quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sob pressão, A Criação

Estava aqui, mexendo em algumas coisas durante esses dias e acabei encontrando uma antiga redação. Na ocasião eu estava fazendo um cursinho (muito ruim) afim de me preparar e entrar numa faculdade. Não posso reclamar muito do curso pois, assim como ele mesmo, minha vontade na época de cursar uma era bem pequena, leviana e não iria longe com aquilo.
Em uma das aulas desse curso, havia a disciplina de Português e naquele dia a professora pediu uma redação.
Eu olhei para o lado e logo vi pessoas torcendo o nariz, se apavorando e cerrando os dentes. Apenas eu abri um sorriso de orelha a orelha, me garantindo no que eu mais gostava de fazer durante minha vida na escola, fora as aulas de Artes!
Sorri, levemente e sutilmente sarcástico, girando a caneta na mão só esperando a professora dar um tema. não havia nada, naquela época, que eu não conseguisse escrever: estava antenado com muita coisa. E não esperava um nível absurdo dentro daquele cursinho. Inclinei o peito para frente. Me estiquei e me preparei para o que a professora iria pedir.
Eis que, para a minha surpresa, ela diz para a sala:
"O tema da redação de hoje é 'Minha vida no futuro'. Vocês imaginarão como será a vida de vocês no futuro, em uma idade bem avançada e refletirá tudo que passou. Então, contará na redação o que vocês lembraram e o que achou do caminho que percorreu até aquele dia. 'valeu a pena, o sacrifício? Estão felizes?' Essas coisas..."
O meu sorriso desapareceu na mesma hora, porém foi engraçado, porque ele se fora lento.Gradativamente. Ou melhor dizendo: DECRESCIDAMENTE!
Quem estava do meu lado ou mesmo  na minha frente, fez questão de se virar, pra ver se ainda encontrava em mim toda aquela confiança.
Não.
Não encontrava.
Nunca, na minha minha história escolar, tinha travado num tema de redação.
Era a minha primeira vez. Dolorida. E o orgulho gritava.
fiquei mais de meia hora, só olhando pra porcaria do tema. E por que diabos eu não conseguia desenvolver esse tema?
Simples: sou daqueles que acreditava que morreria jovem ou,  não sendo muito dramático, antes da 3ª idade.
Acho que de lá para cá não mudei muito esse meu ponto de vista. Mas não é o que eu quero discutir agora...
Houve, de repente, um impulso por conta de uma ideia que surgira na cabeça. Encarava-a como a única maneira de conseguir, ainda sem total certeza, a fazer a bendita redação.
Levantei e me dirigi à professora, no mesmo instante em que via, ao meu redor, pessoas que de-tes-ta-vam redação,e a desenvolviam com total atenção e empenho.
Por fim, argumentei a verdade para a educadora: eu não conseguia pensar nisso. Não adiantava. Não via um futuro distante. Não tinha tantos sonhos. Sempre considerei a vida um mistério e difícil de prever. Não
tinha esperanças de chegar velhinho, lá na frente. E perguntei se eu podia me colocar na pele de outra pessoa.

Ela achou o pedido estranho e, a princípio, não havia entendido. Eu expliquei de novo, sem graça mas falando muito sério, que, para eu fazer a redação, eu teria de me colocar no "papel" de outra pessoa.
Ela deu de ombros e disse que tudo bem.

Voltei e sentei.  Todos estavam se divertindo, em termos, com a redação.
E daí fui jogado num cenário totalmente diferente. Aos poucos meu corpo entrava dentro de um outro. Mais debilitado. Com angustias. E uma saudade que em breve seria eliminada. Eis a Redação.

( Originalmente escrita em 17 de março de 2006)


O ponto final de uma vida

A televisão, ligada num volume razoável devido a minha audição já não ser como a de antigamente, não me entretém mais. Sinto que a cada dia que passa, venho me desprendendo das coisas materiais. Pensando bem, já me desprendi faz tempo.
Essa poltrona verde é a minha favorita. Acho que é apenas dela que eu sentirei falta quando partir hoje a noite. Esse quartinho de empregada no qual me encontro neste exato momento, nas províncias de um bairro pobre, me acolheu por demais. Não posso reclamar. Depois que te perdi, comecei a ver as coisas de outro jeito. Estou até hoje com esse pensamento.
Enquanto eu escrevo nesse bloquinho de anotações, observando a mesinha embaixo da escada. em cima da mesa está o seu vaso preferido: carreguei-o comigo até os dias de hoje. É incrível como não consigo me livrar de pequenas coisas, mas posso dizer que estou feliz, pois você me fez abrir os olhos...
Por outro lado, meu físico piorou. Você verá que eu estou muito gordo. Minha diabete agravou devido a depressão que ainda carrego pela ausência da pessoa que eu amo. Esses meus suspensórios  já estão quase arrebentando, e o dinheiro da aposentadoria só cai na conta daqui uma semana. vou deixar minha humilde quantia para o banco.
Eu sou um guerreiro, apesar de tantos problemas: meus filhos do primeiro casamento nem lembram que eu existo; a descriminação por eu ser idoso e por não ter um braço.
Não estou reclamando, afinal, sacrifiquei-o para te salvar do acidente. Foi uma pena que não consegui.
Agora olho para trás e vejo que tudo está no devido lugar. tenho certeza que fiz tudo e cumpri com a minha presença neste mundo. se eu tivesse que passar por isso de novo, eu o faria sem mudar nada.
Preciso fazer minha última refeição. A vizinha do cinquenta e quatro me trouxe comida enlatada da cesta básica extra que ela ganha. A luz da sala é muito fraca: meus olhos começam a doer, mesmo de óculos.
Queimarei essa folha de desabafo logo em seguida.
E vou lhe esperar na cama, porque sinto que esta noite você virá me buscar. Já começo a sentir o seu perfume.
Muito obrigado pela minha vida, e muito obrigado por me fazer sentir vivo até o dia em que a morte nos separou. 
Porque esta noite ela nos unirá novamente.


Quanta depressão!!!!!!
Muito dramática, confesso, para uma redação com um tema bem simples.
Mas, levando em consideração muitas coisas, eu afirmo que consigo sim, do meu jeito, me colocar no lugar de outras pessoas.

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