quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Short Novel - Heróis de Areia ~ Capítulo 18: Teimosia



Capítulo 18: TEIMOSIA


A visão aérea, ora desfocada, ora não, apresenta uma parte do deserto totalmente devastada. Apenas um Hunter era capaz de realizar tamanho estrago. Era membro do Deep Sea, embora o líder deste grupo não tivesse mais tanta certeza da existência deste, tampouco se ainda era líder de algo.
O corpo em primeiro plano, que desfocava o cenário atrás para quem observa, caia lentamente, de muito alto: isento de movimentos que o pudessem salvar de despencar de cabeça para baixo. Os tímpanos deste corpo não ouvia o vento, nem a explosão de pétalas que sucedera antes de forçar a vira-lo no ar. Era um zumbido que trazia um silêncio enlouquecedor.
De repente, ouviu-se timbres, explosões, atritos, pequenos gemidos e algumas falas de semanas atrás. Obra das memórias...
Morros sendo despedaçados. Dunas de areia perdendo seu formato. Impacto de ataques e defesas entre tiros, chutes e armas.
Muitas cenas passavam. E, a cada mudança, fazia com um barulho na mente de Cordas que  só ele podia ouvir.
Florença chegou primeiro ao chão. Enquanto seu cabelo esvoaçava pela sua aterrissagem firme, tudo parecia ter ficado extremamente lento. Quatrocordas despencava à lentidão descomunal de seu raciocínio. Aos poucos, as duas armas brancas foram deslizando da suas mãos, soltando-se pacientemente delas: maça-estrela e machado.
Com o corpo levemente curvado para trás, Cordas sente suas memórias passarem como um manto por seus olhos que já estão começando a ficar cegos.
 Antes de entrar em contato com o chão, uma lembrança específica, de muito tempo atrás, o isenta da dor final contra a areia...

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 Cordas, como se sente?

 ...Ainda sob o efeito... Normal. Levará tempo para eu  me curar completamente.

 Lightning era tão poderosa assim?

O silêncio deu a resposta de Cordas para a pergunta idiota que Gipsy acabara de fazer. A Lullaby havia,na ocasião, achado uma microscópica brecha naquela muralha incompleta, fazendo mais uma vítima, durante um período, na face do deserto.
Agora era tudo questão de tempo. E tudo normalizaria...

 Você... hm... precisa se distrair... Vamos lá, hoje a noite comemoraremos a vitória de um grupo de  Hunters sobre uma horda de Lullabys! Será no velho acampamento escondido TwoCanons.- Convidou Gipsy.

Tudo bem. Irei.Aceita Cordas.

— Agora, vamos conversar sério! Cordas, eu estou preocupado com você, amigo!...

— Já te falei, Gipsy, só preciso de tempo para...

— ...Eu me refiro a usar armas de fogo, Cord...

—  E também já disse que não tenho paciência com essas merdas! — Disse Cordas num sobressalto, levantando uma das mãos sobre a cabeça, com a palma para frente, impaciente.

—  Cordas, é para o seu próprio bem. — Argumenta Gipsy com cautela.

—  Adoraria dar uns pipocos em você, pra te provar que eu sou bom em miras, alvos e luta à distância, mas vou errar todos os tiros!...

— Idiota! Podemos começar com umas miras mais fáceis: latas em cima de cactus e cercas. Mas, primeiramente, teremos de ir até um conhecido meu que vende todos os tipos de armas de fogo contra Lullabys. Escolha as que mais te agradar e treinaremos um pouco. Não custa...

— Tá, Tá! Vamos buscar essas porcarias pra eu errar os disparos e acertar os corvos no céu! — Cordas levanta de súbito da cadeira no antigo quartel general dos Hunters, muito antes da origem do Deep Sea surgir.

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— Muito bem, Cordas. Ali estão as latas em cima das cercas e dos cactus. Ninguém vai nos incomodar aqui nos fundos do barraco. Treine os tiros.

"Lembro-me que Gipsy tentava, com sua maldita teimosia, ensinar-me a atirar. Nunca gostei muito de armas de fogo ou armas brancas. Sempre curti usar os punhos e tretar a noite toda. Mas meus punhos pesados eram apenas eficientes em brigas de bar; apenas contra Hunters folgados que precisavam situarem em sua miserável existência ao invés de importunar os outros com maluquices. Contra as Lullabys, era praticamente impossível: jamais eram acertadas! Desviavam como se fossem peixes ariscos embaixo d´água. Acho que o ar em volta delas carregava a explicação dessa facilidade...
Entretanto, o Machado foi amor à primeira vista. Percebi que gostava de lutar próximo ao perigo. Tinha mais controle da luta mantendo o inimigo perto de mim do que atirando à distancia. Não sei, as armas de fogo podem ser grandes ou pequenas, tanto faz: não gostam de mim, acho. Me expulsam, todas juntas, para longe. Longe de seus pequenos gatilhos, longe de meus dedos  e mãos enormes em comparação à eles."

Primeiro tiro - Gipsy: — "Não."

Segundo tiro - Gipsy: — "Não."

Terceiro tiro - Gipsy: — "Não...Hey! Cuidado comigo, Cordas! Quase me matou!!!"

— "Deixa de ser dramático. Esses tiros não fazem merda nenhuma em Hunters!"

Quarto tiro - Gipsy: — " ...Tô achando que você quer me acertar de propósito..."

Quinto tiro * Corvejar de um corvo acertado ao longe* - Gipsy: — "..."

Sexto, sétimo, décimo terceiro, vigésimo sétimo, quinquagésimo nono tiro - Gipsy: — "...Er...não..."

— Chega! Tó essa merda! Não levo jeito pra isso!

—  Cordas, volta aqui!...

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—  Só se liga nesta belezura, Cordas!

—  Pfff... Não acredito que você está levando esta....gerigonça pra comemoração. Eu não vou praticar essa droga lá!!!

—  Olha, a gente nunca sabe. Mas eu peguei com um conhecido meu, agora, a caminho da festa. Não dá pra voltar agora e devolver, estamos atrasados.

—  Ah, vá! Então joga essa porra ai no chão e vamos! Tsc, te conheço, humph!
Mas...mas essa coisa tem quatro gatilhos??? Isso é uma aberração!!!!!!!!!!!

—  Sim, é um gatilho em cima do outro! Bem, não sei... Quem sabe eles não respondam melhor na sua mão...Você sabe, cada dedo em cada gatilh...

— Como você é teimoso, Gipsy! NÃO-VOU-USAR-ESSA-MERDA!

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— Meu, demais esse lugar, Gipsy!

— Sim, esses gigantescos canhões antigos roubam a cena do lugar: cruzados e imponentes...

—  Você consegue imaginar de que época eles poderiam ser?

—  Não faço ideia. Eles e todas essas estruturas antigas escondem histórias tão antigas que nem podemos imaginar. Com essas luzes então, eles se tornam espetaculares! As vezes, Cordas, me perco em pensamentos... Sobre as luzes e sobre o que aconteceu bem antes de nós...

— Xiiii.... já vai filosofar com duas garrafas de Sand Beer? Você já foi mais forte, Gipsy; a festa ainda nem começou. Esta noite os Hunters estão animados. E hoje quero ficar louco! Espero que me acompanhe!

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Voz na multidão: — "Luuuuullaaaaabyyys!!!!!"

— Cadê o Gipsy...? Hic! Putamerda! Bebi demais! São muitas! E os Hunters não param de se movimentar! Deste jeito não consigo localiza-lo!

*Buuummm!*

— Noss...Hic! Nossa! Essa foi por pouco! Gipsy! GIPSY!! Cadê você? Malditas Lullabys! Nos surpreendendo pelos céus! Desgraçadas!!!

*Rátáááááááááááááááááááááá...*

*Cabuuummmm*

Daqui eu não consigo vê-lo nessa confusão toda! Mesmo sendo alto....Tsc! Vou ter de subir naquel...Hic!...Naquele palco para enxergar melhor!

"E foi o que eu fiz. Havia tantos Hunters naquele acampamento... As Lullabys chegaram sem prévio aviso: vieram aos montes, muitos pelo ar e outras por debaixo da terra. Mas era impossível nos achar aqui... Os homens já estavam bêbados o suficientes para facilitar ainda mais a vitória  das criaturas!
Quando subi no palco, Avistei Gipsy ao longe. Como sempre, ficava embriagado fácil, e pulava de cabeça num grupo de Lullabys. Sempre inconsequente. Teimoso. Um orgulho cego. Mas ali, naquele momento, não dava: não tinha como ele escapar! Estava cercado. Gipsy sorria de canto de boca, e era o próprio orgulho dele que o mantinha de pé. Entorpecido pelas bebidas variadas, não tinha a menor chance. Mas ainda sim sorria...
Eu via tudo girando. Algumas explosões próximas tentaram acordar-me da própria embriaguez, mas a força com a qual eu usava para as criaturas perto de mim com meu machado encharcado de Egocon faltava-me oxigênio, deixando-me ainda mais bêbado.
Gipsy acertaria uma ou duas. Daquela distância, eu também, porém apenas uma com meu machado. Outra, talvez, com a maça. Porra, depois disso como eu me defenderia? Minhas armas não voltam magicamente para às minhas mãos...
No meio da embriaguez, refleti porque desejei tornar-me forte. cresci com uma força descomunal. Resistência fui ganhando conforme escalava as inúmeras arvores da minha Garden. Ganhei também principalmente com as Quedas. Gostaria que Gipsy entendesse isso... E agora?
De longe, daqui, vi de relance o cigarro acesso no sorriso dele. Poxa, ele está mesmo bêbado!...
Joguei minha atenção para o lado, como se alguém estivesse próximo à mim; foi apenas impressão. Entretanto, vi, encostada e girando, no canto do palco, aquela coisa que Gipsy trouxe. Tudo girava ainda mais.
Lembro-me de instintivamente guardar a Morning Star enquanto o pandemônio bailava, girando até o céu para a sua dança com teor alcoólico. Apanhei aquela arma que Gipsy trouxe e amarrei alguns fios de aço que estavam no chão...e..."

Uma chuva de Lullabys despencavam dos céus, silenciadas; Aquelas que estavam cercando Gipsy, tombaram antes mesmo do mesmo atirar. Este levantou uma sobrancelha e fez bico, não compreendendo o pouco que ainda conseguia. O cigarro até apontou para baixo.
Ele olhou para o lado e viu o show vindo do palco. Cordas estava lá, com algo extremamente grande nas mãos. Seu machado estava com o seu cabo voltado para frente, apontado para as Lullabys do qual mirava. Na ponta do cabo, estava presa por alguns fios a arma que Gipsy trouxe para a festa. E quatro fios de aço estavam ligado a cada gatilho da geringonça, presos à lamina do machado na outra extremidade. A cada puxada nos fios, um gatilho disparava, de forma certeira, as Lullabys. Aquele era o momento de Quatrocordas: O Céu & O Inferno era dele!
Os olhos de Gipsy encheram-se! Este foi correndo até o palco, cambaleante, bêbado, dando às costas pro perigo. Cordas, de cima, viu Gipsy aproximando-se e entreolharam-se sorrindo. O Hunter de chapéu preto virou-se novamente para a área de batalha e, antes de disparar seus tiros junto com Cordas, contemplou as Lullabys caindo pelo Hunter que as acertava em cima do palco. O Hunter alto fazia seu show na parte superior e Gipsy limpava a platéia de Lullabys que aproximava-se velozmente.
De súbito, Gipsy parou de atirar. Girou e guardou a arma no coldre. Ainda sobrara umas cinco, que vieram voando perto do chão. Sem se virar para Cordas, que empunhava seu machado como um instrumento de música, disse:

— Cordas, essas eu vou deixar passar. Só pra você!...

— Tsc, como quiser!

Elas ignoravam o Hunter bêbado que estava em pé, no chão e voaram em direção ao grande caçador. Os tiros que alvejavam os alvos e explodiam em luzes verdes por culpa do Egocon, garantia um show de efeitos especiais. Gipsy ainda permanecia de costas para o amigo. Abriu os braços e sorriu, diabolicamente. Seu chapéu conferia-lhe uma fantasmagórica sombra em todo o seu rosto, deixando em evidencia apenas o sorriso e o cigarro. O efeito dos tiros em cima do palco lançava rajadas de ventos e pequenas explosões, balançando toda a sua roupa e cintos. Por fim, sussurrou:

— ...Porque o show deve continuar!

Quando cessaram os disparos, Gipsy virou-se e subiu no palco. Não acreditara no que vira:

— Cordas! Você usou a arma de fogo que eu lhe trouxe! Você foi....simplesmente espetacular! Prendeu junto ao seu machado...

O grande Hunter esboçou um pequeno sorriso para o amigo, mas logo em seguida exibiu uma pequena raiva e, com a mão esquerda, desprendeu a arma no machado, quebrando-as em pedaços com o puxão que deu e estourando os fios, deixando o machado livre daquele ´parasita´. Gipsy assustou-se:

— Ma...mas o que você está fazendo? Enlouqueceu?

—  Não leva a mal não, mas descobri que assim fica muito fácil. Perdeu a graça! —  Cordas abriu um grande sorriso.

— Cordas, você é... muito teimoso! — divertiu-se Gipsy.

—  Agora, me arruma um cigarro aí, Gipsy, porque eu tô muito louco!

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O céu, pintado de estrelas, carregava um Azul Royal em harmonioso degradê até o tom mais escuro, sem uma lua nesta noite. Fumaça. Destroços. Silêncio, não fosse pilhas e pilhas de objetos pegando fogo ou aparelhos quebrados piscando com muito custo com suas luzes de Egocon. Sem isso, daria apenas para ouvir o sutil estalar do cigarro dos dois únicos Hunters sobreviventes, em cima do palco. Curtiam, vagarosamente e com muito prazer, seu respectivo fumo. Ao final, Cordas sussurrou:

—  Gipsy...

— Sim...? — Gipsy volta para o amigo.

Uma luz pálida e fria perpassa do ombro direito ao rim esquerdo de Gipsy, abrindo um enorme talha no tórax.
Escuta-se claramente a pele sendo dividida e o sangue agitado em sair pela extrema fenda. O machado para seu caminho ao passar verticalmente no corpo de Gipsy, já molhado de sangue. Respingos pintam a cara e a roupa de Cordas, que mantém uma expressão severa e assustadora. O Hunter de chapéu preto deixa sua bituca cair da boca ao tentar pronunciar:

— C-Cordas...por...que...f-fez... is-isso?

Caiu no chão, espatifando as costas, praticamente morto.

— Nada pessoal, Gipsy, mas aqui, somos inimigos!...


                                                                                                Fim da Segunda Temporada.





quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Short Novel- Heróis de Areia ~ Capítulo 17: Alpha & Ômega



Capítulo 17: ALPHA & ÔMEGA



 Uma névoa espessa e nociva espalhava ao redor, por toda a paisagem. Para aquelas vidas que moram na vastidão daquele lugar, era tão claro quanto a rara água que uma tempestade realmente se aproximava. Isso fazia com que o cigarro de Gipsy, em seus momentos finais, despedia-se daquela boca, cercada por uma barba-por-fazer, áspera, cinza e grossa. O Hunter já exibiu jovialidade e aparência melhores.
A brasa desliza para o seu fim; transforma o cigarro em uma bituca. Sem tirar os olhos da  Lullaby, Gipsy cospe para o lado o filtro do seu fumo, inclinando a cabeça um pouco para a direita. Acabara de lembrar que havia sido estúpido em ter parado de fumar no passado, e silenciosamente deliciava-se na paz que aquele abençoado cigarro lhe promovia. O prazer em doses homeopáticas do abraço da Morte.
O Hunter volta o rosto completo para a criatura. Um longo tempo se estende entre os dois. A Lullaby tira seu grande rifle, que apoiara no ombro, e encostas a coronha no chão. Sua arma é quase do tamanho dela. Como uma boa Sniper, ela apresenta suas dimensões de forma bela e comprida. Os seus respectivos detalhes a torna ainda mais peculiar e temerosa, embora esse rifle transpareça uma visão sutil dele mesmo.
O homem começou:

— Oi...

— ...Er...oi...

Uma dúvida começou a crescer na mente da Lullaby. Primeiro, todo Hunter que se preze sabe que aquela área onde os dois se encontravam servia de esconderijos para as Lullabys viajantes. Segundo, a instabilidade do tempo dava ainda mais vantagens para elas; um caçador sozinho simplesmente se expondo neste lugar era um suicídio. Terceiro,  a situação  tornava-se ainda mais absurda sabendo que aquela insígnia no chapéu lhe garantia o nível de Alone Howl , o que ficava claro que aquele homem não chegou até alí por falta de experiência ou ignorância heróica.  Quarto, e talvez o mais estranho: a polida e verdadeira educação do Hunter em cumprimentá-la. Onde estaria a chuva de tiros? A violência nos ataques? Os gritos, as ofensas, as ameaças e obsessão de tomar o Egocon?
Bem, tudo isso poderia ser um truque. Mas aquela aparência, e o ar em volta de Gipsy, sempre instigou a curiosidade das Lullabys. Para algumas, é uma armadilha fatal. Para ele, foi um dos motivos de ter tantas cicatrizes pelo corpo, por toda a sua costas... Incluindo aquela que cisma aparecer por baixo da camisa de gola aberta...
Na cabeça dela, esses fatos não encaixavam entre si. Por isso, fechou um pouco a expressão do rosto e tentou mudar o tom de voz, após ficar desconcertada por cumprimentar o Hunter.

— Escuta aqui, caso não tenha percebido, essa área é minha e por essas bandas está cheia de criatura como eu. Se eu fosse você, eu...

— Eu sei disso. Sei também que vocês respeitam um código entre si e me derrubariam em conjunto caso isso fosse combinado previamente entre vocês. E sei que você está sozinha...

— ...

Um novo silêncio se instala novamente na voz dela. Percebe que ele sutilmente a observa, mas tem algo a mais naqueles olhos. Impossível, no momento, descobrir algo por estarem semi-cerrados. Deixa escapar um cansaço de décadas sem dormir direito.

— Pelo tamanho da arma, tipo e aparência singular, você é a Lullaby do qual me relataram - Argumenta Gipsy, sem mudar sua nítida neutralidade enquanto conversa com ela.

Isso era raro no Hunter: sempre estava com os pensamentos a mil por hora, focado em mais de três coisas ao mesmo tempo e desfocado em todas elas.
 Nunca estava em paz. Sempre em movimento, sempre em ação. Sempre em guerra...
Puxou do bolso o maço de cigarros. Não estava tão amassado quanto a regra dos esterótipo manda. Acendeu o cigarro e deixou de canto de boca. Deu umas tragadas, e guardou novamente a caixa no bolso.
A Lullaby abriu um sorriso sem graça, e fechou logo em seguida:

— Ah, claro! Logo vi o seu real propósito. Não poderia ser outro.

— Ao que me consta, estamos em guerra desde a nossa existência - Disse o homem, com a expressão calma, colocando cápsulas de Egocon na arma  como se fossem munições para derrubar um elefante.

Falou tudo isso sem dirigir o olhar para ela. Seu cigarro queimava rápido pelas rajadas fortes de vento e pelas tragadas constantes do seu usuário.

— Quantos anos você tem? - Gipsy pergunta, agora fitando a Lullaby.

É do seu feitio, misterioso Hunter,  a perguntar  a idade das Lullabys  que abate?

— Sim, eu tenho essa mania. Eu sigo um tipo de pensamento...

— Vai dizer que isso tem a ver com nossos níveis...?

— Hm... mais ou menos isso...

— Eu tenho 185 anos...

— ...

O Hunter abaixou a cabeça novamente. Gira a arma e coloca no coldre de seus intermináveis cintos que se cruzam.

—Tsc, tsc... - suspira o homem - E o seu nome?

— Você parece desapontado... Meu nome é Iuvenis. Perguntar o nome também faz parte?

— Não, o nome geralmente não me importa...

"Que Hunter mais estranho", pensou Iuvenis.  De súbito, tirou seu rifle apoiado no chão e colocou Gipsy em sua mira; começou a falar desenfreadamente:

— O que você veio fazer aqui? Aliás, qual é o seu problema? Eu estou aqui, no meu posto. Nunca te vi mais gordo. Ultimamente, não venho caçando ninguém da sua raça. Eu mal cruzo o caminho de vocês. Por que vem me perturbar?

— Podemos começar com a interferência que a raça de vocês causam na Ressonância...

— Homem! Se der mais um passo, eu juro que atiro!

— Acho que você está muito nervosa - Gipsy tira do bolso um tipo de doce em barra e mastiga cinicamente na frente da criatura.

— Eu acho que você está me subestimando - Iuvenis engatilha o rifle - Eu falo sério, Hunter. Vá embora e me deixe em paz!

"Essa luta não passará desta tarde - pensou o homem - Muito provavelmente eu vou me entediar e ir embora".

Agora, ele argumenta em voz alta:

— De fato, eu não sei o que eu vim fazer aqui, ao certo.

 A Lullaby  não tirou-o da mira. O Hunter assoprou a fumaça do cigarro para o alto. Com ele ainda na boca, abriu os braços e perguntou, sorrindo:

— Então, quem vai começar?

Só o vento ousava mexer os grãos de areia de forma brusca. Nenhum dos dois arriscou fazê-lo. Mas ficar fora de riscos por muito tempo nunca foi o forte de Gipsy:

— Eu começo! - disse o homem, em uma velocidade juntamente com seu corpo mirando a arma na Lullaby, que foi difícil distinguir se a frase saiu primeiro do que o saque da Rudder. Gipsy nunca precisou se esforçar tanto para ter uma boa mira. Quanto à escolha do alvo, isso sempre foi muito questionável...

" Bang!" - O eco assustador do disparo do rifle foi levado as direções diversas daquele inicio de tempestade arenosa. O chapéu de Gipsy caiu. Mas ele sumiu diante dos olhos de Iuvenis sem deixar vestígios:

- Eu... o acertei...?

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Em algum canto daquela área árida sem começo nem fim, à semanas um Hunter específico luta pela sua sobrevivência. Passou as horas, de todos os seus dias, escondendo e sendo achado por Florença, que não desiste do seu grande alvo.

À dias que ataques são trocados.

À dias que Cordas está cada vez mais fraco.

À dias que a Lullaby está levando a melhor.

Florença estava sim, bem ferida, e vez ou outra colocava a mão contra o peito, como se tivesse sido fatalmente atingida. No entanto, estava de pé, com muitos machucados e hematomas; suja de areia.Firme. Implacável.
Cordas, por outro lado, embora estivesse também de pé,  encontrava-se muito mais ferido que Florença. E isto era sem dúvida, o mais trágico nesta cena. Como um Hunter poderia permanecer naquele estado e ainda conseguir lutar?
Ele é apenas um homem. Um ser comum. A raça superior é, sem dúvida, as Lullabys. Isso é constatado desde os primórdios, e ao analisar lutas  como esta. Passou-se semanas e Florença  nem parece que está cansada. Aparentemente Cordas também, mas isso é só uma doce ilusão. Outro Hunter, nesta situação, já teria entregado os pontos! Teria mostrado dor, teria exposto extrema fadiga e teria se entregado novamente. É a tal famosa Recaída  que os Hunters mencionam toda vez que um deles cai na armadilhas de sua algoz.
Quatrocordas, aguentando tudo naquele estado, sem choramingar de dor, é a situação mais triste, porém heroica: Hunters são seres comuns, porém formidáveis. Hunters como Cordas, então,  são além desses elogios.
Todavia...

— Lamentável, Cordas. Admirável e lamentável!

— ...

Florença enaltecia a resistência sobrenatural que o homem exibia. O que ela não queria admitir para si mesma era o fato de não conseguir compreender como hematomas tão escuros, sangue escorrendo  pelas têmporas e cabeça, arranhões sérios e profundos e todos eles  não  forçavam o rival a pronunciar um "ai". Isso tudo, em contrapartida, criava um paradoxo para ela:  era por esses motivos que Florença era tão obsecada por ele.
O silêncio estava de forma homogênea do lado de fora de Cordas. Por dentro, vários nomes e um crescente caos tomava conta de seus pensamentos. Como um exímio observador, conhecia seus amigos, sobretudo Gipsy. Até onde ele mesmo teve seu ultimo contato com o
líder do Deep Sea, sabia como Gipsy estava atualmente.
A vontade de encontrar Gipsy e a frustração aumentava a cada golpe ou tentativa falha de escapar dos ataques de Florença . Todavia, deixar de pensar no amigo era quase impossível. O Hunter de chapéu preto tinha uma áurea misteriosa que atraía pessoas para perto dele, fosse pelos seus defeitos ou qualidades. Isto, a resistência de Quatrocordas não co seguia ir contra. E talvez nem quisesse. Mas pelo amor que sentia pelo amigo, precisava sair dali vivo só para oferecer-lhe a chance de mudar seus pensamentos e pontos de vista diante de uma nova verdade, ainda desconhecida por Gipsy. E, bem, nesta batalha, o amor próprio de Cordas também contava.
O nome de Glasses também ecoava em sua mente. Era outro que precisava rever os conceitos e quem sabe mudar sua realidade perante as Lullabys. E Vanitas...Ah! Estava tão presente a voz deste! Ouvia a voz do colega toda vez que espatifava no chão pelo ataque de Florença:

"Creio que eu não terei tempo..."

Como se tudo isso não bastasse, ainda tinha de lidar com a contagem das três semanas restantes. Seu tempo estava esgotando. E a qualquer momento, enquanto sua mente aos poucos se perdia na febre, Florença podia se transformar no pior pesadelo de um Hunter, e na morte personificado de Cordas.

Foi inevitável. Seus devaneios lhe trouxe um formigamento em meio de tantos flashbacks. Essa dormência, qualquer Hunter uma vez atingido, conhecia muito bem.

Cordas percebeu tarde demais.

Cordas foi atingido no coração...