Capítulo 1: ITER
4 Meses atrás...Para longas viagens, ele sempre veste o seu chapéu preto. Nunca se sabe quando entrará em ação. Caçador habilidoso, vive improvisando, mesmo saindo preparado para adversidades. Seus olhos fitam a si mesmo na frente do que sobrou de um lindo espelho. Desta vez usa uma blusa apertada no corpo e solta nos braços e nas mangas. Se encontra dentro de um barraco de madeira, cheio de pó e areia, com seus móveis devidamente organizados em seu canto e seus objetos devidamente desorganizados por todo lugar. Um dos seus pés demonstrava uma inquietação interior, batendo a bota negra cheia de fivelas naquele assoalho podre de madeira.
Quatrocordas o observava, de pé, no quarto daquela bagunça espaçosa:
— Nervoso com a viagem?
— ...
—Vai dar tudo certo. Mas daqui pra frente, terá de ser ainda mais forte!
Gipsy ainda se fitava no espelho. Queria responder de imediato ao amigo, mas as palavras fugiam de sua mente. Pegou sua insignia e colocou na copa, do lado direito do seu chapéu.
— Além do que irá fazer nesta viagem, pretende caçar também?
—Não sei — Finalmente Gipsy conseguiu dizer algo, seguido de dúvida: "Por que?"
— Está levando sua Midnight Sun — Quatrocordas aponta para o broche no chapéu do parceiro, enquanto abre uma garrafa de Sand Beer na quina da mesa. Gipsy continua olhando-se no espelho, entretanto parou de bater o pé. Enquanto isso, o amigo continua:
— Se não pretende caçar, coisa que eu acho difícil, por que leva a insignia consigo? É pra chamar brigas ou evita-las?
— Costume. Apenas isso.
— Você é um convencido! Mas tem esse direito, senão jamais seria portador desse broche. Ah, como meu amigo é demais!
— Vai se ferrar, Quatrocordas! Você sabe que eu não sou ninguém sem vocês. Sem o DeepSea...
— Você é o que você é, independente de nós ou do grupo de Hunters.
— Porém minhas caças são geralmente solitárias e sozinhas. E faço uso do Egocom o que eu bem entender. Mas, de alguma forma, vocês me dão força...
— Sim, cada um coleciona o Egocom e e administra da forma que achar mais conveniente. E é ótimo sabermos que somos útil a ti. Você precisará muito dessa força daqui pra frente.
Gipsy fica pensativo. Por fim, desabafa:
— Com tanta coisa que se pode criar a partir dessa energia do Egocom, o que passamos dia após dia pra consegui-la, e ainda não parece diretamente suficiente pra salvar alguém...
Instala-se um silêncio. Resquícios do ranger da madeira do assoalho inicia um novo assunto entre os dois Hunters. O ato repentino é iniciado por Gipsy:
— Onde diabos se meteu Greenglasses? Só queria avisa-lo que estaremos fora esses dias e se ele poderia ficar de olho aqui no Q.G. ...
— Nada sei sobre o diabo, mas se quiser saber do Glasses, ele está vindo ai — Disse Quatrocordas, espiando despretensiosamente a janela, segurando com sua gigantesca mão esquerda a garrafa que já estava no fim.
Greenglasses foi entrando no Q.G. e prontamente os cumprimentou de forma educada:
— Boa noite, senhores, como vocês est...? Ué, o que é isso? Malas? Pra onde vamos?
— Não sei pra onde você vai, mas eu vou ficar fora esses dias. Quatrocordas irá me acompanhar. Teria como você ficar sob vigília até eu voltar?
— Ahm, sim, claro... Sem problemas! — Responde Glasses.— Mas quantos mantimentos! Vai ficar fora um mês?
— Não é pra mim — Diz Gipsy, enquanto amarra as trouxas de suprimentos.
— E pretendem irem andando com isso? Vocês não irão muito longe se carregarem isso sozinhos e...
— Iremos de Train Oasis...
De novo, um novo silêncio. Desta vez, constrangedor. Quatrocordas e Gipsy entreolham-se esperando qualquer reação de GreenGlasses. Poderia ter sido pior: ele levantou as duas sobrancelhas, afirmou com a cabeça, mas logo em seguida fechou a cara, cruzou os braços e ficou com os olhos perdidos. Disse apenas: "Divirtam-se!". O homem de chapéu preto voltou-se para as sacolas e malas e fez uma contagem regressiva de três à zero, mentalmente. Ao término dessa, Glasses começa com as perguntas:
— Muito bem, muito bem...E que horas vão?
— Daqui a pouco.
— Vocês "negociaram" a passagem?
— Não, iremos de forma clandestina assim que o trem passar.
— Ela passará aqui?
— Não, sabemos por onde seu trem irá cruzar. É perto daqui...
— E você pretende, sei lá, ir até a cabine da maquinista pra...
— Glasses, me ajuda aqui com isso? — Adianta Quatrocordas, quebrando o diálogo entre ele e Gipsy, e jogando uma mala pesada nos braços de Glasses.
— Não tenho intenções de enfrenta-la. — Responde finalmente o moço de chapéu preto.
— Ah, vá, Gipsy! Até parece que, se ela quiser duelar contigo, você irá recusar? Te conheço: vai atacar sem dó nem piedade!
— Farei com que a Lullaby nem perceba a minha presença. — Gipsy diz após um grande suspiro, erguendo as sacolas no alto do peito, indo em direção à porta. — Me ajuda aqui, Glasses!
Os três partem e caminham uns vinte minutos pela área do extenso deserto. Já é noite e as estrelas são os destaques do céu azul turquesa que faz um lindo degradê de seus tons mais claros no horizonte. Gipsy pára e diz:
— É aqui. Se meus cálculos não estiverem errados, hoje a máquina infernal Train Oasis passará por esse ponto, dando às costas neste lugar, onde laçaremos um dos vagões e conseguiremos nossa carona gratuita. Para isso, precisamos nos esconder atrás daquele amontoado de rochas e laça-lo assim que virar para o Sul...
O homem de chapéu preto ouve o atrito de passos se distanciando. Vira para trás e percebe que Greenglasses já está indo embora, e nem fez questão de prestar atenção no plano mirabolante.
— Não vai esperar a gente partir? — Pergunta Quatrocordas.
— Não mesmo! Não tenho estômago ainda pra encarar aqueles faróis, tampouco a maquinista.
Gipsy dá de ombros:
— Você é quem sabe.
Seguindo o caminho de volta, e sem se virar para os dois homens com as bagagens, Glasses diz:
— Mande meu "olá" para ela, caso você resolva caça-la!
Gipsy e Quatrocordas não souberam dizer se havia sido um comentário irônico ou não...
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O trem, como o moço do chapéu mesmo disse, passou por ali perto, levantando uma grande poeira no deserto. Vira-se de costas e segue para o horizonte ainda iluminado pelo Sol insistente. Os dois trataram de lançar seus equipamentos no instante que a máquina virou e, por pouco, suas cordas quase não alcançam o vagão.
Deslizar pelo deserto agarrado ao trem por cordas e ganchos trouxe à Gipsy uma sensação momentânea de felicidade e adrenalina. Porém, foi só subir no topo do vagão que sua mente entrou novamente em estado de profunda reflexão.
Quatrocordas sorria sutilmente, compreensivo por parecer saber o que se passava na mente do seu colega...
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