos bem disso, não é?

— Você não faz ideia... — Divaga Gipsy. Por fim, completa: — Ele quebrou as regras de conduta dos Hunters e, sobretudo, do nosso grupo. Mas creio que esse processo seja o castigo mais adequado. Quanto a fazer uma visita, por mais simples que seja, pioraria as coisas. Sabendo que Greenglasses já foi atingido por ela uma vez, talvez eu não resistiria.

— Então, mantenha-se firme e focado. Logo mais, chegaremos. Estava pensando...acho que não ficarei contigo esses dias. Não entenda mal, estarei lá perto para auxilia-lo, caso precise. Só pretendo aproveitar a viagem para visitar um velho amigo nosso.

— Vanitas? — Pergunta Gipsy.

— E quem mais poderia ser? — Cordas responde com uma pergunta óbvia.

— Hmm...

— O mais ousado entre nós, aquele cara!

— Sim, ele merece todos os créditos pela capacidade e ousadia... — Gipsy parece ir longe nas memórias.

— Sem contar a sorte que ele tem, que é simplesmente sobrenatural. O nível já era um absurdo, e encontrar uma Lullaby do mesmo patamar que ele e dar no que deu...

— Vanitas sempre foi um cara bem inteligente. Eu já sabia que, desde a primeira vez que foi atingido, ele sairia da ilusão vivo mais rápido do que o esperado.

— O que ninguém imaginava é que a mente dele evoluiria ainda mais, a ponto de enfrentar novamente a mesma criatura e se tornar imune aos ataques dela, e estabelecer um acordo entre eles.

— Eu prefiro chamar isso de "laços".—  Resmunga Gipsy.

— Isso é uma escolha dele. E devemos respeita-la, mesmo que isso seja nada comum em nosso mundo.

— Sou feliz com a felicidade de Vanitas.— Finaliza o homem de chapéu preto.

E entra novamente em profunda reflexão, até chegar no fim da viagem.


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Complexo mesmo foi pular do vagão com a máquina infernal em movimento. Mas os dois conseguiram, devido ao nível que cada um carrega consigo como Hunter.
O destino de Gipsy ficava perto daqui, de onde desembarcaram. Após baterem a areia impregnada na roupa de viagem, caminham ao leste. E, como planejado, a maquinista nem desconfia que foi muito útil para os dois caçadores.
O deserto é insistente. Já é noite, mas os Hunters continuam em direção a um jardim de tamanho razoável. Em sua volta há um pequeno muro feito de galhos rústicos e bem fortes, que impedem a entrada de qualquer estranho. Todavia,  Quatrocordas e principalmente Gipsy não são desconhecidos para essa Garden...
Ao se aproximarem, os galhos que obstruíam uma aproximação se afastam um dos outros, abrindo uma passagem. A luz que erradia do próprio jardim fica oscilante, pisca algumas vezes e acaba mantendo uma luz amena; menos radiante em comparação ao primeiro momento. Gipsy vira para Cordas:

— E aí, você vai entrar?

— Um outro momento, talvez.

— Entendo. Bem, então ficarei por aqui. Manda um abraço para o Vanitas. Diga à ele que, se eu arrumar algumas horas, passarei lá antes de voltar para o Q.G.. Aliás, você volta comigo?

—  Sim, sem dúvida alguma. Mandarei o abraço. E você, mande os meus para o seu jardim.

— Com certeza. Assim que terminar as coisas por aqui, entrarei em contato.

— Até logo, Gipsy. Cuide-se! E, se precisar, sabe onde encontrar-me.

— ...

Quatrocordas parte noite adentro pelo deserto. Calcula que chegará na casa do amigo pela manhã. Gipsy o observa um pouco antes de se virar totalmente para a passagem aberta. Levanta as sacolas do chão e entra no jardim. A passagem se fecha. Dá para ouvir seu murmurar antes da barreira se fechar completamente:

— O bom filho à casa torna...





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