quinta-feira, 26 de junho de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 11: Amizade

Capítulo 11: AMIZADE


Com intervalos quebrados, uma brisa forte parece crescer entre as vielas das casas e despejar-se sobre os dois  Hunters com uma força maior do que quando surgiu na entrada da cidade. Banha-os como ondas invisíveis, não sem antes passar por janelas quebradas testando se ainda fecham e abrem com sua passagem. O balançar de algumas vidraças, não muito comum neste mundo, compõe junto com o vento uma estranha melodia ao vibrarem, quase soltas, em suas respectivas janelas.
Bem acima da cabeça dos Hunters, o efeito que este vento faz nas nuvens é muito mais agressivo: elas são arrastadas com a vontade da natureza, implacável no deserto. Neste momento, são poucos os espaços que sobram no céu para que o Sol permaneça escaldante, como sempre foi.
Entre as nuvens e as vielas com suas janelas, neste  meio encontram-se os grãos de terra e areia, sendo levados e alterados constantemente. Os grãos não possuem raízes. E, tudo que não possui raízes, não morre com facilidade. É persistente, e dá a impressão de estar em todos os lugares.
Greenglasses coloca em seu coldre sua arma de fogo simples. Sabe que disputar tiros com Gipsy seria inútil. Ele então tira do bolso um disco pequeno de metal. Uma espécie de item que se encontra aos montes em ferro-velho. À primeira vista, tem a aparência de uma peça perdida desse lugar, pertencendo a qualquer coisa que tenha tido esse destino esquecido.
Ele joga para frente, e para baixo, girando o pulso, mantendo-o perto do corpo. O pequeno disco de metal cai e flutua a poucos centímetros do chão, sem toca-lo. Só então percebe-se que Glasses está com sua mão direita suspensa, com o dedo indicador apontado para frente. Um pequeno anel colorido e semi-transparente de energia Egocon liga como um fio até o interior do disco de metal. Gipsy particularmente adora essa arma do amigo. Acha-a muito peculiar: é um ioiô.
Glasses posiciona-se para lutar. O Hunter da Lúdica  permanece ainda com sua Rudder  apontada para a cabeça do amigo dominado. O Sol cismou, naquele momento aparecer entre as velozes nuvens que migravam para uma certa direção. Os homens ficaram encarando-se. Tão imóveis que pareciam duas estátuas recém-feitas em uma cidade devastada.
As duas mechas lisas, que compõe a franja, caem à frente do rosto de Greenglasses, e é o que balança com facilidade na brisa que está de passagem. Seu pequeno rabo de cavalo mantém-se firme, estremecendo apenas nas pontas.
Aos poucos, o brilho do Astro-Rei lambe telhados, pilares de madeira e vem descendo lentamente, dando sua cara nos interiores dos barracos sem telhados, revelando como um passe de mágica o pó e os ácaros contidos naquele cenário solitário,antes invisível.
A luz chega comendo as sombras, passando por Gipsy  primeiro, e faz com que a ponta do cano de sua arma brilhe feito prata reluzente, podendo ser avistada de muito longe. Essa mesma luz continua avançando, na direção dos pés do oponente, e não demora para alcançar seu disco que gira veloz e suspenso na altura de suas canelas. Ela passa, subindo em sua figura e, por fim, pelo rosto ensanguentado e seus óculos trincados, ocasionando também um brilho também na sua parte de metal.
A claridade chega no outro lado da praça, e em seguida passa uma outra nuvem, enorme, que não perde tempo em traze-la consigo uma sombra de quem almeja tampar novamente o Sol. Faz exatamente o mesmo caminho que a luz, agora escurecendo o cenário e apagando a estrela que brilhava na Rudder de Gipsy e no Galaxy Wheel de Glasses.
Quando o vento passou por eles e com ele, a nuvem que projetara a sombra até o outro lado da praça, houve os dois segundos mais lentos do mundo. Deu-se a sensação que o tempo parou. A brisa que passara subitamente sessou e parecia não se ouvir nada, nem a respiração dos homens.
Gipsy deu o primeiro tiro, que foi facilmente desviado por Glasses; este logo em seguida arremessa seu ioiô com intensidade e violência. Fazendo esse movimento, seu Galaxy Wheel abre uma grande fenda no chão, rodando de forma mortal na direção do líder da DeepSea...

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Distante dali, duas figuras acabam de tocar o chão novamente após um grande salto: uma das figuras atacava. A outra apenas evitava os ataques.
Belthias está com uma expressão séria, ligeiramente carregada de desdém. Está abraçada em sua Shotgun com o cano duplo virado pra cima, e deles saem fumaça. Quatrocordas sente estar perdendo um precioso tempo, mas tenta não transparecer a pressa que tem de rever os amigos e revelar a verdade.

— Nada mal!... — desdenha  a Lullaby.

— Vamos parar com isso? Você sabe que seus tiros não vão passar de falhas no meu casaco — Argumenta Cordas, apontando para um dos vários tiros de raspão que pegara na sua indumentária já gasta de aventuras e batalhas.

Belthias não muda muito sua expressão. Apenas levanta o cano da arma para cima e engatilha com um tranco seco:

— De raspão, é? Veja bem o seu casaco... ele diz por si só! Logo mais farei um rombo bem onde eu quero e então ele me dirá que você foi atingido fatalmente no coração!

Quatrocordas suspira, impaciente. Seu arfar pesado afasta as pequenas fumaças que saem dos tiros que passaram raspando em seu casaco. Achou que devia  argumentar algumas coisas:

— Observe, criatura! A arma que você é similar a uma Shotgun. Devido a natureza dessa arma, tiros à distância se espalham, facilitando seu objetivo em atingir o alvo. Se nem assim você consegue me acertar de verdade, não acha que já está na hora de tomar seu rumo e procurar  um idiota que adora tomar tiros de uma Lullaby do seu nível?

Belthias desvia o olhar. Por um momento, parece se aborrecer com o que o Hunter disse. Sem encara-lo, e ficando com uma expressão ainda mais fria, pergunta:

— Você está dizendo que, para eu te acertar, só com um tiro à queima-roupa, certo?

— Sim, mas isso será impossível. Apesar de eu ter todo esse tamanho, sou melhor que sua mira e mais rápido que suas balas. Você nunca me acertará com esse nível.

— Ah, vou sim!

Neste momento, a fumaça que sai de cada tiro aparentemente de raspão no casaco de Cordas parece ficar mais denso e, sem perceber, o Hunter inala-a. Sente um mal-estar e suas pernas vacilam em sustentar seu peso. Sua visão começa a ficar distorcida e ele pisca várias vezes para tentar melhora-la. Quatrocordas não compreende o que acontece e Belthias faz questão de explicar:

— Eu sei muito bem sobre o meu nível e reconheço que meus tiros e minha mira não são eficientes. Então, por onde eles passam, ocorre uma reação química, onde libera um gás que dá a sensação de uma...

— ...Forte...embriaguez! — Cordas completa, com dificuldade de falar.

Sua expressão é de dor e incômodo, e o deserto, os grãos e Belthias parecem rodas na sua frente.

— Demorou para fazer efeito...Acho que consegui resolver o problema da sua locomoção, não é, Cordas?— E, se movendo velozmente para frente dele, ela abaixa a arma e encosta no seu peito — Basta agora dar o tiro da vitória! Vou adorar ter um escravo grande e forte como você!

O Hunter sequer conseguiu acompanhar a rapidez do movimento dela . Abaixou os olhos e  olhou para a arma apontada no seu coração:

— Mas que drog...

O tiro ecoou por uma longa distância nesse deserto sem fim...


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Uma fileira de barracos de diversos tamanhos, são destruídos em questão de segundos de forma violenta e seguida, e Gipsy corre por cima dos telhado, para não ser pego pela explosões. O ioiô de Greenglasses choca contra os barracos e os despedaça feito maquete em miniatura. Seu Galaxy Wheel está destruindo tudo que encontra no caminho e o seu tamanho está enorme: suas engrenagens e dispositivos inteligentemente projetados o faz crescer de forma assustadora. E, neste exato momento, está do tamanho de um cômodo grande. Uma verdadeira roda mortífera, com as engrenagens complexas devorando tudo com seus dentes!
Naquela rua, a última casa é despedaçada feito papel e, por pouco, Gipsy não é jogado longe com a destruição. Pulou, alcançando uns quinze metros, virando no ar e disparando contra Glasses, que puxara seu ioiô de volta, agora pequeno  na sua mão, pronto para um novo arremesso. O Galaxy Wheel cresce quando chega perto do alvo.
Greenglasses desvia de um tiro, dois, três, quatro... o próximo ele para com a palma da mão esquerda:

— Gipsy, pára de brincar comigo! Você sabe que o tipo de arma que você carrega não surte efeito em Hunters! Por um acaso está querendo ganhar tempo? Não temos esse luxo!

Gipsy reflete consigo mesmo:

— O efeito do tiro da Lullaby está ainda de forma parcial nele. Mudou o efeito da arma, mas ele ainda está imune aos tiros da Rudder...

— Não acredito, Gipsy! Você está esperando o efeito me tomar por completo pra você me alvejar? Isso... isso é injusto! Não está cumprindo com o que me prometeu! SEU TRAIDOR!

Gipsy chega do salto e, no chão, afasta os pés instintivamente, procurando base para se defender do ataque veloz do ioiô. Seu alcance parece quase sem limites. E seu tamanho cresce à medida que chega perto do alvo escolhido. Está maior devido a energia de devoção à Lullaby que o atingiu.
O movimento que Gipsy precisou fazer, segundo ele, seria difícil de explicar. Sem pensar, sacou a Lúdica da bainha, não totalmente, para tentar parar o disco. Foi o simples e natural instinto de sobrevivência.
As faíscas não paravam de sair do atrito das duas armas que insistiam ocupar o mesmo lugar.

— Isso! Isso! Saque sua espada! Eu te prometi uma boa luta. Você deveria fazer o mesmo!

Tsc! — Resmunga Gipsy —Você deveria ser mais grato! Como também prometi, estou te oferecendo uma boa luta. Mas será apenas uma ÓTIMA batalha que me fará tirar essa belezura da bainha!

Negou-se à tira-la totalmente, mas inclinou o corpo pra frente afim de fazer recuar o ioiô. Este volta prontamente de forma diminuta para a mão de seu dono, muito irritado com o que acabara de ouvir. Cessou a chuva de faíscas.

— Sempre achei sua arma sensacional, mas agora...Ela está Fabulosa! Seria muita pretensão minha ou eu posso afirmar que a arma de um Hunter se torna mágica quando se encontra à favor de uma Lullaby?

— ... Não sei! — Responde Greenglasses impaciente.

— Pena que todo esse poder e efeito não vem originalmente de você, né? Me diz uma coisa: já está pensando muito nela ou o quanto ela está em seus pensamentos?

— Cala a boca, Gipsy! Estamos perdendo tempo aqui! Estou me segurando para não te trucidar e espalhar suas vísceras pelo deserto!

— Nossa, que mau-humor! Olha, não quis te ofender! Sei que a cada minuto ela tem mais e mais controle sobre você. E tu és apenas uma pobre vítima...

— Então cale essa maldita boca, e vamos lutar!

— Como está o seu coração, Glasses? Bate mais forte? Mais rápido, talv...

Uma fenda é aberta no chão levantando uma enorme poeira atrás da roda mortífera que se dirige à Gipsy. Este perde o equilíbrio; estava se concentrando em deixar o amigo furioso. Conseguiu de forma bem mais sucedida do que se preparar para o ataque certo de quem já nem está mais raciocinando.
Conseguiu se jogar para o lado, escapando por pouco do Galaxy Wheel. Deitado no chão, tomado por um certo desespero, sacou novamente a Rudder e atirou umas cinco ou sete vezes no fio de energia que puxava novamente o ioiô para o seu usuário. Atirou, mas nada aconteceu. O Iludido puxa sua arma para sua mão e Gipsy se rasteja com os cotovelos na areia, porém, sem dar as costas para Greenglasses. Suas pernas estão esticadas no chão e o seu tronco  levantado pela ponta dos cotovelos. Agora o Hunter estava a mercê de qualquer ataque do Iludido. Era uma desvantagem crítica!

— É, Gipsy...Me subestimou e agora está aí, jogado ao chão. Por que você não me ouviu, seu desgraçado? Por que chegou tão tarde?

Greenglasses começa a chorar. O sangue de seus ferimentos já está seco, dando-lhe uma aparência ainda mais de um morto-vivo.

— Vou te matar e nem você, nem ninguém poderá  fazer algo a respeito. Me...desculpe...

Em prantos, ele arremessa o ioiô num grito de negação. Lançou-o com tamanho ódio que a fenda que abrira no chão foi maior e mais funda. Os trinta e tantos metros de distância de um Hunter para o outro não era o suficiente para Gipsy ter tempo de levantar.
O Hunter da espada colocou a mão no punho desta e esperou dentro dos milissegundos que a sorte oferecia. Era pegar ou largar. Ele esperou. O fio de energia do ioiô estourou, pelos tiros de outrora da Rudder. A arma de Glasses perdeu o controle, rodando bem mais rápido, porém cambaleante, ainda em linha reta. Gipsy sorriu, sacou a espada, completa e rapidamente e jogou na sua frente, entre as suas pernas, encravada no chão.
Ela parou o ioiô, fazendo uma gigantesca chuva de faísca e um som de serra e metal duelando ferozmente. Enquanto o Iludido tentava compreender o que havia acontecido, o Hunter da espada estranha levantou e saiu da área de perigo, correndo na direção de Glasses. A Lúdica rebateu o Ioiô para cima e, ao cair, afundou uma casa, pelo tamanho que estava. Fez um grande barulho porém diminuiu e ali ficou: trincado, imóvel e inutilizado.
Correndo, Gipsy joga o punho fechado pra trás e diz:

— Finalmente ganhei tempo para que sua energia ficasse misturada com a da Lullaby. Agora parecem melhores meus tiros pra você, maldito?

O soco que Glasses tomou no rosto chacoalhou seu cérebro, fazendo o deserto girar. Antes que pudesse revidar, veio outro soco, agora na boca do estômago, forçando-o ajoelhar. Greenglasses cospe mais sangue e quando recupera o fôlego, fita Gipsy de pé, olhando severamente para ele.
O Hunter Iludido levanta cambaleante e dá de cara com a Rudder apontada na sua cabeça.

—  Ora, ora...Veja: parece que voltamos à cena inicial da nossa luta. —  Gipsy diz ofegante e sarcástico.

—  Grr...Vamos, mate-me! Acaba logo com essa merda!

—  É ruim, hein? Não vou te dar esse gostinho. Mas antes, quero que saiba que estou extremamente desapontado contigo. Achei que tivesse evoluído. Te passei um ou dois truques, te mostrei como se portar diante desses perigos pra eu receber esse presente grego de você. Francamente, Glasses...

Gipsy joga longe a Rudder e vai para cima de Greenglasses, armando mais um golpe. Mas é desta vez que o Iludido freia o ataque jogando areia no rosto do amigo e derrubando-o no chão. Por cima, alterna entre soco direito e soco esquerdo na cara de Gipsy e o sangue começa a vazar de diferentes pontos.

—  Refleti muito depois daquela ligação, Gipsy! O mundo está cada vez mais solitário e resolvi deixarpor algum tempo a ressonância de lado e ouvir um pouco sobre o que meu coração me aconselhava fazer!

Gipsy estava ficando atordoado, mas ouvira bem o que o amigo disse. Conseguiu trocar de lugar com o amigo e descontou da mesma forma no rosto dele:

— Do...que...você está falando?

Greenglasses consegue tirar o Hunter de cima e limpa o sangue que escorre do nariz. Ele continua o raciocínio:

— Fui atrás de você num dia em que não havia ninguém no Q.G. Aquele telefone velho tocou e foi me oferecido uma espécie de trabalho. Não foi me dado valor pelo serviço, porém detalhes de onde essa Lullaby estava. Resolvi aceitar e, no caminho, fui me perguntando algumas coisas. Aliás, nesse exato momento, me pergunto sobre isso...

— Tarde demais para se arrepender, Glasses!

O soco veio do Iludido tão forte etão rápido que a cabeça de Gipsy sentiu a mesma sensação terrível quando apanhou da raiz da Garden de Ward. Ouviu uma confusão de sons que a dor não deixou codificar direito, mas teve a impressão de ouvir o amigo dizer: "mas eu não me arrependo."
Greenglasses levantou o amigo do chão e mais golpes foram dados. Gipsy se defendia como podia, e deu-lhe uma cabeçada que pegou o dono do ioiô desprevenido. Sua cabeça foi pra trás, e Gipsy aproveitou essa quebra de ataques sucessivos de Glasses pra descontar da mesma forma. Enquanto esmurra o amigo, chora.
Ao fim de dois minutos, Greenglasses cai desfalecido e Gipsy, em prantos e desfigurado.

Os movimentos violentos cessaram.
A luta havia acabado.
Glasses não se mexia mais...

Não urrava, não blasfemava. Não destruía mais casas. Não forçava uma batalha.

Agora, ele dormia...

O Hunter caminha, mancado até sua arma e depois até a espada e as guarda. Em seguida, se dirige até a casa esmagada pelo Galaxy Wheel e apanha o ioiô. Ele retorna e pega o amigo no colo. Ambos ensanguentados, ele segue de volta para o Q.G.:

— Vou cuidar de você em nome da nossa amizade. Prometo que acharei um jeito de te trazer de volta. Por enquanto, durma bem e tenha ótimos sonhos...

E, ao caminhar, ainda murmura:

— Obrigado, Glasses. Isso, com certeza, foi uma ótima luta...








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