Manhã, tarde e noite,
ao mesmo tempo, estampados em um único e singular céu.
Uma estação, isolada,
permanece como um colo que abriga e protege.
No banco desta estação,
uma mulher com um grande e lindo chapéu de Sol e vestido leve está sentada.
Seus cabelos, compridos e negros,
parecem dançar enquanto o vento silencioso os convidam para a valsa.
O menino que enxergava todos estes detalhes,
olha rapidamente para trás. Volta-se pra frente e, antes de correr em direção à moça sentada na estação,
diz para si mesmo:
— Logo mais o trem estará chegando. Não posso perder mais tempo...
COMPRESSÃO DO TEMPO
O menino não estava nem a cem metros da estação, e ainda sim poe-se a correr. Distante, e parecia ser a única coisa que fazia som ou barulho naquele estranho lugar de céu misturado, era um grilo, escondido no mato muito verde.
O lugar tinha maravilhosas tonalidades de acetato. Fôra muito bem pintado. À mão... O céu, principalmente, não tinha concorrentes pela pintura magnifica que lhe dera vida.
O menino não estava nem a cem metros da estação mas, assim que subiu o pequeno lance de escadas ( cerca de cinco degraus) para a única plataforma do local, colocou a mão nos joelhos e dobrou-se, ligeiramente ofegante. A mulher não tinha, até aquele momento, virado o rosto na direção do moleque. O chapéu cobria os olhos. Dava a impressão que tinha um sutil e enigmático sorriso no rosto. Um pouco triste também, como de costume...
O menino aproximou-se vagarosamente do banco. Em pé, olhando em direção à mulher que a esta altura já tinha virado o rosto para receber a companhia, começou:
— Então é isso?
— Me diga você — retrucou a moça para o menino — Tudo isso foi você quem fez?
— Acho que sim... Não sei bem ao certo. Gostou?
— Nunca tinha visto céu mais lindo que este. Só nos seus desenhos...
— Sem essa! O que eu consigo passar pro papel é infinita vezes inferior.
— Não se menospreze — advertiu a mulher.
— Não estou, na verdade. Aparentemente, consegui fazer, veja só. Apenas usei uma outra fonte, ou uma outra natureza para concretizar isso.
— É realmente muito bonito!
— Obrigado... — agradeceu o menino. Porém lembrou como começou a conversa e retomou — Então, é isso?
— É...acho que sim — Ela respondeu como se tudo fosse óbvio, virando o rosto para frente, na direção dos trilhos.
E era. Apesar daquelas cores serem tão bonitas e não se parecer com nada pintado daquela forma, todos os surreais detalhes diziam que era real. A paleta de cores beirando o infinito num céu estacionado com seus três períodos, bem homogêneo, as estrelas, o por do sol, tudo, tudo, era prova de que era inacreditável. E por ser inacreditável, ali, naquele momento, fazia todo o sentido.
Ele hesitou em começar. A mulher voltou-se e perguntou:
— Está com medo de falar?
— Sim...
— Por que?
— Porque sei que posso não estar dizendo isso de verdade. Quer dizer, estarei sendo sincero, mas dependo de alguém que me dê vida aqui.
— Como assim?
— Corro o risco de estar sendo manipulado por alguém num futuro distante. Ou nem tão distante. Como se alguém escrevesse ou digitasse todo meu diálogo contigo em um lugar, ou em um tempo que não é daqui.
— ...
— E, sabe, não queria que soasse falso esse nosso...esse nosso último diálogo, entende?
— Por que?
— Porque eu quero que seja bem verdadeiro, real, desde o primeiro momento que criei isso e já conversei contigo. Não me importo de passar por isso. Mas não quero que, quem comanda minhas falas, distorça só porque, talvez no atual momento que se escreve ou digita isso, já tenha passado por experiencias, situações. Não quero que mude nada. Quero conservar isso.
— E você acha que, por estar tendo essa precaução, esse ponto do qual você acabou de tocar no assunto, já não prova que o que você teme já não está acontecendo, de fato?
—... Nossa! É mesmo!... Bem, então que isso sirva de "trava" para aquele que, neste exato momento, controla minha fala e meus gestos sem ser influenciado pelo que já passou desde este momento.
— Tem certas coisas que fogem do nosso poder— respondeu a mulher.
— Há! Tenho quase certeza que isso que acabou de dizer, aquele que me escreve e descreve ouviu recentemente, no tempo dele, modificando sua conversa comigo!
— Exatamente. Não temos como controlar tudo. Desista de controlar a Compressão do Tempo...
O menino fez uma careta. A mulher ficou divertidamente curiosa:
— Que cara foi essa?
— Agora tenho certeza que muita coisa foi mudada. Você jamais falaria sobre a Compressão do Tempo.
— E no atual estado que me encontro, não seria estranho se eu não soubesse?
O menino calou-se com uma expressão de susto e surpresa. Ambos param de conversar por um tempo e viram o rosto na direção dos trilhos.
—É preciso muita experiência para poder dialogar de forma verdadeira, e falar tudo que sente. Precisa passar por muitas coisas... — divagou a moça, olhando para os trilhos.
— Mas temo pela distorção de tanta informação que recebemos diariamente. Tenho medo de não poder conversar sinceramente contigo. Daí, me desespero e quero prensar todos os momentos em um só.
— Isso é impossível até aqui, embora você conseguiu fazer isso com um céu inteiro. E ainda com formas e cores! Você precisa valorizar-se mais.
— É, acho que sim... — concordou o menino. E ficaram calados durante um bom tempo...
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A DESPEDIDA
— Todo esse papo não me deixou elogiar seus cabelos. Eles estão lindos...e..e..grandes! — o menino falou, agora sentado no mesmo banco, ao lado da mulher, com as mãos juntas e os dedos entrelaçados, como se ele fizesse uma forte prece em silencio.
— Por você se preocupar, é o que fez tornar real. Algumas coisas são só medos que não são ruins. Mas quando tornam-se amargos, percebemos tarde demais. Dói mais e ficam difíceis de ser superados. O medo pode construir barreiras impenetráveis... Você criou isso bem antes do fim, está com medo disso estar sendo vivido agora, pensando no que pode ser escrito mais adiante. Desse jeito você vai ficar enlouquecer.
— Você não falava essas coisas, falava?— O menino pergunta, confuso, para a mulher.
— Talvez todo esse nosso diálogo já foi modificado. Mas se agirmos normalmente, contornaremos a situação. Ah, obrigado pelo elogio dos meus cabelos....
— Acredito que essa é a hora de eu comentar sobre essa mala do seu lado — o moleque joga uma rápida olhada para a mala de viagem bege, com alguns selos em seu canto superior, que se encontrava do lado da mulher, no chão. — Você vai mesmo,então?
— Sim. Parece que sim. Mas você sabe que sim. Você mesmo criou também essa mala...
— Criei, mas meu poder se limita ao externo dela. Criei pra você, mas não sei o que tem dentro dela...
— Se tiver um carneirinho, então é bom que tenhas furo nela. Senão vai matar o bicho sufocado, tadinho! — disse a mulher, brincando.
Agora sim ,ela havia mostrado um sorriso verdadeiro. Era dela aquele sorriso feito por comentários ingênuos e humildes. Acho que ela quis fazer o menino sorrir um pouco. Conseguiu tirar dele um esboço. Mas sua cabeça não parava de criar frases e, olhando para mulher, desabafou:
— O carneirinho, morrer? Acho que aqui, nesta estação, não tem como. Mesmo porque voc...
— Eu to brincando! — A moça respondeu ligeiramente impaciente. Depois, vendo que o menino caiu em uma silenciosa tristeza, pediu — Não fica assim...
— É fácil falar.
— Eu sei que não é fácil. Mas você já passou por tanta coisa. Você é forte e esforçado; você vai cons...
— Para, mãe! Não sou nada disso.
— Outra pessoa não criaria essa realidade....
— Quando constrói um lugar com a sensação de que uma pessoa já faz parte dele como o ar, fica mais fácil...
— Você vai contar pra eles depois?
— Sobre?
— Isso que você fez pra mim...
— Mais tarde, talvez. Tem um monte de jeitos de me expressar, sem precisar mencionar isso por enquanto. Sem querer me gabar, criei tudo isso na mais profunda melancolia, em um momento só meu. Eu precisava me preparar...
— Você sofre por antecipação. Tem de parar com isso...
— Ah, eu tenho de tomar cuidado, né? Não to te culpando. Mas você faz ideia o quanto vai modificar outras realidades do qual eu administro...?
— Agora eu sei.
— Então sabe também que, a minha realidade, será a mais atingida com tudo isso, né?
—....Tsc...
— Vamos parar de falar deste detalhe. Eu já disse, não to te culpando. Não to nem preocupado com isso.
Um novo silêncio paira na conversa de ambos...
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— Como você acha que é lá?
— Sei lá, não sei... Mas agora falta pouco pra eu descobrir a verdade. — Passou uma brisa leve, que balançou os cabelos dela e mato em volta.
— Não sei te dizer se estou sentindo um pouco de inveja, ou ciúmes, ou saudades. Não há felicidade em ter de encarar o que está acontecendo, mas, puxa! Em breve vai saber daquilo que muita gente cobiça saber. Tem gente que daria a vida pra saber disso, ha, ha, ha.
Forçou mesmo a risada. A piada fazia parte, perfeitamente para a ocasião como uma luva do tamanho ideal para a mão. Mas ele não conseguiu se auto-animar.
— Humph — resmungou a mulher. Depois sorriu.
O menino ficou brevemente calado. Passou a apertar as mãos com os dedos entrelaçados ainda mais forte:
— Será que você poderá voltar pra me contar como é lá?
— Não sei. Talvez....
— Dizem que estes trilhos não atua para trens que fazem o caminho contrário. E acho que isso eu não posso mudar.
— Foi o que eu disse: algumas coisas não podemos e nem devemos controlar...
— Lembro agora de um texto em que escrevi, e temia por esse dia. Que também eu sempre fui curioso em saber como é fazer essa viagem, onde ela nos deixa, onde vai parar. E que eu queria fazer isso, em seu lugar.
— Eu também não sei como vai ser.
— O sonho de quem fica na estação é, um dia, a pessoa do qual ela se despede venha um dia contar algumas novidades. quem fica, fica esperando...
— Mas daí você não vive tranquilo, né? — retrucou a moça. — Vai deixar de viver em função desta espera? Isso é desperdício de vida. Você é novo, tem muita coisa para viver pela frente. Você tem ela. Você tem seus amigos...
— Eu sei. Mas to diante da sua viagem. E quem se despede, nunca está preparado...
— Caramba! fez tudo isso e não se sente preparado...?
O menino ficou envergonhado. Corou rapidamente as bochechas:
— Agora você conhece todos os meus segredos, inclusive como funciona este.
— Deixa de ser bobo — disse a mulher. Em seguida, lembrou de algo que queria ter dito antes — Você queria que, no lugar do trem, viesse um avião?
— Com nome, numeração e tudo. Mas acho o trem mais poético, embora bem estereotipado dentro da minha mente que vive em coletivo.
Calou-se de novo.
A verdade é que o menino não sabia o que falar, diante de tão pouco tempo. Diante de tanto poder, e pouca capacidade em administrar. Se deixasse sua mente se distrair, cenas de um transito em sua cidade, numa quarta feira a noite, o tiraria alguns segundos da estação. Luzes de lanternas de carro, rumando para a zona sul da cidade, e seu corpo largado e balançando dentro no ônibus, e a dor, aquela dor no peito de ser convocado a enfrentar, mais uma vez de pé, uma realidade que ele detestava. A voz da mulher é que trazia ele de volta, e parecia que ela sabia muito bem disso:
— Você encontra diversão até nestes momentos. Você é muito forte. Estou orgulhosa disso.
Esperou que um novo diálogo viesse a mente. Depois continuou:
— E seus amigos? como estão?
— Estão bem...Acompanhando tudo. Me dando forças.
— Eles são bonzinhos, né? Gosto muito deles...
— Eu também... — O menino fechou a cara, e manteve os olhos voltados para o chão da estação.
— Eles vão cuidar bem de você, fica tranquilo — sugeriu a moça.
— Não é a mesma coisa — o menino entortou a boca e logo em seguida, fiz bico.
A mulher suspirou, expressando uma certa chateação. Não pela situação, mas pelo seu filho ficar daquele jeito. Não conseguir desenvolver um raciocínio que aceitasse mais do que tentava.
Mas ela sabia que ele estava se esforçando por demais. Era como se não tivesse mãos para segurar tamanha complexidade de um objeto nunca antes visto, onde suas formas, peso, volume, extrapolariam qualquer realidade conhecida. E parecia que isso a deixava ainda mais orgulhosa.
O momento que nunca deveria chegar, chegou. Ele veio de longe, ecoando na direção que o menino havia olhado, antes de subir as escadas da estação. Um medo sem tamanho tomou o coração do menino, que levantou do banco em um sobressalto. Olhou na direção do barulho e via a fumaça atrás dos últimos morros. O trem estava chegando...
O menino voltou a cabeça rapidamente para a mãe, como se tivesse visto um monstro se aproximar. Sua expressão de susto para desespero e choro foi em um piscar de olhos. E isso pareceu ,de verdade, afetar sua mãe. Ao mesmo tempo, abriu profundas rachaduras por todo o cenário. A mulher, com uma certa preocupação, acelerou suas palavras:
— Calma! olhe pra mim! Não olhe pra trás! Se você se desconcentrar, vai arruinar tudo isso que você fez pra mim. Tudo isso vai desmoronar! Não chore!
— Não...consigo... Tá muito difícil!...
Quanto mais o menino fazia força para se concentrar, mais rachaduras aparecia por todo o local. As lascas já subiam para o infinito, outras, simplesmente desapareciam no ar. A mulher já tinha levantando do banco e, para garantir que o menino não olharia para o trem chegando, colocou as suas mãos no rosto dele e disse:
— Calma! Calma! Olha pra mim...isso! continue olhando pra mim. Se acalme..se acalme...Já passou..já passou....
O menino abaixou a cabeça, e encostou o topo desta no peito da mãe. A medida que ia se acalmando, as rachaduras iam se auto cicatrizando, reconstituindo todo o cenário. Fechou os olhos e comprimiu-os. Mas o trem chegava, lento...
— Acho que consigo só mais um pouco... — o menino levantou a cabeça e disse isso, olhando pra ela. Com os olhos vermelhos, tomando imenso cuidado pra não deixar escorrer uma só lágrima até o chão.
— Consegue sim. Você é forte. No fim das contas, só você faria isso. Só você poderia criar e estar aqui. Só você...
— Obrigado pelas palavras, mãe. Eu..eu...
Tudo de repente, retomou a paz original. O trem estacionou. Sem sofrimentos, sem dramas, sem hesitações. Tudo estava normal. E precisava prosseguir.Continuar. Fosse o que fosse.
A mulher pegou a mala, e a porta do trem abriu. Ela colocou a mão na barra de apoio e repousou um pé em cima do degrau do trem. Olhou para ele.
— Tsc...preciso ir... A gente ainda vai se ver. Mas não será mais como antes...
— Eu acho que eu sei disso — e abaixou a cabeça.
— Não fica triste. Olha, se te consola, só ter tido toda aquela conversa, logo de começo, não significa que estamos sendo manipulados em uma mentira. Significa que, quem já nos escreve, em um futuro que você ainda não está, está tomando um imenso cuidado com esse nosso diálogo. Pode ficar tranquilo...
O menino parou um tempo pra entender esse trecho. Depois:
— Antes, posso te pedir algumas coisas? — O menino perguntou, também afim de se concentrar para não destruir tudo ao redor
— Fala.
—Avisa pra quem está por trás de toda essa sua viagem que, quando eu puder, eu vou tirar satisfações pessoalmente.
— Se eu puder, falarei...
— Ah, e mais uma coisa. Er... quando for eu sentado neste banco, você vem me buscar?
— Talvez. Talvez...
— Obrigado.
— Até breve.
— Até mais, mãe. Boa viagem.
Entrou no trem. Este automaticamente fechou a porta. Anunciou sua partida soltando fumaça. Lentamente saiu da estação.
O menino ficou ali, parado, esperando o trem sumir no horizonte. Mas o veículo nem chegou até ele. Os trilhos soltaram-se do chão e fizeram uma curva pra cima, subindo até aquela magnifica pintura estelar. A curva era suave e o trem subiu calmamente. Quando todos os vagões encontravam-se na vertical, o trem movimentou-se mais rápido e, na velocidade da luz, emitiu uma branca e radiante, virando apenas um risco no céu, que rasgou e explodiu em estrelas.
O menino quis sorrir pelo fim de tamanha dor escondida nos detalhes que os trouxe até ali, e que batia em seu peito no momento. Conseguiu, por alguns instantes, esboçar um sorriso orgulhoso de quem foi ela, de fato.
No entanto, não demorou muito para que tudo começasse lentamente a rachar.
O céu era a coisa mais linda quando escorreu ininterruptamente as lágrimas quentes e em grande quantidade, descendo pelo rosto dele, enquanto olhava para cima.
Uma das lágrimas escapou do contorno do rosto e despencou até o chão. Ao Toca-lo, trouxe em seu epicentro infinitas rachaduras...
...E no quarto do hospital, após uma semana, houve-se barulhos de vidros estilhaçando contra o chão. Caíram todos que faziam parte do cenário colorido e ao chegar ao chão, resumia-se a apenas vidro, frios e sem cor, como as do quarto.
Ali, houve o cessar de uma respiração. Fechou-se as cortinas. Tudo ficou imóvel, exceto a coragem de quem deveria presenciar, e seguir adiante a história.
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Gostaria de dizer que esta história continuou firme e forte.
Mas agora não posso...
Neste exato momento, faço parte da Compressão do Tempo de quem ainda vai escreve-la...
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