Capítulo 6: WEIT BRISE
— Veja bem, Quatrocordas, eu não quero induzi-lo a fazer isso. Mas acredito que...
— Vanitas, eu não compreendo por completo tudo isso. Então, eu mesmo preciso ir até lá.
— Como queira então. Mas suponhamos que Gipsy entre em contato contigo neste meio tempo. O que dirá à ele? Se ele decidir em partir e...
— Creio que ainda tenho tempo.
— Entendo. Cordas, por favor, só lhe peço para...
— Guardar segredo? Humph! O que eu vi aqui hoje guardaria até de mim, se isso fosse possível. Não se preocupe. Não alarmarei ainda mais o grupo. Não até...
Vanitas acena afirmativamente com a cabeça, fazendo com que Cordas interrompesse suas próprias palavras.
Dentro do barraco do moço de cabelos quase cinzas, Cordas apanha novamente suas armas e recoloca nos apoios escondidos em suas costas abaixo do casaco de viagem. Apanha o minúsculo copo em contraste com sua mão e com a outra, pega a garrafa de Cactuarah.
— Com sua licença, amigo.— E Quatrocordas vira de uma vez a dose.
— À vontade. — Sorri Vanitas.
O homem alto se dirige até a porta da entrada. E Vanitas o acompanha até a saída.
— Desejo-lhe sorte, amigo. Sabe, se precisar, estarei aqui. Por enquanto.
— Por favor, Vanitas, me faça uma promessa: quando decidir fazer aquilo mesmo, nos avise com antecedência. Darei um jeito para vir. De qualquer parte do mundo, se assim for!
— Não creio que terei tempo, segundo os estudos escassos que realizei à respeito disso. Mas tentarei. Agora ,vá! Vá em busca do seu Santo Graal. É o que todo Hunter deveria fazer.
Quatrocordas parte. Vanitas faz a mesma coisa que Gipsy fez na entrada de sua Garden. Observa aquele monumento atravessar com seu tamanho e determinação o deserto do mundo.
— Boa sorte, Cordas. Estarei contigo sempre, até mesmo quando...
E Vanitas volta para as folhas de pergaminhos e estudos que estava em suas mãos. Olha com uma certa tristeza. E acaba transparecendo um sofrimento pequeno por antecipação.
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Gipsy espatifa-se no chão. Se vê sem forças. Passa sua mão de leve sobre o chão, como se estivesse fazendo carinho. Sua expressão é séria e os olhos perdidos. As lágrimas caem juntas e fazem o mesmo caminho, paralelamente, até o gramado. Elas escorrem lentas e quentes, de um rio que já está pra fornecer sua última quantidade de água. A primeira pergunta que vem a sua mente é:
"O que acontece quando um Hunter perde sua Garden?". E a resposta vem como um lampejo.
"Nada".
A não ser pela triste visão (pois toda Garden morre da mesma forma), criar um pequeno ponto negro no local condenado e sugar, com um vento que puxa pra dentro, toda a vida do jardim. Inicia-se devagar mas logo se percebe o começo do fim. É uma espécie de buraco negro, um ralo que suga sem devolver nada.
Ali permanece uma esfera negra que nada faz, mas contém descargas de energias altíssimas que provocam lágrimas assim que tocadas. Em um raio de vinte metros dessa esfera, permanece uma última mágica dessa existência: o silencio absoluto. Tudo que entrar nessa área perde o som. Não se ouve passos, vento, nenhum barulho.
Hunters que perderam seus jardins as vezes ficam dentro desse raio resgatando boas memórias, ou mesmo procurando meditar, pois é o melhor lugar do mundo pra isso. Mas, devido ao seu silêncio eterno e profundo, não é aconselhável passar muito tempo nesse perímetro. Corre o risco de ficar louco.
Gipsy começa a ficar transtornado por que todos aceitam as regras da natureza e ele não. Eles simplesmente se conformam caso venha a acontecer uma fatalidade dessa.
Boa parte do mundo culpa as Lullabys por isso. Os que não tiveram capacidade de virar Hunter ou optou não seguir esse caminho, raramente procura outras explicações, mesmo porque não há indícios recentes ou feitos, estudos ou documentos que comprovam como realmente funciona a Natureza neste mundo.
Mas o mundo diz que as Lullabys são responsáveis também por isso, embora as Gardens nunca tenham culpado ninguém em suas conversas de Ressonância.
A cabeça do homem de chapéu preto fica confusa. As Lullabys agora pouco importam pra ele. Sente que teve sua parcela de culpa, independente dessa maldita raça. Que ele poderia ter se frustrado menos. Ter se tornado mais forte, a ponto de sempre conseguir manter uma Ressonância estável. Ele deixou, de certo modo, tudo isso acontecer.
E, em suas costas, começou erroneamente a sentir o peso do mundo...
Adormeceu.
E seu sonho foi, desta vez, muito mais estranho.
Surge uma figura disforme, no vasto branco enevoado dos sonhos, como se estivesse sendo desfigurada por um vento que não se sentia ali, na hora. Esse ser, de estatura média de um adulto, abria com a própria mão o esbranquiçado e revelava para Gipsy partes distintas do jardim. E, de seu coração, saia pequenos tornados de vento, que passavam pelo braço e, em movimentos rápidos, esse ser enterrava com precisa velocidade sua mão e parte do pulso nos pontos mais tristes do jardim. Esse pequenos tornados e rajadas de vento adentravam no solo. No buraco que ficava quando sua mão saia, era expelido a substância negra e salina do solo pra cima, como um sistema de ventilação que extraia o que prejudica a Garden. Terminado o "sistema de ventilação", a figura se vira para Gipsy e diz algo por ressonância, igual ao seu último sonho, com a voz parecida de um Hunter, difícil de entender, pronunciando como: "Isso ainda não é o suficiente. Você tem a sua parte, e só você poderá fazê-la. Não teremos certeza se conseguiremos. Tudo indica que cedo ou tarde poderemos falhar."
Gipsy acordou depois de um tempo e se rastejou para trás, assustado com o que via: os tornados haviam sido implantados em seu jardim, assim como no sonho! Ele tentava lembrar de alguma falha onde poderia estar acordado, mas jurava ter dormido todo aquele tempo.
Além do mais, aquela figura e o seu tom de Ressonância o deixava ainda mais intrigado:
— Quem é esse ser e por que ele se importa tanto quanto eu com meu jardim? Qual é a minha parte? O que devo fazer? O que?
No entanto, procurou, da melhor forma, se dedicar aqueles momentos em descobrir qual seria a parte dele no processo de salvação da Garden.
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Passaram-se dias e Gipsy nem os sentiu passar. Por fim, já estava se arrumando, pronto para partir assim que seu amigo QuatroCordas o viesse buscar. E foi exatamente o que aconteceu.
O homem ajustou seu chapéu preto e aguardou o homem alto se aproximar de fora do jardim.
Gipsy estava com a cara suja de terra seca. Olhos inchados. Cansado. Exausto. Tentou sorrir assim que viu o amigo, mas não conseguiu.
Quatrocordas , à princípio, estava meio surpreso por encontrar seu amigo ali, dentro da Garden, mas tratou de agir com naturalidade. Poupou o amigo que saia cansado e evitou fazer perguntas. Apenas:
— E então? Está pronto pra partir?
— ...Sim.
— Vamos andando, pois o caminho de volta será mais longo.
A viagem de volta foi à pé. Levou mais alguns dias. Em alguns momentos, Cordas mostrava um raro cansaço extremo, o que fazia Gipsy parar pelo amigo. Mas nada dizia. Não falou do que descobriu, e nem do sonho estranho. Seu silêncio já dizia muito.
No terceiro dia, eles passavam por uma região limpa, sem muitas pedras e rochas para se abrigar. Quando, dos céus, desceu uma Lullaby, com suas botas que lhe permitiam percorrer grandes distancias, de forma rápida, pelo ar.
— Lullaby! — Gritou Cordas.
Ela possuía duas armas de fogo bem estranhas, mas tratou de aponta-la para a cara dos dois. Estavam uns dez metros de distancia da criatura.
Gipsy se manteve imóvel por uns instantes e, logo em seguida, apontou lentamente, para a sua Midnight Sun, na copa do seu chapéu.
Isso fez com que a Lullaby se enfurecesse, tirando a mira da arma que apontava pra Cordas e indo as duas para Gipsy. Uma mirava no coração e a outra na cabeça: lugares fatais para um Hunter.
— Gipsy!— Cordas estende a mão em direção ao amigo, que se encontra a uns cinco metros de distancia — Cuidado com...
O homem alto fita a Lullaby e parece que um pensamento o tira de sintonia por uns instantes. Lembra de algo, mas logo retoma ao raciocínio de antes:
— ...Cuidado com essa. Por possuir duas armas, ela pode ser Rank A.
— Hmm...
A Lullaby disparou vários tiros com as duas armas simultaneamente. Gipsy desviou de todos de forma exemplar, chamando a atenção de Cordas. Mesmo estando a poucos metros das armas da criatura, o homem de chapéu realizou ali movimentos de um exímio Alone Howl.
A Lullaby parou de atirar porque mal acreditava no que via. Mas isso não chegava a ser novidade para Cordas, em relação de Gipsy desviar dos tiros.
— Terminou?— Gipsy pergunta, olhando com seus olhos inchados e pequenos, entretanto para dentro dos olhos da Lullaby.
A criatura gagueja e nada diz. Cordas se espantou ao ver que Gipsy avançou calmamente e passou pela Lullaby sem nenhum momento ameaçar de colocar as mãos em suas armas.
Passou por ela andando, olhando pra frente e de forma calma. E continuou...
O homem alto não acreditava no que vira: o homem não a atacou. A Lullaby ficou estagnada por um tempo, sem entender por que um Hunter daquele escalão não reagiu.
Gipsy seguiu em frente, sem olhar para trás e Cordas foi acompanhando-o. Fitava o amigo e sentia que, dentro de Gipsy, algo havia mudado.
Pra pior...