quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Short Novel- Heróis de Areia ~ Capítulo 5 : Cí / Membira

Capítulo 5: CÍ / MEMBIRA


Você não sabe o que é respirar. Não sabe o nome de nada ao seu redor. Você desconhece o próprio mundo. Tudo é nada, pois nada você conhece. Exceto uma coisa: um determinado som.
Você respira, e no começo se assusta com isso. Não sabe que o nome é "ar" e acaba fazendo automaticamente. Não faz nem ideia que está fazendo tal ação. Mas, com certeza, faria de tudo, inclusive aprender a respirar, só pra ouvir aquele som todo dia. Sempre.
É apenas anos mais tarde que conseguirá fazer comparações. Esse ar que respira é feito doce, é feito festa. Você não a reconhece como ser, mas existe algo ao seu redor que seu coração bate simultaneamente. Te traz tanta tranquilidade que você, inconscientemente, testa até onde pode ser auxiliado.

E prontamente é atendido.

Você, sem saber que respira, sente um cheiro no ar. Um perfume. Você também não sabe o que é isso, mas o seu corpo, seu espírito se acalma. Se sente seguro. Quando começa então aquela estranha música ( que você jamais saberia o que é naquele momento), te faz sentir vivo e protegido. Cores são lançadas à sua frente. A uma certa agitação ao redor. Também desconhece que é tudo por você. E você aprende o significado da palavra "obrigado" só quando você está corrompido demais.

Desde de um momento que você não recorda, esses elementos estiveram contigo. Tudo foi construído, naturalmente, de modo que você se sentisse mais seguro assim que tivesse a visão, mas não a percepção. Era previsível que tudo te assustaria, e haveria uma única coisa, que estaria no meio daquele caos inteiro, só pra te tranquilizar.

Daí pra frente, aprende lentamente e a cada segundo. Nada é desperdiçado. O que te ensina acredita no seu potencial. Está ali pra ajudar. Para te proteger. Para te dar carinho. Para te dar força.
Calma. Você desconhece, no momento, o significado de cada palavra.

Mas sente. E como sente...

Não é porque nasceu em meio às tulipas que suas cores ou formas não te assustarão pois certas visões te irritam e te amedrontam.

Não é porque nasceu em meio de belas árvores que suas enormes sombras não vão parecer monstros famintos por crianças.

Não é porque nasceu em um lugar calmo e protegido que nunca precisará conhecer, cedo ou tarde, o lado de fora.

Mas feche os olhos por um instante. Ouça aquela música que hoje você sabe que é uma voz.

Sinta o perfume que você sempre sentiu e que te envolveu em choros desesperadores por não entender um simples susto.

Siga em frente sabendo que você não está abandonando, e sim dando continuidade à sua origem, com um sentimento de amor tão profundo que você não consegue encontrar palavras no dicionário pra descrever como surgiu, como cresceu e como existe...

Agora...

Sinta-se distante.

Sinta a areia e sua realidade áspera entre seus dedos, escorrendo velozmente e escapando por entre eles.

Sinta que essa existência parece extinguir, apagando aquilo que brilhava, aquilo que te deixou mais forte, que te cuidou, te ensinou, ir embora quase na mesma velocidade da areia que lhe escapa nos dedos...

Sumindo, de dentro pra fora,indo para uma porta escura onde você não alcança; onde você corre, corre e não sai do lugar.

Onde há areia que te faz cambalear e tropeçar nos próprios pés, caindo de joelhos e se rastejar em direção aquilo que está sendo levado.

Sobrando apenas um eco.
De tristeza.
De desespero.
...E uma sensação que nunca mais verá aquilo que um dia já deu a própria vida para você ter  a sua própria...


O que sobrará de tudo isso, se tratando da realidade de Gipsy, é que isso é um processo normal, da natureza, e que se deve estar preparado sempre, caso isso venha ocorrer um dia.

Cedo ou tarde isso vai acontecer mesmo...

Mas ele não aceita. Não agora!

O homem de chapéu preto caminha por entre os arbustos, árvores e mato de sua Garden, tentando, a todo custo, uma comunicação pela Ressonância. E, quanto mais procura lugares onde a telepatia funcione,  mais ele fica surpreso com o tamanho que jardim lhe apresenta. Ele, quando pequeno, achava que o tinha explorado todo. Apesar de agora surgir uma ou duas barreiras tentando delicadamente barrar sua passagem, como um homem crescido, não apresenta mais nenhuma dificuldade.
Enquanto caminha, descobre um pouco mais de si. Vez ou outra tentava saber o porquê as vezes ser tão misterioso, tão secreto e tão complexo de se entender. Antes e até mesmo naquela hora, não tinha respostas concretas, entretanto sabia de onde herdou tamanho mistério!
Encontrou enfim um lugar apagado em sua infância. Lembrava-se que fazia, quando pequeno, um caminho totalmente diferente para chegar naquele local. Ali, ele se escondia nos dias tristes e melancólicos por não entender certas nuances da realidade que mal conhecia.

Ali foram pronunciadas injúrias...
Foi derramado lágrimas...
Foi liberado ódio e gritos...

Ali, encontrava-se o mato retraído, fraco,triste e escuro. Enfim, havia descoberto o ponto. Mas até onde isso afetava o jardim? Ele tinha andado horas mato adentro daquela dimensão mágica e, desde a entrada, a Garden já encontrava-se debilitada.
Começou a cavar. Cavou, e seguia até onde dava a substância salina e escura, criada pela tristeza de seu coração, pelas valas no terreno.
Estava exausto. Sujo. E agora, caiu ajoelhado. Seus olhos não aceitavam a visão. Seu coração não aceitava o desespero.
O nível salino alcançou boa parte da Garden. Condenou o terreno. E sobrou apenas as lágrimas de um adulto de cinco anos novamente, no seu momento singular de uma profunda, e verdadeira tristeza...





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