quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 18: Teimosia



Capítulo 18: TEIMOSIA


A visão aérea, ora desfocada, ora não, apresenta uma parte do deserto totalmente devastada. Apenas um Hunter era capaz de realizar tamanho estrago. Era membro do Deep Sea, embora o líder deste grupo não tivesse mais tanta certeza da existência deste, tampouco se ainda era líder de algo.
O corpo em primeiro plano, que desfocava o cenário atrás para quem observa, caia lentamente, de muito alto: isento de movimentos que o pudessem salvar de despencar de cabeça para baixo. Os tímpanos deste corpo não ouvia o vento, nem a explosão de pétalas que sucedera antes de forçar a vira-lo no ar. Era um zumbido que trazia um silêncio enlouquecedor.
De repente, ouviu-se timbres, explosões, atritos, pequenos gemidos e algumas falas de semanas atrás. Obra das memórias...
Morros sendo despedaçados. Dunas de areia perdendo seu formato. Impacto de ataques e defesas entre tiros, chutes e armas.
Muitas cenas passavam. E, a cada mudança, fazia com um barulho na mente de Cordas que  só ele podia ouvir.
Florença chegou primeiro ao chão. Enquanto seu cabelo esvoaçava pela sua aterrissagem firme, tudo parecia ter ficado extremamente lento. Quatrocordas despencava à lentidão descomunal de seu raciocínio. Aos poucos, as duas armas brancas foram deslizando da suas mãos, soltando-se pacientemente delas: maça-estrela e machado.
Com o corpo levemente curvado para trás, Cordas sente suas memórias passarem como um manto por seus olhos que já estão começando a ficar cegos.
 Antes de entrar em contato com o chão, uma lembrança específica, de muito tempo atrás, o isenta da dor final contra a areia...

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 Cordas, como se sente?

 ...Ainda sob o efeito... Normal. Levará tempo para eu  me curar completamente.

 Lightning era tão poderosa assim?

O silêncio deu a resposta de Cordas para a pergunta idiota que Gipsy acabara de fazer. A Lullaby havia,na ocasião, achado uma microscópica brecha naquela muralha incompleta, fazendo mais uma vítima, durante um período, na face do deserto.
Agora era tudo questão de tempo. E tudo normalizaria...

 Você... hm... precisa se distrair... Vamos lá, hoje a noite comemoraremos a vitória de um grupo de  Hunters sobre uma horda de Lullabys! Será no velho acampamento escondido TwoCanons.- Convidou Gipsy.

Tudo bem. Irei.Aceita Cordas.

— Agora, vamos conversar sério! Cordas, eu estou preocupado com você, amigo!...

— Já te falei, Gipsy, só preciso de tempo para...

— ...Eu me refiro a usar armas de fogo, Cord...

—  E também já disse que não tenho paciência com essas merdas! — Disse Cordas num sobressalto, levantando uma das mãos sobre a cabeça, com a palma para frente, impaciente.

—  Cordas, é para o seu próprio bem. — Argumenta Gipsy com cautela.

—  Adoraria dar uns pipocos em você, pra te provar que eu sou bom em miras, alvos e luta à distância, mas vou errar todos os tiros!...

— Idiota! Podemos começar com umas miras mais fáceis: latas em cima de cactus e cercas. Mas, primeiramente, teremos de ir até um conhecido meu que vende todos os tipos de armas de fogo contra Lullabys. Escolha as que mais te agradar e treinaremos um pouco. Não custa...

— Tá, Tá! Vamos buscar essas porcarias pra eu errar os disparos e acertar os corvos no céu! — Cordas levanta de súbito da cadeira no antigo quartel general dos Hunters, muito antes da origem do Deep Sea surgir.

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— Muito bem, Cordas. Ali estão as latas em cima das cercas e dos cactus. Ninguém vai nos incomodar aqui nos fundos do barraco. Treine os tiros.

"Lembro-me que Gipsy tentava, com sua maldita teimosia, ensinar-me a atirar. Nunca gostei muito de armas de fogo ou armas brancas. Sempre curti usar os punhos e tretar a noite toda. Mas meus punhos pesados eram apenas eficientes em brigas de bar; apenas contra Hunters folgados que precisavam situarem em sua miserável existência ao invés de importunar os outros com maluquices. Contra as Lullabys, era praticamente impossível: jamais eram acertadas! Desviavam como se fossem peixes ariscos embaixo d´água. Acho que o ar em volta delas carregava a explicação dessa facilidade...
Entretanto, o Machado foi amor à primeira vista. Percebi que gostava de lutar próximo ao perigo. Tinha mais controle da luta mantendo o inimigo perto de mim do que atirando à distancia. Não sei, as armas de fogo podem ser grandes ou pequenas, tanto faz: não gostam de mim, acho. Me expulsam, todas juntas, para longe. Longe de seus pequenos gatilhos, longe de meus dedos  e mãos enormes em comparação à eles."

Primeiro tiro - Gipsy: — "Não."

Segundo tiro - Gipsy: — "Não."

Terceiro tiro - Gipsy: — "Não...Hey! Cuidado comigo, Cordas! Quase me matou!!!"

— "Deixa de ser dramático. Esses tiros não fazem merda nenhuma em Hunters!"

Quarto tiro - Gipsy: — " ...Tô achando que você quer me acertar de propósito..."

Quinto tiro * Corvejar de um corvo acertado ao longe* - Gipsy: — "..."

Sexto, sétimo, décimo terceiro, vigésimo sétimo, quinquagésimo nono tiro - Gipsy: — "...Er...não..."

— Chega! Tó essa merda! Não levo jeito pra isso!

—  Cordas, volta aqui!...

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—  Só se liga nesta belezura, Cordas!

—  Pfff... Não acredito que você está levando esta....gerigonça pra comemoração. Eu não vou praticar essa droga lá!!!

—  Olha, a gente nunca sabe. Mas eu peguei com um conhecido meu, agora, a caminho da festa. Não dá pra voltar agora e devolver, estamos atrasados.

—  Ah, vá! Então joga essa porra ai no chão e vamos! Tsc, te conheço, humph!
Mas...mas essa coisa tem quatro gatilhos??? Isso é uma aberração!!!!!!!!!!!

—  Sim, é um gatilho em cima do outro! Bem, não sei... Quem sabe eles não respondam melhor na sua mão...Você sabe, cada dedo em cada gatilh...

— Como você é teimoso, Gipsy! NÃO-VOU-USAR-ESSA-MERDA!

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— Meu, demais esse lugar, Gipsy!

— Sim, esses gigantescos canhões antigos roubam a cena do lugar: cruzados e imponentes...

—  Você consegue imaginar de que época eles poderiam ser?

—  Não faço ideia. Eles e todas essas estruturas antigas escondem histórias tão antigas que nem podemos imaginar. Com essas luzes então, eles se tornam espetaculares! As vezes, Cordas, me perco em pensamentos... Sobre as luzes e sobre o que aconteceu bem antes de nós...

— Xiiii.... já vai filosofar com duas garrafas de Sand Beer? Você já foi mais forte, Gipsy; a festa ainda nem começou. Esta noite os Hunters estão animados. E hoje quero ficar louco! Espero que me acompanhe!

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Voz na multidão: — "Luuuuullaaaaabyyys!!!!!"

— Cadê o Gipsy...? Hic! Putamerda! Bebi demais! São muitas! E os Hunters não param de se movimentar! Deste jeito não consigo localiza-lo!

*Buuummm!*

— Noss...Hic! Nossa! Essa foi por pouco! Gipsy! GIPSY!! Cadê você? Malditas Lullabys! Nos surpreendendo pelos céus! Desgraçadas!!!

*Rátáááááááááááááááááááááá...*

*Cabuuummmm*

Daqui eu não consigo vê-lo nessa confusão toda! Mesmo sendo alto....Tsc! Vou ter de subir naquel...Hic!...Naquele palco para enxergar melhor!

"E foi o que eu fiz. Havia tantos Hunters naquele acampamento... As Lullabys chegaram sem prévio aviso: vieram aos montes, muitos pelo ar e outras por debaixo da terra. Mas era impossível nos achar aqui... Os homens já estavam bêbados o suficientes para facilitar ainda mais a vitória  das criaturas!
Quando subi no palco, Avistei Gipsy ao longe. Como sempre, ficava embriagado fácil, e pulava de cabeça num grupo de Lullabys. Sempre inconsequente. Teimoso. Um orgulho cego. Mas ali, naquele momento, não dava: não tinha como ele escapar! Estava cercado. Gipsy sorria de canto de boca, e era o próprio orgulho dele que o mantinha de pé. Entorpecido pelas bebidas variadas, não tinha a menor chance. Mas ainda sim sorria...
Eu via tudo girando. Algumas explosões próximas tentaram acordar-me da própria embriaguez, mas a força com a qual eu usava para as criaturas perto de mim com meu machado encharcado de Egocon faltava-me oxigênio, deixando-me ainda mais bêbado.
Gipsy acertaria uma ou duas. Daquela distância, eu também, porém apenas uma com meu machado. Outra, talvez, com a maça. Porra, depois disso como eu me defenderia? Minhas armas não voltam magicamente para às minhas mãos...
No meio da embriaguez, refleti porque desejei tornar-me forte. cresci com uma força descomunal. Resistência fui ganhando conforme escalava as inúmeras arvores da minha Garden. Ganhei também principalmente com as Quedas. Gostaria que Gipsy entendesse isso... E agora?
De longe, daqui, vi de relance o cigarro acesso no sorriso dele. Poxa, ele está mesmo bêbado!...
Joguei minha atenção para o lado, como se alguém estivesse próximo à mim; foi apenas impressão. Entretanto, vi, encostada e girando, no canto do palco, aquela coisa que Gipsy trouxe. Tudo girava ainda mais.
Lembro-me de instintivamente guardar a Morning Star enquanto o pandemônio bailava, girando até o céu para a sua dança com teor alcoólico. Apanhei aquela arma que Gipsy trouxe e amarrei alguns fios de aço que estavam no chão...e..."

Uma chuva de Lullabys despencavam dos céus, silenciadas; Aquelas que estavam cercando Gipsy, tombaram antes mesmo do mesmo atirar. Este levantou uma sobrancelha e fez bico, não compreendendo o pouco que ainda conseguia. O cigarro até apontou para baixo.
Ele olhou para o lado e viu o show vindo do palco. Cordas estava lá, com algo extremamente grande nas mãos. Seu machado estava com o seu cabo voltado para frente, apontado para as Lullabys do qual mirava. Na ponta do cabo, estava presa por alguns fios a arma que Gipsy trouxe para a festa. E quatro fios de aço estavam ligado a cada gatilho da geringonça, presos à lamina do machado na outra extremidade. A cada puxada nos fios, um gatilho disparava, de forma certeira, as Lullabys. Aquele era o momento de Quatrocordas: O Céu & O Inferno era dele!
Os olhos de Gipsy encheram-se! Este foi correndo até o palco, cambaleante, bêbado, dando às costas pro perigo. Cordas, de cima, viu Gipsy aproximando-se e entreolharam-se sorrindo. O Hunter de chapéu preto virou-se novamente para a área de batalha e, antes de disparar seus tiros junto com Cordas, contemplou as Lullabys caindo pelo Hunter que as acertava em cima do palco. O Hunter alto fazia seu show na parte superior e Gipsy limpava a platéia de Lullabys que aproximava-se velozmente.
De súbito, Gipsy parou de atirar. Girou e guardou a arma no coldre. Ainda sobrara umas cinco, que vieram voando perto do chão. Sem se virar para Cordas, que empunhava seu machado como um instrumento de música, disse:

— Cordas, essas eu vou deixar passar. Só pra você!...

— Tsc, como quiser!

Elas ignoravam o Hunter bêbado que estava em pé, no chão e voaram em direção ao grande caçador. Os tiros que alvejavam os alvos e explodiam em luzes verdes por culpa do Egocon, garantia um show de efeitos especiais. Gipsy ainda permanecia de costas para o amigo. Abriu os braços e sorriu, diabolicamente. Seu chapéu conferia-lhe uma fantasmagórica sombra em todo o seu rosto, deixando em evidencia apenas o sorriso e o cigarro. O efeito dos tiros em cima do palco lançava rajadas de ventos e pequenas explosões, balançando toda a sua roupa e cintos. Por fim, sussurrou:

— ...Porque o show deve continuar!

Quando cessaram os disparos, Gipsy virou-se e subiu no palco. Não acreditara no que vira:

— Cordas! Você usou a arma de fogo que eu lhe trouxe! Você foi....simplesmente espetacular! Prendeu junto ao seu machado...

O grande Hunter esboçou um pequeno sorriso para o amigo, mas logo em seguida exibiu uma pequena raiva e, com a mão esquerda, desprendeu a arma no machado, quebrando-as em pedaços com o puxão que deu e estourando os fios, deixando o machado livre daquele ´parasita´. Gipsy assustou-se:

— Ma...mas o que você está fazendo? Enlouqueceu?

—  Não leva a mal não, mas descobri que assim fica muito fácil. Perdeu a graça! —  Cordas abriu um grande sorriso.

— Cordas, você é... muito teimoso! — divertiu-se Gipsy.

—  Agora, me arruma um cigarro aí, Gipsy, porque eu tô muito louco!

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O céu, pintado de estrelas, carregava um Azul Royal em harmonioso degradê até o tom mais escuro, sem uma lua nesta noite. Fumaça. Destroços. Silêncio, não fosse pilhas e pilhas de objetos pegando fogo ou aparelhos quebrados piscando com muito custo com suas luzes de Egocon. Sem isso, daria apenas para ouvir o sutil estalar do cigarro dos dois únicos Hunters sobreviventes, em cima do palco. Curtiam, vagarosamente e com muito prazer, seu respectivo fumo. Ao final, Cordas sussurrou:

—  Gipsy...

— Sim...? — Gipsy volta para o amigo.

Uma luz pálida e fria perpassa do ombro direito ao rim esquerdo de Gipsy, abrindo um enorme talha no tórax.
Escuta-se claramente a pele sendo dividida e o sangue agitado em sair pela extrema fenda. O machado para seu caminho ao passar verticalmente no corpo de Gipsy, já molhado de sangue. Respingos pintam a cara e a roupa de Cordas, que mantém uma expressão severa e assustadora. O Hunter de chapéu preto deixa sua bituca cair da boca ao tentar pronunciar:

— C-Cordas...por...que...f-fez... is-isso?

Caiu no chão, espatifando as costas, praticamente morto.

— Nada pessoal, Gipsy, mas aqui, somos inimigos!...


                                                                                                Fim da Segunda Temporada.





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