Sabe, eu admiro um certo lugar. Existe uma visão, dentre outras (e não sei dizer se são muitas) que me encanta e seduz. Não carrega nenhuma natureza pervertida ou sexual, muito pelo contrário: traz em si uma essência calma, mística e serena. Certas obras me fizeram lembrar que eu, quando era pequeno, ficava esperando essa visão aparecer para contemplar. Ficava horas e horas ali, admirando. Tentava não deixar escapar nenhum detalhe daquele mundo. As vezes sinto muita familiaridade com essa visão, esse lugar. Lá guarda-se muitos segredos e tesouros. É praticamente um reino, onde desejo incessantemente conhecer, sentir, tocar. Se pudesse, seria um dos guardiões dele, entretanto nem sou tão honrado assim.
Assim como uma garota bonita que minha infância sente receio de se aproximar e só fico distante admirando, minha relação com esse reino é igual.
Todos tem a sua hora para conhece-lo de fato.
Eu, impulsivo , tentei burlar minha chegada lá diversas vezes...sem êxito.
Onde eu moro, não é proibido, mas é loucura querer chegar neste lugar antes do chamado. Quebra algumas regras. E isso é visto com maus olhos.
Até um tempo atrás, tentei fazer uma nova viagem.
Só porque eu recebi uma notícia que eu não esperava...
Foi diagnosticada uma relação com nomes e listas de quem poderia ir pra lá...
E, numa lista onde dizia: "possíveis" pessoas, havia um nome que eu conhecia muito bem...
...Uma pessoa que eu amo...
Essa lista considera quem quer. Ela não é e nunca será definitiva, pois os reinos e os mundos se interligam através de ações e fatos. Parece que tudo é mutável e decidido dentro de curtos espaços de tempo.
Para que a viagem ocorra, e essa lista torne-se definitiva, exige-se uma série de ações (ou não) que fazem que se aproxime mais a partida. Mas ela age mais como se fosse uma notificação pelo correio, dizendo que o reino está de olho nessa ou naquela pessoa, para "convida-la" a fazer parte dele. "Convidada" porque o resultado final é mutável. Acho...
Porém, de novo, antes mesmo de recebe-la pelo correio, só do fato de desconfiar que a carta chegaria, lá vai o menino para o quintal fazer sua nova tentativa. Suas habilidades lhe fazem crer que desta vez a viagem será feita. Esse menino não poderia ser outra pessoa, senão eu.
As vezes que tentei não consegui e as vezes que pareciam que me chamavam, fui relutante.Não estava pronto. Sentia ter deixado uma ou duas coisas para trás, ou não estava trajado adequadamente para uma viagem tão longa e bonita.
O meu quintal estava bagunçado. Uma geringonça, similar a um foguete no maior estilo Steampunk, estava já apontado para o destino. Montei-o e acionei a alavanca. Não antes, é claro, de ajeitar os óculos para a ocasião. Até que desta vez eu até tinha mudado a cor deles: Apostando na hipótese de que, não sendo chamado, eu seria proibido de ver como era a viagem, os segredos e suas belezas, eu coloquei um óculos preto de aviador, que me deixava cego e mal enxergaria minhas atitudes ou até mesmo os detalhes do passeio. Ele também não deixaria nem sentir o vento e a velocidade que eu partiria...
O mais importante era tentar entender o que passava pela minha cabeça naquela hora:
"inveja"?, "desespero"?, "medo e covardia"?...
Não sabia. Não entendia. Eu sou um menino. Não entendo essas coisas...
O lançamento foi feito. E quem via de fora, avistava a sombra de um arteiro em cima de um foguete, que lançava fumaça e via que, desta vez, aquela criança da vizinhança chegaria ao seu destino.
Foi então que eu, sem ver nada e sentir nada, percebi que o que eu queria e estava fazendo era loucura. Não valeria a pena. E mais : se eu fosse, eu deixaria algo pra trás:
A chance de salvar. Ou me despedir.
Desejei que a máquina desse um pane nas alturas, e prontamente fui atendido, aterrissando numa queda que terminou numa forte pancada no chão e fui arremessado, com diversas cambalhotas, até parar, a muitos metros do meu quintal. Meu amigo, que cansara de ver minhas tentativas frustradas, estava estrategicamente parado, esperando eu cair dos céus, no resultado de mais uma falha minha. Até me admirou ele saber o local exato onde eu cairia, e me aguardava pacientemente, como sempre foi.
Ele não falou nada. Só me estendeu a mão. E abriu um leve sorriso. E me deu um tapa de leve na cabeça...
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Agradeci mentalmente o resultado desastroso da minha não viagem. O jeito era ficar. E só tomar uma atitude após a carta chegar.
Mas nunca deixei de admirar. Todo dia estava lá, ou pensando num jeito de ver o reino de perto, claro, sem forçar nenhuma natureza.
...E, dentro da infancia de um passado não tão distante, lembrava que me encontrava deitado, desde pequenininho, ali, no degrau, olhando. E alguém estava perto de mim, não admirando, mas ocupada em outras tarefas. Então eu alternava minha admiração entre o reino e o meu amor.
Os dias correram...
Até...
...O correio chegar com uma carta. Bem diferente das demais.
Eles mandaram uma carta estranha. Eles seguem uma ordem de envio. Entretanto o que chegou em casa foi uma carta avançada. Pulou alguns protocolos: O reino deixou claro que QUER MESMO quem ele escolheu.
A carta nos roubou alguns preparativos internos. No começo, ficamos sem reação. Mas isso, de alguma forma, nos fez pensar melhor no que fazer...
Posteriormente, parece que mandaram a carta errada. Bem, pelo menos na ordem. A outra chegou, depois de alguns dias. A que esperávamos,sem nenhum pedido de desculpas pelo erro deles sobre a ordem de notificações. Deixando de lado o que não nos convém, começamos a nos se concentrar no que iremos fazer daqui para frente...
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Agora, me encontro alerta. Bem sentido. Acordado, e meio triste.
Já buscamos informações de pessoas que receberam a carta mas protelaram sua viagem, fazendo acordos e tomando atitudes para que o reino espere um pouco mais.
E é nessas horas que eu não sei como agir. Não sei se antecipo minha raiva por algo que sempre admirei e nunca entendi sua forma de pensar, por ter observado minha casa de longe e ter apontado para alguém próximo a mim. Tenho medo de descobrir que seu brilho é feito dos brilhos de quem está aqui por ora, e não reconhecemos.
Sério, não haverá mais graça se isso acontecer.
Não quero não saber em que ponto estará, em que brilho se esconderá, caso a viagem seja realmente feita.
Não quero olhar para tudo e achar que tudo está me presenteando com o efeito dos mais bonitos tesouros.
Eu ainda preciso amadurecer. Eu não estou preparado para fazer novas tentativas e não receber uma bronca por estar bagunçando meu quintal com ideias malucas.
Não quero que me preguem uma peça. Não quero me sentir triste e feliz, mais do que já estou.
A confusão é demasiadamente expansiva. Minha felicidade e dor se espalha feito constelações num fundo negro que faz parte dos meus sentimentos obscuros que ainda não tomaram forma.
Talvez eu não possa conseguir odiar algo que sempre admirei.
E quero acreditar que o que vem de lá não é nada pessoal, pelas minhas tentativas de tentar chegar lá sem o convite.
Mas não deixarei que venha a próxima carta. Não por enquanto...
Não até eu me sentir maduro e crescido, pronto pra abandonar minhas bugigangas no quintal e seguir em frente...