Era uma manhã quente. Dentro e fora, havia um calor onde o dia prometia seguir sua louco estado de estação insana que se aproxima cinicamente pelo calendário. Dentro, além dos 27 graus normais, o calor aumentava a medida que sentia o perfume do café tomando o ambiente, e o cálculo distante da quantidade necessária para enfrentar um gigante de 9 de largura por 10 de horas.
Aquele se sentava habitualmente à mesa. Gozava daqueles poucos minutos livres que tinha para se alimentar na manhã já estranhamente quente naquele horário. Não completamente: havia sido treinado para antecipar os momentos de stress e responsabilidades, homogêneos, invasores daqueles minutinhos de paz.
Os ombros já curvavam para frente, exaustos, só de pensar em salvações mirabolantes. Havia algumas responsabilidades infantis em jogo. E que deveriam entrar em cena, de qualquer jeito.
Eis que aquele homem, logo após receber uma xícara de café de uma amiga de trabalho, se depara, ao abrir seu jornal, um artigo sobre "Ser dono de seu próprio destino". A vítima não existia, segundo ele, pois é o próprio ser que se coloca nessa posição. Mas ele não teve tempo de refletir pois, naquele exato momento, faltando muito para terminar de ler o trecho, entra no ambiente, inusitado, uma criança do local.
Elas sabem que devem ficar num determinado lugar a espera de professores para guia-las às respectivas atividades.
Essa criança, talvez por ter sido cativada, ou ser cativante, se dirigiu ao homem afim de contar algo. Para cruzar o enorme corredor, só poderia ser alguma coisa que parece não se encaixar no mundo pequenino que hoje é comum ter a pré-disposição de ser mesquinho: "ele ou ela me bateu!; ele/ela disse isso ou fez aquilo". Coisas do tipo,sabe?
O homem recebeu-a com um olhar curioso e ao mesmo tempo severo.Ela veio, meio sem graça, eufórica, daquele jeito de menina da infância e, estranhamente, perguntou:
"- Tio, olhando para mim, você saberia dizer se aconteceu algo de ruim comigo?"
Era um desafio e tanto para ele, que tinha sido recebido com os movimentos certos em sua direção e descompassados quando perguntaram. Cerrou bem os olhos, fazendo graça, analisou por um instante e fez um longo "huumm" enquanto tentava refletir sobre o que acabara de ouvir.
"- É uma pergunta curiosa nesta hora do dia, mocinha. Olhando para você, me parece a senhorita está muito bem."
A pergunta era misteriosa. Ele se incomodou profundamente com isso. Mas sabia que em segundos descobriria a verdade:
"- Você está inteira, creio eu. O que poderia ter acontecido com você?"
"-Não, tio. Não foi comigo."
O pensamento do moço voou veloz para alguém da família dela. Alguma discussão, ou acidente. Mas era tão obvio, que o homem foi incapaz de pensar que a criança teria de relatar e lidar com isso. A amiga de todos:
"- Meu cachorro, tio..."- As lágrimas surgem feito mágica de uma criatura maldosa-"...Ele morreu!"
Ali, na frente do homem, havia uma criança desolada. Precisava de um abraço. Precisava entender e lidar com isso. Não achava justo acontecer bem embaixo do teto dela. Não há nada mais triste do que lágrimas de um pequeno rosto precisando de afeto e explicações simples, tão mágicas quanto a natureza colorida de alegrias de qualquer criança.
O homem, mais tarde, reconhecera que naquele momento não enxergou o invisível. Olhos apressados e o seu nariz com medo de respirar os minutos divinos da vida não permitiram que ele enxergasse com outros olhos. Se arrependera de ter lançado o olhar severo de outrora. Mas naquele momento, ele foi atingido em cheio por uma força que cessou o stress, matando-o. Aniquilou tudo, inclusive o homem. Abriu um canal que forçava a liberta-lo do que angustiava. Da sensação de impotência. Tão atordoante o golpe que não sabia se tinha abraçado a menina pelo impacto gigantesco e, desesperado, suplicava não colar o corpo no chão, ou se não tinha coragem de encarar aquele rosto que sofria, e vendo sofrer, abraçaria, tendo a plena certeza que assim absorveria a dor e sofreria bem mais. E ele sofreu.
Ele, chorando sem fazer barulho, manteve-se muito mais homem. Um gigante divino tomou suas palavras e lançou, calmamente, baixo, uma verdade que carrega no peito para suportar as mortes. TODAS! Enquanto a suas lágrimas jorravam o mais sincero pensamento de um passado semelhante, o som da voz era direto, reto e suave.
O conselho, de algum modo ,tranquilizou o coração da menina. Mas não para sempre. Por isso que existe o Deus do Tempo. Ele sabe lidar melhor do que ninguém com o coração dos homens.
Ela se virou e retornou ao corredor, agradecida. E o homem, encarou fixo o jornal. O café. Não era mais um homem. Era uma criança triste. Abraçada em si própria, tentando resgatar as experiencias que aprendeu no futuro. Perdeu tanta coisa. A morte, seja fosse qual fosse sua fantasia, sempre levava embora. Ali se via chorando por qualquer coisa, inocente, ingenuo, porém REAL! VERDADEIRO!
Encarava as paredes brancas e refletia a o que o mundo fez com ele.
Levantou, e pegou a passagem do corredor. Cada passo era uma lembrança de uma perda. De uma lágrima que não sabia lidar, conter. E que hoje parece entender como funcionava, mas com vergonha de ter se tornado o que se tornou: desumano por não ser mais assim.
...Até que parou, e refletiu que ainda era capaz de chorar por coisas simples.
Ao fim do corredor, era novamente um homem, iniciando seu dia.
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