quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Short Novel- Heróis de Areia ~ Capítulo 17: Alpha & Ômega



Capítulo 17: ALPHA & ÔMEGA



 Uma névoa espessa e nociva espalhava ao redor, por toda a paisagem. Para aquelas vidas que moram na vastidão daquele lugar, era tão claro quanto a rara água que uma tempestade realmente se aproximava. Isso fazia com que o cigarro de Gipsy, em seus momentos finais, despedia-se daquela boca, cercada por uma barba-por-fazer, áspera, cinza e grossa. O Hunter já exibiu jovialidade e aparência melhores.
A brasa desliza para o seu fim; transforma o cigarro em uma bituca. Sem tirar os olhos da  Lullaby, Gipsy cospe para o lado o filtro do seu fumo, inclinando a cabeça um pouco para a direita. Acabara de lembrar que havia sido estúpido em ter parado de fumar no passado, e silenciosamente deliciava-se na paz que aquele abençoado cigarro lhe promovia. O prazer em doses homeopáticas do abraço da Morte.
O Hunter volta o rosto completo para a criatura. Um longo tempo se estende entre os dois. A Lullaby tira seu grande rifle, que apoiara no ombro, e encostas a coronha no chão. Sua arma é quase do tamanho dela. Como uma boa Sniper, ela apresenta suas dimensões de forma bela e comprida. Os seus respectivos detalhes a torna ainda mais peculiar e temerosa, embora esse rifle transpareça uma visão sutil dele mesmo.
O homem começou:

— Oi...

— ...Er...oi...

Uma dúvida começou a crescer na mente da Lullaby. Primeiro, todo Hunter que se preze sabe que aquela área onde os dois se encontravam servia de esconderijos para as Lullabys viajantes. Segundo, a instabilidade do tempo dava ainda mais vantagens para elas; um caçador sozinho simplesmente se expondo neste lugar era um suicídio. Terceiro,  a situação  tornava-se ainda mais absurda sabendo que aquela insígnia no chapéu lhe garantia o nível de Alone Howl , o que ficava claro que aquele homem não chegou até alí por falta de experiência ou ignorância heróica.  Quarto, e talvez o mais estranho: a polida e verdadeira educação do Hunter em cumprimentá-la. Onde estaria a chuva de tiros? A violência nos ataques? Os gritos, as ofensas, as ameaças e obsessão de tomar o Egocon?
Bem, tudo isso poderia ser um truque. Mas aquela aparência, e o ar em volta de Gipsy, sempre instigou a curiosidade das Lullabys. Para algumas, é uma armadilha fatal. Para ele, foi um dos motivos de ter tantas cicatrizes pelo corpo, por toda a sua costas... Incluindo aquela que cisma aparecer por baixo da camisa de gola aberta...
Na cabeça dela, esses fatos não encaixavam entre si. Por isso, fechou um pouco a expressão do rosto e tentou mudar o tom de voz, após ficar desconcertada por cumprimentar o Hunter.

— Escuta aqui, caso não tenha percebido, essa área é minha e por essas bandas está cheia de criatura como eu. Se eu fosse você, eu...

— Eu sei disso. Sei também que vocês respeitam um código entre si e me derrubariam em conjunto caso isso fosse combinado previamente entre vocês. E sei que você está sozinha...

— ...

Um novo silêncio se instala novamente na voz dela. Percebe que ele sutilmente a observa, mas tem algo a mais naqueles olhos. Impossível, no momento, descobrir algo por estarem semi-cerrados. Deixa escapar um cansaço de décadas sem dormir direito.

— Pelo tamanho da arma, tipo e aparência singular, você é a Lullaby do qual me relataram - Argumenta Gipsy, sem mudar sua nítida neutralidade enquanto conversa com ela.

Isso era raro no Hunter: sempre estava com os pensamentos a mil por hora, focado em mais de três coisas ao mesmo tempo e desfocado em todas elas.
 Nunca estava em paz. Sempre em movimento, sempre em ação. Sempre em guerra...
Puxou do bolso o maço de cigarros. Não estava tão amassado quanto a regra dos esterótipo manda. Acendeu o cigarro e deixou de canto de boca. Deu umas tragadas, e guardou novamente a caixa no bolso.
A Lullaby abriu um sorriso sem graça, e fechou logo em seguida:

— Ah, claro! Logo vi o seu real propósito. Não poderia ser outro.

— Ao que me consta, estamos em guerra desde a nossa existência - Disse o homem, com a expressão calma, colocando cápsulas de Egocon na arma  como se fossem munições para derrubar um elefante.

Falou tudo isso sem dirigir o olhar para ela. Seu cigarro queimava rápido pelas rajadas fortes de vento e pelas tragadas constantes do seu usuário.

— Quantos anos você tem? - Gipsy pergunta, agora fitando a Lullaby.

É do seu feitio, misterioso Hunter,  a perguntar  a idade das Lullabys  que abate?

— Sim, eu tenho essa mania. Eu sigo um tipo de pensamento...

— Vai dizer que isso tem a ver com nossos níveis...?

— Hm... mais ou menos isso...

— Eu tenho 185 anos...

— ...

O Hunter abaixou a cabeça novamente. Gira a arma e coloca no coldre de seus intermináveis cintos que se cruzam.

—Tsc, tsc... - suspira o homem - E o seu nome?

— Você parece desapontado... Meu nome é Iuvenis. Perguntar o nome também faz parte?

— Não, o nome geralmente não me importa...

"Que Hunter mais estranho", pensou Iuvenis.  De súbito, tirou seu rifle apoiado no chão e colocou Gipsy em sua mira; começou a falar desenfreadamente:

— O que você veio fazer aqui? Aliás, qual é o seu problema? Eu estou aqui, no meu posto. Nunca te vi mais gordo. Ultimamente, não venho caçando ninguém da sua raça. Eu mal cruzo o caminho de vocês. Por que vem me perturbar?

— Podemos começar com a interferência que a raça de vocês causam na Ressonância...

— Homem! Se der mais um passo, eu juro que atiro!

— Acho que você está muito nervosa - Gipsy tira do bolso um tipo de doce em barra e mastiga cinicamente na frente da criatura.

— Eu acho que você está me subestimando - Iuvenis engatilha o rifle - Eu falo sério, Hunter. Vá embora e me deixe em paz!

"Essa luta não passará desta tarde - pensou o homem - Muito provavelmente eu vou me entediar e ir embora".

Agora, ele argumenta em voz alta:

— De fato, eu não sei o que eu vim fazer aqui, ao certo.

 A Lullaby  não tirou-o da mira. O Hunter assoprou a fumaça do cigarro para o alto. Com ele ainda na boca, abriu os braços e perguntou, sorrindo:

— Então, quem vai começar?

Só o vento ousava mexer os grãos de areia de forma brusca. Nenhum dos dois arriscou fazê-lo. Mas ficar fora de riscos por muito tempo nunca foi o forte de Gipsy:

— Eu começo! - disse o homem, em uma velocidade juntamente com seu corpo mirando a arma na Lullaby, que foi difícil distinguir se a frase saiu primeiro do que o saque da Rudder. Gipsy nunca precisou se esforçar tanto para ter uma boa mira. Quanto à escolha do alvo, isso sempre foi muito questionável...

" Bang!" - O eco assustador do disparo do rifle foi levado as direções diversas daquele inicio de tempestade arenosa. O chapéu de Gipsy caiu. Mas ele sumiu diante dos olhos de Iuvenis sem deixar vestígios:

- Eu... o acertei...?

*********************************************************

Em algum canto daquela área árida sem começo nem fim, à semanas um Hunter específico luta pela sua sobrevivência. Passou as horas, de todos os seus dias, escondendo e sendo achado por Florença, que não desiste do seu grande alvo.

À dias que ataques são trocados.

À dias que Cordas está cada vez mais fraco.

À dias que a Lullaby está levando a melhor.

Florença estava sim, bem ferida, e vez ou outra colocava a mão contra o peito, como se tivesse sido fatalmente atingida. No entanto, estava de pé, com muitos machucados e hematomas; suja de areia.Firme. Implacável.
Cordas, por outro lado, embora estivesse também de pé,  encontrava-se muito mais ferido que Florença. E isto era sem dúvida, o mais trágico nesta cena. Como um Hunter poderia permanecer naquele estado e ainda conseguir lutar?
Ele é apenas um homem. Um ser comum. A raça superior é, sem dúvida, as Lullabys. Isso é constatado desde os primórdios, e ao analisar lutas  como esta. Passou-se semanas e Florença  nem parece que está cansada. Aparentemente Cordas também, mas isso é só uma doce ilusão. Outro Hunter, nesta situação, já teria entregado os pontos! Teria mostrado dor, teria exposto extrema fadiga e teria se entregado novamente. É a tal famosa Recaída  que os Hunters mencionam toda vez que um deles cai na armadilhas de sua algoz.
Quatrocordas, aguentando tudo naquele estado, sem choramingar de dor, é a situação mais triste, porém heroica: Hunters são seres comuns, porém formidáveis. Hunters como Cordas, então,  são além desses elogios.
Todavia...

— Lamentável, Cordas. Admirável e lamentável!

— ...

Florença enaltecia a resistência sobrenatural que o homem exibia. O que ela não queria admitir para si mesma era o fato de não conseguir compreender como hematomas tão escuros, sangue escorrendo  pelas têmporas e cabeça, arranhões sérios e profundos e todos eles  não  forçavam o rival a pronunciar um "ai". Isso tudo, em contrapartida, criava um paradoxo para ela:  era por esses motivos que Florença era tão obsecada por ele.
O silêncio estava de forma homogênea do lado de fora de Cordas. Por dentro, vários nomes e um crescente caos tomava conta de seus pensamentos. Como um exímio observador, conhecia seus amigos, sobretudo Gipsy. Até onde ele mesmo teve seu ultimo contato com o
líder do Deep Sea, sabia como Gipsy estava atualmente.
A vontade de encontrar Gipsy e a frustração aumentava a cada golpe ou tentativa falha de escapar dos ataques de Florença . Todavia, deixar de pensar no amigo era quase impossível. O Hunter de chapéu preto tinha uma áurea misteriosa que atraía pessoas para perto dele, fosse pelos seus defeitos ou qualidades. Isto, a resistência de Quatrocordas não co seguia ir contra. E talvez nem quisesse. Mas pelo amor que sentia pelo amigo, precisava sair dali vivo só para oferecer-lhe a chance de mudar seus pensamentos e pontos de vista diante de uma nova verdade, ainda desconhecida por Gipsy. E, bem, nesta batalha, o amor próprio de Cordas também contava.
O nome de Glasses também ecoava em sua mente. Era outro que precisava rever os conceitos e quem sabe mudar sua realidade perante as Lullabys. E Vanitas...Ah! Estava tão presente a voz deste! Ouvia a voz do colega toda vez que espatifava no chão pelo ataque de Florença:

"Creio que eu não terei tempo..."

Como se tudo isso não bastasse, ainda tinha de lidar com a contagem das três semanas restantes. Seu tempo estava esgotando. E a qualquer momento, enquanto sua mente aos poucos se perdia na febre, Florença podia se transformar no pior pesadelo de um Hunter, e na morte personificado de Cordas.

Foi inevitável. Seus devaneios lhe trouxe um formigamento em meio de tantos flashbacks. Essa dormência, qualquer Hunter uma vez atingido, conhecia muito bem.

Cordas percebeu tarde demais.

Cordas foi atingido no coração...

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