O menininho de 5 anos acordara chorando. Um desespero e um aperto no coração o fez levantar rapidamente da sua cama com os olhos cheios de lágrimas quentes que ainda escorriam pelo seu rosto.
Atordoado e querendo ver apenas uma só pessoa, ainda zonzo correu pelo cenário de seu quarto que conseguia reconhecer, mas ignorava todos seus elementos. Com seus pequenos braços, suas mãos deslizavam pelo corrimão da escada de madeira e em carpetado de um verde- escuro, e seus pés faziam tamanho barulho cada vez que encontrava um degrau abaixo que sua mãe veio lá da cozinha, assustada, achando que seu filho tivesse caído.
- Mamãe, mamãe! - Falava o menino, soluçando e feliz por encontrar, na sala e olhando-o na escada, sem entender nada, a pessoa que tanto ele desejava ver.
- O que foi, filho? O que aconteceu? - Perguntou a mãe, com um tom de grande preocupação e amor.
O rosto do menino encontrou o ventre da mãe e se afogou em lágrimas ainda mais sinceras. Tudo ficou escuro pois se negava olhar ao redor: bastava o perfume, o avental ficando úmido e o abraço quente de sua protetora para calmar o coraçãozinho dele.
Quando ele se acalmou um pouco, sua mãe pegou-o no colo e colocou-o em cima da parte alta do encosto do sofá, fazendo com que aquela criaturinha pudesse se expressar melhor olhando com menos esforço pra cima afim de encontrar os olhos de sua criadora. A mãe já fazia ideia do que era:
- Você teve um pesadelo, foi?
- Sim, mamãe! - O menino ainda soluçava.
- E o que você sonhou de ruim? - Perguntou a bela jovem de cabelos negros, provenientes de uma descendência misteriosamente desconhecida.
O menino então, começou a relatar:
- Mamãe, eu sonhei que o mundo mudou! Lá fora as pessoas se odiavam, mas poucas revelavam isso. Todo mundo ou quase todo mundo mentia, e fazia outras pessoas chorarem. Sonhei que as pessoas se esqueciam de quem eram no começo e seus sonhos eram mudados ou roubados várias vezes.
Dai, mãe, daí eu cresci junto com todo mundo. Aos poucos eu fui mudando e esquecendo quem eu era. Mas daí eu fui vivendo. Gostava bastante de pintar mas as pessoas viam e faziam eles ficarem preto e brancos e diziam pra mim que tava tudo errado nele. Mas queriam trocar eles por uma bala. Uma bala só, acredita, mãe? Eu achava que o que eu fazia valia muito mais, mas o planeta não achava isso.
O menino tomou mais fôlego e continuou:
- Daí eu comecei a trabalhar, mas as pessoas em volta de mim ficavam doentes ou morriam. Todos os dias, todos os dias. Na televisão as mortes eram coisa normal, e todos assistiam , parados, como se fosse normal tudo aquilo. Ninguém ia lá ajudar. Aí também muitas rezavam para o Papai do céu, mas tinha muitos papais dos céis e cada um era diferente do verdadeiro. E as pessoas brigavam pra saber qual Papai do céu era o melhor. Aí nisso mais pessoas morriam. Daí eu, com medo, escolhi não ter nenhum também...
Os olhos do pequenino agora pareciam se focar em algo distante, e triste, que chocava com a sua realidade pura:
- Eu lembro que magoei aquela menina da minha classe que eu gosto porque eu mais velho não encontrou ela. E acabei achando outra menina. E eu BEIJEI ESSA NA BOCA! BLAGH!! Eu não acredito que eu enganei ela e eu, porque eu gosto dela ( a da minha classe). Tanto é que eu disse que eu quero casar com ela, mas no sonho era outra. E depois da primeira, veio muito mais.
Agora o garoto gesticulava mais e mais com as mãos, não contendo as imagens que viam enquanto ia dizendo detalhe por detalhe do pesadelo:
- Mamãe, o mundo tava cheio de gente, mas todo mundo se sentia sozinho, e uma mancha preta tomava conta do coração e do corpo da pessoa. Existia coisas que matava mais rápido, e daí comecei a beber e fumar cigarro que nem os adultos! Acho que também eu era... Eu estava crescendo, mãe, mas que nem eles!
Sonhei que a gente usava diversos aparelhos do futuro para conversar com os outros, mas a gente não sabia conversar direito com os amigos ou as pessoas porque a gente era burro! A gente gostava mesmo era de xingar as pessoas. O significado das palavras estava tudo ao contrário, e isso criava ainda mais confusão, porque cada um dizia uma coisa, e eu não sabia em que acreditar.
Uma expressão de assustado deu lugar agora a uma tristeza quase sem fim naqueles olhos que cismavam brilhar com a quantidade de lágrimas que queriam sair:
- Mamãe, eu sonhei que eu estava longe de você, do papai, e do meu irmãozinho que ainda nem nasceu. Ele morava com vocês, mas eu não. Eu fui morar longe de vocês. Eu buscava alguma coisa, mas isso vivia se escondendo de mim. Acredita? Eu, morar sozinho, longe de você?
Ele começou a chorar de novo, mas continuou:
- Conheci amiguinhos e amiguinhas também, adultos, mas poucos falavam de quando era criança. Alguns mal brincavam. Queriam fazer coisas de adultos. Daí eu também fazia cada vez mais com eles, até que eu esqueci de assistir desenho, andar de bicicleta, pintar. Daí, mãe, daí eu não dava mais risada. Achava todo tempo que ia morrer. A vida ficou sem graça. Eu não tinha mais meu ioiô, meus amiguinhos de escola sumiram, quando a gente voltava a se ver, a gente tinha se esquecido um do outro e no fim, no fim, meu avô, minha avó, meu pai e você tinha morrido.
................
Agora as lágrimas se tornaram constantes no menino, tanto que esse final ele dizia perdendo quase a voz, por culpa da linguagem do choro:
- Mamãe, você vai morrer? Eu não quero isso! Eu tenho medo de perder você, o papai, meus avós e meu irmãozinho. eu preciso de você, eu mal sei ir dormir sozinho do escuro. Por favor, promete pra mim que você nunca vai me abandonar. Promete? Que você não vai embora? Eu amo ser criança. Até lembro que eu conheci umas crianças que me faziam lembrar as vezes que eu já tive essa idade que tenho agora, mas a magia delas pra acontecer isso durava pouco tempo. Eu nunca vou esquecer de mim,, nem de você. Eu te amo, mãe!
A mãe dele riu com os olhos cheio de lágrimas e disse, após ele terminar:
- Seu bobo! Você só teve um pesadelo. Eu nunca vou te abandonar. E por que você está com esses papos doidos de morte? Sua mãe aqui, seu pai e sua família toda vai viver bastante tempo. Até você! Agora vem aqui, pra eu te abraçar forte! Já passou, já passou...
O menino soluçava de tremer. Quando se acalmou, limpou o rosto na roupa da mãe, que lhe cariciava sua cabeça, e a beijou no rosto e perguntou:
- Mamãe, quando eu crescer eu vou perder o medo do escuro?
- Sim, filho. Creio que sim. Você será muito corajoso quando crescer! E vai me dar muito orgulho! - disse docemente a mãe.
- E as pessoas, elas são ruins?
A mãe fez uma careta como se quisesse rir, mas não teve tempo para responder. Veio uma outra pergunta do pequeno:
- Mãe, será que um dia eu vou esquecer de quem eu sou?
Esta sorriu, e respondeu como se fosse algo bem óbvio:
- Você, se esquecer de si mesmo? Você é ótimo naqueles jogos de memórias, realmente um espanto! E tem mais: Não tem como se auto-esquecer.
O menino se tranquilizou. Por fim, disse:
- Mamãe, eu gosto muito de você!!
- Eu também gosto muito de você, Rafinha. Agora vai tomar seu leite porque eu já comecei a fazer o bolo de chocolate.
- Bolo? Eeeeeeebbaaaaaa! Ué, mas alguém faz aniversário hoje? - perguntou o curioso menino.
- Você, Rafinha. Se esqueceu, foi? - a mãe brinca, e continua- Hoje você faz 28 aninhos...
Uma voz, que não estava na sala, ecoa:
- Hey, psiu! Acorde, senão você vai perder a hora...
.....................
O quarto escuro. Essa pouca iluminação: Agora constante, mas nunca gostei...
Avisto o gato que ronrona tranquilamente sobre meus pés, no edredom.
O cenário é totalmente diferente do que eu me encontrava agora pouco.
Meu corpo está maior e mais pesado. E me dei conta que acordei sozinho, no escuro.
Quanto tempo se passou, desde então?
Olhei ao redor e por alguns segundos, eu não sabia onde estava. "Onde estou?", "Quem sou eu?", " Meu nome...? Ra...Ra...f..."
Por instinto rotineiro, pego minhas coisas e saio. Apesar de ainda noite, é só mais um dia, acho.
Estou ciente de que estou acordado.
Entretanto estou crente de que ainda estou dormindo...
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