Capítulo 3: RÉSONANCE
A origem não é barulhenta. Não há uma festa extravagante. É tudo misterioso e natural. A única coisa que se ouve da imagem divina, do surgimento de um ser é um som estranho, quase uma música: é a Ressonância.Há quem diga que ja presenciaram, apenas de longe, o momento do nascimento. Os relatos são os mais variados possíveis , entretanto há muitos detalhes em comum. Por exemplo, um brilho intenso que emana de todo o jardim.
As cores entram numa mística mistura entre si e tudo fica psicodélico. Pequenos pontos luminosos entre verde e amarelo flutuam no ar. A cor vermelha é, de todas, a que mais brilha em seu lugar. Ah, como são bonitas as rosas! Tudo parece ficar ansioso dentro do jardim. Um vento que vem não se sabe de onde rodeia o perímetro. E, quando as luzes chegam ao ápice, a brisa se extingue pelo raio da área, passando veloz, como se avisasse para toda a Garden que um novo ser nasceu.
Ali, na relva, levanta um menino de 5 anos. São meninos que surgem das luzes e do mistério de cada Garden. A grande maioria repete o mesmo movimento: recompõe-se no chão, senta de pernas cruzadas ou caminha até uma pequena árvore, levanta a cabeça, fecha os olhos e eis que inicia o primeiro contato, do jardim para a criança. Não há vozes: tudo é através de sons indistintos que se propagam por telepatia.
A criança compreende tudo nesta idade. O contato, a sintonia é tão grande, que é impossível explicar. É através dessa comunicação que o menino vive, aprende, e cresce dentro do jardim. O som indistinto só pode ser ouvido com clareza pelo garoto que nasce naquele local. Para qualquer outro, não passa de sons misturados que nada dizem. Fora a sensação estranha que se sente quando ouve algo assim.
Apesar de tudo, a tendência é perder cada vez mais a comunicação. Já na fase adulta, os sons quase não fazem sentido. Aquela ressonância, que em outrora era óbvia e clara, quando homens formados mal conseguem ouvir o que a Garden diz.
Dizem que esse som se extingue por conta da existência barulhenta de uma outra raça, e o que ela causa...
Gipsy pára onde julga ser o centro do jardim pois, de fora, qualquer um consegue ver o perímetro de uma Garden (quando ela não forma uma barreira natural de galhos, troncos e espinhos), porém uma vez dentro de uma, a dimensão se expande. Magicamente cresce; ganha um tamanho diferente. O mesmo acontece com os Relentos e seus respectivos jardins...seja qual for seu estado.O moço abre as sacolas e os mantimentos são pegos pelos cabos das plantas e das raízes. Pega-os delicadamente, num movimento quase frágil.
Ele tira o próprio chapéu e humildemente encosta no peito. Seus dedos sobem e descem, dedilhando e segurando a aba; de forma envergonhada, espia ao redor. Aos poucos, ele endireita-se e mantém a postura de um exímio Hunter. Mas, assim como os mantimentos que somem aos poucos tragados pela terra, sua pose se esvai com os segundos que passa. Sua expressão carrega tristeza, culpa, impotência. Um rosto que seu orgulho não deixa transparecer na frente dos seus companheiros. Deu uns passos à frente. Parou e, baixinho, disse:
— Diga-me, fale comigo: o que eu posso fazer por você?
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Existem horas do dia que são insuportavelmente quentes!
Nenhuma ação ou tomada de atitudes parece condizer com esses momentos de inferno! Mas, logo após a madrugada refrescante, as primeira horas da manhã tudo parece estar dentro do mais perfeito eixo celestial.
A luz do sol banha calmamente aquelas dunas, transformando tudo em um dourado nada agressivo. O céu continua um azul bem forte, também, nas primeiras horas da manhã. O contraste dessas duas cores traz uma beleza visual sem palavras e uma brisa quase gelada traz uma nostálgica calmaria na região de Long Orange.
Vanitas encontra-se sentado em uma pedra, lendo alguns documentos antigos. Ele gosta dessa hora do dia para estudar e abrir sua mente até onde conseguir.
Está com uma engenhoca que mais parece fones de ouvido, totalmente concentrado em seus estudos. Uma leve mudança na brisa e ele ergue os olhos, inconscientemente, avistando o horizonte. Observa uma aparição ao longe, caminhando em sua direção. O tempo árido facilita na limpa visão que se aproxima: homem alto, robusto, com um sobretudo gasto, preto, com pequenos rasgos na dobras e mangas. Chega a refletir um azul-navio na tonalidade onde o couro está bem judiado, onde repousa areia em várias partes.
A calça jeans se encontra em melhor estado, e seu sapato de bico fino e salto lhe faz uma figura ainda maior, temerosa e de muita presença. O homem se aproxima de Vanitas, e este logo salta da pedra e corre para abraçar o amigo
—Quatrocordas! A quanto tempo, companheiro!
—É sempre uma satisfação lhe ver, Vanitas!
— Estou surpreso com a visita agradável e repentina! Diga-me, como estão as coisas...
— Gipsy e eu viemos para Long Orange. Ele precisou vir para resolver assuntos particulares e eu resolvi lhe fazer uma visita enquanto ele se mantém ocupado. A propósito, ele te mandou um abraço.
— Aquele malandro! Aposto que veio atrás de Lullabys poderosas e...
— Não, Vanitas. Desta vez não envolve caças. A coisa é séria. Mas falemos disso mais tarde...
—Claro,claro. Eu precisava mesmo conversar com vocês a respeito dos meus estudos. Mas eu planejava fazer a viagem só após concluir todas minhas dúvidas entorno do tema. Vamos entrando. Estou com uma garrafa de Cactuarah doze anos. Será um prazer abri-la em meio a nossa prosa!
Vanitas vai na frente em direção a sua moradia. Todas as casas desse mundo seguem o mesmo estilo de barraco de madeira da Q.G. dos Hunters, variando apenas na arquitetura e qualidade das madeiras.
Quatrocordas olha sutilmente ao redor e não sente quaisquer presença de Lullabys. No entanto, não hesita em perguntar:
— Está sozinho em casa?
— Sim, por que?
— Passou pela minha cabeça a Lullaby estar próxima. Como vocês entraram num acordo e...
—Ah, sim! Mas Aurora saiu já faz uns dois dias. Creio que volte a qualquer momento.
— Hum, vejo que agora ela até possui um nome.
Vanitas vacila em seus passos e pára. Abaixa a cabeça. Quatrocordas se sente arrependido com o comentário e tenta se redimir:
— Desculpa a minha falta de senso e educação, amigo. Não quis te ofender, é que... Simplesmente não estou acostumado com isso e...
— Tudo bem — Adianta Vanitas — É meio desconcertante tudo isso. Mas aos poucos conversaremos sobre. Posso te pedir uma única coisa?
Ele se vira para o amigo, se posicionando de costas para a porta de seu barraco.
— Para não termos problemas caso ela volte, gostaria que você tirasse suas armas e as encostasse num canto qualquer. Sabe, só pra não ficar um clima ameaçador. Poderia realizar meu pedido, amigo?
O homem alto hesita. Solta um suspiro e sorri, afirmando com a cabeça. Debaixo do sobretudo, nas costas tira, com uma mão uma maça-estrela e com a outra um machado médio, ambos feito da mais refinada prata, parecendo pesar mais de cinquenta quilos cada! As armas eram muito bem polidas ,reflerindo a luz e a paciência de alguém capaz de faze-la e portar seu peso.
Quando entram, Vanitas se dirige à dispensa onde pega dois copos e a garrafa doze anos, enquanto Quatrocordas deixa a Morning Star e o Simmons de pé, num canto qualquer, como seu amigo mesmo pediu.
Os dois dão a primeira golada na bebida ao mesmo tempo em que Gipsy desperta entristecido do outro lado da região de Long Orange. Sente-se desapontado e conversa consigo mesmo:
— Nenhum resultado. Nem em sonho. O som da Ressonância não me deu sequer uma pista! Eu... eu não compreendo!
Ele se irrita, mas por ora, não perde as esperanças. Levanta-se, e começa a caminhar pelo jardim.
— Então, eu mesmo procurarei saber o que há de errado por aqui!
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